sexta-feira, 9 de abril de 2021

A Violência contra a Mulher e a Criança. Suas diversas formas cada vez mais naturalizadas - Parte II

 

A Violência contra a Mulher e a Criança. Suas diversas formas cada vez mais naturalizadas

Parte II

     A Violência Institucional, determinada e praticada pela ordem jurisdicional da Privação Materna Judicial, está produzindo o adoecimento de Crianças e de Mulheres/Mães, de dimensões, hoje, incalculáveis.

     A importância dos Cuidados Maternos na 1ª Infância vem sendo estudada, cientificamente, por vários autores, há décadas. O vínculo materno, vínculo visceral-afetivo, e aqui estou falando do conceito teórico de vínculo afetivo e vínculo primário, não confundir com um uso distorcido e banalizado, que diz respeito ao raso termo de convivência, fundamentou teorias do desenvolvimento afetivo da criança. Vou me ater a alguns autores, Bowlby, Spitz, Winnicott. Bowlby teorizou sobre a importância dos cuidados maternos para a saúde mental da criança, ressaltando que sua ausência é responsável pelo aparecimento de doenças mentais na idade adulta. Winnicott, valorizou a relação bebê-mãe-bebê na saúde mental e na formação do caráter, relacionando a carência do cuidado materno com quadros de inadaptação social. Spitz nos oferece um conceito importante, o Hospitalismo, para a compreensão da importância dessa relação mãe-bebê. Estudou a interrupção desse vínculo em crianças internadas na Pediatria por motivo de doença somática, que, pelo afastamento da mãe, entravam em quadro regressivo, se negavam ao contato com a equipe médica, ficavam inapetentes, deprimiam, chegando à caquexia, e por vezes, chegavam a óbito. Spitz teve buscou embasamento dessa tese no estudo experimental do fisiologista Harlow, que demonstrou com chipanzés que haviam ficado órfãos ao nascimento que a falta de aconchego do colo materno, chegava a romper o instinto de conservação, levando à morte. A observação de Harlow se deu quando ele ofereceu para esses chipanzés órfãos a opção de escolher entre duas figuras montadas, num espaço, uma era feita de arame e tinha uma mamadeira com leite onde podiam se alimentar, a outra, era feita de trapos e lãs, tinha um colo aconchegante mas não tinha alimento. Os macaquinhos entravam, logo descobriam a mamadeira, se alimentavam e iam se deitar no colo da figura materna aconchegante. O que foi surpreendente é que eles iam preferindo o aconchego, onde permaneciam por mais tempo. E mais surpreendente ainda, foi que, alguns chipanzés passaram a ficar somente no colo aconchegante, chegando a morrer por falta de alimento nutricional. Spitz perdeu algumas crianças exatamente pela recusa do alimento, apesar de estarem cuidadas, higienizadas, estimuladas, recusavam o alimento, regrediam nas aquisições psicomotoras já conquistadas, deprimiam, e acabavam por contrair severas infecções. A este quadro ele deu o nome de Hospitalismo. Spitz conseguiu reverter esse quadro depois que passou a manter uma mesma enfermeira para cuidar, evitando assim o rodízio dos plantões e facilitando a construção de um vínculo afetivo substitutivo para a criança. Esta oferta de uma relação particularizada, passou a salvar as crianças que se ressentiam da interrupção do vínculo materno. Fica evidente que, ao nascer, precisamos de 2 alimentos: o nutriente e o afeto. E a interrupção desse vínculo pode ser letal para a mente, como apontam os outros teóricos ou, até completo.

       Cabe aqui uma pergunta. Quem pratica esta Violência Institucional, a Privação Materna Judicial, tem ideia do que está plantando? Quem será responsabilizado? Lembrando que este tipo de dano é irreversível.

     Com o manto de cordeiro protetor, o lobo usa a falsa alegação de “alienação”, e aquilo que era o motivo do processo, “a mãe alienadora” passa a ser submetida à punição de ser “alienada” porque se estima um dano futuro para a criança. É, tão somente, uma estimativa interpretativa lançada no futuro, porquanto não há comprovação científica desse termo, não há instrumento de aferição, sendo só interpretativo do olhômetro, não há estudos longitudinais que possam apontar para os tais prejuízos dos cálculos futuristas. Não há evidências nem atuais nem futuras porque não há como aferir esse comportamento da tal “alienação parental”. Existe sim, em ex-casais imaturos que não lidam bem com a frustração, comportamentos de manipulação, mentira, chantagem afetiva, chantagem emocional. Em casos mais severos de incapacidade de viver a frustração e a rejeição do outro, temos uma infinidade de exemplos de Feminicídio, que trazem a explicação, já tão conhecida, do “não se conformou com o término da relação”, escutada e lida milhares de vezes nos últimos tempos.

     Mas o dogma da “alienação parental jurídica” segue ignorando todo o desastre que está promovendo. O Estado combate essa alegação de alienação do pai produzindo alienação da mãe. E crianças têm sido entregues aos seus algozes.

     Retirar um filho dos braços de sua mãe foi escolhida como a tortura feminina por excelência, de maior eficácia para o aniquilamento da mulher, nos campos de concentração do Holocausto. A criança era retirada, levada para os laboratórios humanos, e quando estava prestes a morrer era devolvida à sua mãe para que ela a visse morrer. Ela era aniquilada, e se tornava irrecuperável em todas as suas capacidades, da mais simples à mais complexa. Era a morte em vida.

     Estamos praticando essa tortura. E, com o acréscimo de que essas crianças, as nossas, são entregues ao abuso sexual e à violência física e psicológica. A violência institucional entre nós é como a ideia de “público”. Não é de ninguém. Ninguém se responsabiliza.

     Continuaremos na próxima semana pensando sobre a Violência Vicária, hoje usada por pessoas e instituições, e depois na atitude que pode ser tomada em nome do afeto.       

quarta-feira, 7 de abril de 2021

A Violência contra a Mulher e a Criança. Suas diversas formas, cada vez mais naturalizadas - Parte I

 

A Violência contra a Mulher e a Criança. Suas diversas formas, cada vez mais naturalizadas

Parte I

     Parece que regredimos e reduzimos o conceito de violência, contra a criança e contra a mulher, à materialidade da violência física. Só serve o olho roxo, ou o estupro que dilacera. A ampliação do conceito contido na Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, que elencou, tipificando 5 formas de violência, a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial, a moral, em contexto de violência doméstica e familiar contra a Mulher, essa ampliação não conseguiu ser considerada em sua devida dimensão.

     No entanto, para além destas 5 formas de violência, encontramos duas outras formas que são responsáveis por estragos permanentes em crianças. Invisíveis em sua atuação, estas duas violências fogem da materialidade que é cada vez mais exigida quando uma vítima faz uma queixa de uma delas.

     Há algum tempo, recebi um vídeo de uma Mulher/Mãe, em desespero, ao lhe ser negado o Registro de Ocorrência de Violência Doméstica. Era uma Delegacia da Mulher, a vítima havia conseguido escapar do marido que lhe ameaçava matar. Estava com seus dois filhos, visivelmente, perturbados com a situação vivida. Medo estampado nos rostos. O policial, que tinha treinamento para esta delegacia especializada, lhe negou o Registro e pediu que saíssem de “sua delegacia” porque não via marcas no corpo dela que justificassem violência doméstica. Isto ocorreu dentro de uma Delegacia da Mulher.

     Esta postura primitiva do “só acredito vendo” reduz e viola garantias de Direito de Criança e de Mulher/Mãe, excluindo as formas igualmente perversas de violência que não deixam marcas aparentes. Há poucos dias, um menino deu entrada em hospital de emergência, já sem vida. Tinha hemorragias cerebrais e dilaceração do fígado que produziu uma hemorragia abdominal interna. Será que um espancamento desta ordem foi tão silencioso que ninguém ouviu nada? Será que foi a primeira vez que a criança era vítima de violência?

     E o mais grave: por que a voz desta criança não foi escutada? Ele chorava e resistia a voltar para a casa da mãe e do padrasto, de onde saiu morto para o hospital. Quantas pessoas tinham conhecimento do que estava acontecendo com esta criança? Mas, no meio do caminho tem uma pedra. Tem uma pedra no meio do caminho.

     A pedra se chama lei de alienação parental. Inibe genitores protetores a denunciar violências contra seus filhos. Aconteceu com a Juíza que foi morta com 16 facadas na noite de Natal, na presença de suas 3 filhas de 9 e 7 anos. Ela teve medo de pedir uma Medida Protetiva porque sabia, mais ainda como Juíza, que seria acusada de “atos alienadores”, uma falácia sem fundamentação científica, uma armadilha usada por agressores domésticos de vários tipos. Assim também, se o pai desse menino tivesse feito uma denúncia de maus tratos contra seu filho, certamente, certamente, teria sido acusado de alienação parental, e perdido a guarda da criança. Este é o rito jurídico. Denunciou violência sexual ou violência física contra a criança, perde a guarda e é afastado da criança. É uma manobra inacreditável. A justificativa é que aquele genitor está praticando a tal da invenção de alienação parental, então a justiça usa a tal da alienação e pratica alienação judicial contra o denunciante da violência. O autor da violência física ou sexual denunciada ganha de prêmio a criança com todos os poderes sobre ela.

     Se esses dois tipos de violência que têm indícios que podem ser verificados, e têm a voz da criança vítima que relata, muitas vezes com riqueza de detalhes que não fazem parte de sua etapa de desenvolvimento cognitivo, são desconsiderados, imaginem se haveria alguma possibilidade para denúncias de violência psicológica, por exemplo. Impossível, apesar de também causar danos permanentes.

     Em 2010, alguns dias antes da votação da lei de alienação parental no Congresso, morria Joanna Marcenal, 5 anos, hematomas, marcas de queimaduras, hemorragia cerebral, comatosa ao ser internada. A lei de alienação parental nasceu suja do sangue de Joanna. A mãe tinha sido acusada de alienação parental e proibida de ter qualquer contato por 90 dias com a criança. Ela foi morta antes de 30 dias da Privação Materna Judicial.

     Esta é a Violência Institucional que deveria estar listada na Lei Maria da Penha. A Privação Materna Judicial como consequência da punição dada a cada mãe denunciante de crimes contra a criança sob a alcunha de alienação parental é aniquiladora enquanto forma de tortura de mulher e de criança.

     Continuaremos na próxima semana pensando sobre esta violência institucional da Privação Materna Judicial, e seus desdobramentos em torturas refinadas, e sobre outra forma de violência, a Violência Vicária, de enorme dimensão perversa, que vem fazendo inúmeras vítimas. Para fazer frente a essas duas formas de violência familiar, corroborada pela violência institucional, há que se abrir espaço para uma nova postura dessas Mães/Mulheres em proteção a seus filhos. Faz-se necessário uma atitude inusitada que precisa ser implantada.      

Mais uma Lei Jabuti, a cortina de fumaça da legalização dos jogos de azar - Parte IV

 

Mais uma Lei Jabuti, a cortina de fumaça da legalização dos jogos de azar                                                                                                                                                                                                                          Parte IV

     Levantamos nas semanas anteriores o que está por trás da cortina de fumaça na campanha da legalização dos cassinos e do jogo do bicho. Agora se fala em “privatização” de jogos, para pegar uma carona com as inúmeras privatizações propostas. Algumas, só algumas, com muita coerência na perspectiva de privatizar ou ter um modelo híbrido, PP, público-privado. Lobistas falam maravilhas da legalização dos jogos de azar. Não vi ninguém preocupado com a aceitação social de hábito de jogo. O glamour do vício.

     Não é a questão moral que coloco em discussão. É a questão da saúde mental. Dependência à substância ou à conduta, é patológico. Mas, como muitas coisas que dizem respeito à Infância e à Adolescência, o que prepara o terreno para a instalação de uma dependência, de qualquer ordem, é ignorado, é descuidado. Os comportamentos de dependência que aparecem na adolescência começaram a ser plantados na infância. A qualidade precária dos afetos e cuidados com a criança, muitas vezes disfarçados por excessos de atividades que levam o rótulo fictício do “melhor preparo para a competitividade do trabalho”, escondem essa falha na afetividade. A queixa da falta de tempo que empurra para a terceirização da maternidade e da paternidade, também cobrem o afastamento afetivo. São muitas as desculpas, entre as quais vária que procedem no ritmo frenético da vida consumista.

     A dependência que vai aparecer na segunda década e, muitas vezes, vai acompanhar por toda a vida, num adoecimento que encarcera, foi iniciada nos primeiros anos de vida, em situações de abandono intrafamiliar. Não se abandona uma criança apenas quando ela é deixada num cesto ou numa lixeira. Às vezes, as crianças são abandonadas dentro de casa, tendo pai e mãe. E essa condição vai fazer com que ela se isole dentro dela mesma.

     Faz-se necessário, no entanto, entender a boa aquisição, hoje rara, da capacidade de estar só. Essa é uma capacidade que traz liberdade e apreço pelo outro. É a capacidade de se acompanhar, satisfatoriamente, por si mesmo. Não é solidão. É a não dependência do outro, que dá qualidade ao estar com o outro. É essa capacidade que nos permite ler um livro até o final e pegar outro. Hoje, observamos que a obcecada atitude de uma socialização superficial que não permite a vivência das boas emoções, e dos bons afetos. A palavra “amigo” perdeu seu significado para um contato raso, em meio a uma avalanche de exposição de aparências.

     Nesta linha de entendimento surge agora o jabuti da legalização dos cassinos de todos os tipos. Não sejamos ingênuos. Se não temos a cultura do pensar as várias implicações e consequências de uma “legalização”, se preferimos imaginar que será glamuroso, e que trará impostos para e educação e a saúde, empregos para os jovens, já começamos a blefar, alimentados por um lobby diário feroz. Vemos impostos para a educação que tem cada vez mais sua verba diminuída, com a saúde a mesma coisa. Empregos que serão camuflagens de exploração e turismo sexuais, incluindo as redes de tráfico internacional humano, sexual também.

     Não há Políticas Públicas para nossos alcoólatras. Não sabemos o que fazer com eles. Nem com os usuários de cocaína, craque, e os pequenos e seus joguinhos de celular e computador.

     Há que se pensar como usar a tecnologia sem dependência. Mas reclamamos, em rodas de conversas mas não prestamos atenção no movimento que este rio caudaloso está nos levando. Quando perdemos a ligação e a intimidade com as emoções genuínas, vamos fazendo substituições que deformam e secam nossa subjetividade. E emoções de verdade, viscerais, que repercutem no corpo, são o alimento da mente humanizada. Jogos de sorte ou azar, em suas repetições monótonas, não passam pelo processo cognitivo pleno humanizado, porque são a busca incessante de um triunfo, de uma vitória sobre o imponderável. Vencer o azar por uma lei aleatória. Violência minimizada cada vez mais para dar cor a este vazio interno. Esta ilusão é que atrai os buracos de afetos.