terça-feira, 5 de julho de 2016

A Violência contra a Criança e o Adolescente


                             A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

       Até o Séc. XVII o Infanticídio era tolerado. O pai tinha o direito de flagelar seu filho, de prendê-lo em correntes, de jogá-lo para ser devorado por animais ferozes. Isto muito nos horroriza hoje, aqui. Mas não estamos longe disto, apesar d não ser mais tolerado, continua, efetivamente, acontecendo.
       O enternecimento despertado por pequenos filhotes, gatinhos, cachorrinhos, macaquinhos e bebês humanos, é substituído, em mentes perversas, pelo prazer da dominação, pelo prazer do poder absoluto.
       Crianças passam por Hospitais em Serviços de Urgência, passam por escolas em seus serviços psicológicos, passam por Processos Judiciais, intermináveis, com inúmeras avaliações periciais, passam pelo nosso olhar que prefere não ver, pelos nossos ouvidos que preferem não escutar, e preferimos o silêncio. (lâmina de macaquinho não vê, não ouve. não fala).
       São três as formas de violência praticadas contra a criança e o adolescente. A Física, a Psicológica, e a Sexual. Todas causam prejuízos irreversíveis à mente, por isto devem ser combatidas para que cesse a produção de danos, assim reduzindo suas consequências.
       Na violência física o álibi era, e continua sendo, a educação. Batia-se nua criança para ela obedecer, para ela ser corrigida. Curioso é que esta “educação” só acontecia enquanto havia uma assimetria entre os tamanhos da criança e do adulto, pai u mãe. Esta assimetria é que garantia para o adulto a sensação de Poder. É a Síndrome do Pequeno Poder, que tanto acomete o ser humano. E como uma lei não muda um comportamento, continuamos a ter no noticiário as vítimas, os infanticídios a céu aberto.
       Também não se enquadra a desculpa da “educação” a bebês que choram. Os bebês são vítimas com número elevado de entradas em P.S., a extinta Abrapia contabilizava cerca de 90% dos registros de zero a dois anos. Pais enfurecidos arremessam bebês contra a parede, mães irritadas sacodem seus bebês, ambas as situações  para fazer o bebê parar de chorar. A síndrome do Bebê Sacudido não é diagnosticada. Ao sacudir fortemente a cabeça do bebê chicoteia para frente e para trás várias vezes, ocasionando micro hemorragias cerebrais, tornando assim o bebê letárgico, que o leva a um sono profundo. A repetição desta prática faz com que, cada vez mais, ocorram as micro hemorragias e com que este sono seja cada vez mais profundo e demorado. Nestas ocasiões as mães trazem o bebê no hospital, dizendo que ele tem alguma coisa porque estava chorando muito e dormiu de repente.
       A pele é a parte mais atingida na violência física, seguida do esqueleto, e dos órgãos abdominais, a altura do chute do adulto. As lesões intracranianas, como aconteceu com a Joana, que deu entrada no Serviço de Urgência em estado comatoso, sendo liberada algumas horas depois em  coma, coma do qual não saiu mais.
       A verificação da pele de uma criança que é espancada exibe hematomas, escoriações, marcas que tem colorações diversas apontando, pela idade das impressões, para a frequência dos espancamentos. Um olhar atento pode, e deve, detectar esta história de maus tratos escrita no corpo da criança.
       Os ossos também deixam gravadas agressões anteriores. Fraturas e fissuras ficam inscritas e podem ser vistas com o olhar de qualidade nas radiografias e tomografias. Fêmur é atingido por chute, mas aparece como consequência de queda de escada, aliás, desculpa para vários espancamentos, com direito até a abuso sexual violento.
       Rompimentos de fígado e de baço, seguidos de hemorragia, são comuns neste tipo de violência contra a criança.
       O fato da criança confirmar a historinha contada pelo adulto que a levou ao hospital não é suficiente para afastar os indícios de agressão praticada por um adulto. As questões intrafamiliiares têm complicadores. Compromissos, pactos de silêncio, chantagens e ameaças de mais uma surra ainda pior, levem a criança a esconder a verdade do que ocorre. E muitas vezes, na maioria, não lhe é perguntado sema presença do adulto ao lado. O protocolo manda que em casos suspeitos, assim como nos confirmados, deve-se manter a criança internada para que as instituições devidas façam uma primeira apuração. 
       Os bebês espancados, muitas vezes com fratura de base de crânio, podem passar pelos serviços médicos sem que se levante suspeita, a justificativa da mãe é sempre a mesma, “caiu da cama”, mas é preciso olhar com cuidado e ouvir com atenção porque bebês de 02 meses não caem da cama porque ainda não se viram, mas a frase dita é a mesma.
       A Violência Psicológica raramente chega ao hospital, só quando se instala um quadro psicossomático decorrente dela, de tal ordem que começa a afetar a saúde da criança. Mas ela permeia as outras formas de violência, a física e a sexual. O comportamento da criança muitas vezes deixa à mostra o sofrimento psicológico que ela está vivendo. Retraimento, tristeza visível, desalento, autonegligência, comportamento de alto risco, são expressões desta violência psicológica.
       A Violência Sexual é a mais devastadora das violências. Ela inclui uma violação ao corpo, mesmo quando ele não é, sequer, tocado, e uma invasão à mente. A desobediência à interdição do incesto, marco civilizatório do processo de humanização, abrange em torno de 85% dos casos de abuso sexual, representados aqui por pai/padrasto, 75%, e 10% por avô, irmão e tio consanguíneo. O restante dos casos cabe ao não parente mas em sua maioria, professores, padrinhos, padres, pastores, pessoas que tem papel de autoridade conhecida da criança. Portanto, o abusador é quase, quase sempre uma pessoa que a criança ama e obedece.
       O Abuso Sexual Intrafamiliar é uma tatuagem na alma de meninos e meninas. Papéis são invertidos, a lei é transgredida sob o comando do adulto, o pacto do segredo obtido por sedução, chantagem, ou ameaça, sendo a mais comum a frase ”se você contar para alguém eu mato a sua mãe”, empurra a criança para o lugar de protetor do abusador para proteger a mãe. Por sua vez, o abusador sexual é pessoa acima de qualquer suspeita. O horror de imaginar um pai abusando de um filho ou de uma filha é tão repugnante que a mente rejeita por defesa esta possibilidade. Porque é um comportamento sub animal.
       É considerado abuso sexual qualquer ato entre uma criança ou adolescente e um adulto ou mais velho o5 anos ou mais que a vítima. E, quando da alteração do E.C.A. em 2010, até então não havia nenhuma referência escrita, nenhuma tipificação do crime de abuso, ficou estabelecida a denominação de estupro de vulnerável para qualquer ato libidinoso, com ou sem penetração digital ou peniana, esta rara, só em torno de 5% de ocorrência, porque o pedófilo não quer  deixar rastro. É um crime às escuras.
       O abusador não tem no prazer sexual o seu objetivo. Um bebê de alguns meses, uma menina de 02, 03, 04 anos, um menino de 03, 06 anos, não possuem atributos eróticos nem respostas eróticas que contemplem um desejo sexual de um adulto. Desprovidos de caracteres sexuais secundários, estes meninos e meninas não tem eroticidade capaz de atrair sexualmente um adulto. É a perversão que comanda a prática da pedofilia, muito semelhante, em vários aspectos, à necrofilia.
       As consequências da violência são nefastas. A violência física produz ao longo do desenvolvimento uma identificação da criança com o agressor. Aprender a mentir, e o gostinho de falsificação que se alastra por todas as relações afetivas e interpessoais, e principalmente as relações afetivas, durante toda a vida. Podemos observar que nos casos de Bullying na escola, há uma reprodução da cena de violência intrafamiliar. A criança que é espancada pode repetir a posição de humilhação e submissão, e ser invadida pelo medo inscrito nas agressões sofridas em casa, se tornando assim o aluno alvo, a vítima de novo, no Bullying. Pode acontecer também que a criança que é agredida se torne agressor, aluno autor, e, se colocando no lugar do pai ou da mãe, reproduza a violência com um mais fraco.

       A consequência mais danosa é o padrão psicológico que se forma, de medo, de submissão, de falsificação, de violência, que acaba sendo banalizada para se tornar suportável. A autoestima fica, severamente, comprometida em todas as formas de violência.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário