Artigos <p>As crianças de Barueri e as outras – Por Ana Maria Iencarelli
Psicopatas conseguem, com facilidade, convencer muitas pessoas de sua inocência. Este traço de sua personalidade, a capacidade de manipulação, é um sintoma patognomônico. Infelizmente, entre estas muitas pessoas, estão muitas vezes incluídos Peritos Técnicos, ou aspirantes a, e, Operadores de Justiça. Aquela frase de nossas avós e bisavós é correta: as aparências enganam. A questão se torna grave quando se trata de crianças vítimas de abuso sexual por parte de um adulto perverso e convincente em sua auto vitimização.
A mídia sofre da ação do lobby dos abusadores sexuais de criança. É mais espetacular quando há comoção ou possibilidade disto. Mas, se ela é deixada em compasso de  espera, perdendo a possibilidade de promover a comoção social, então, parece que se deixa atrair pela promoção da dúvida, até quando as evidências são incontestáveis, e pela indução à manipulação da opinião pública na defesa do “pobre abusador”.
Felizmente, a Justiça no caso de Barueri cumpriu, rigorosamente, seu papel e sua função. Não se deixou seduzir pelas câmeras da mídia. É simples cumprir o dever. E faz bem para quem foi violado em seus direitos fundamentais, posto que, violentado em seu corpo e alma. Neste caso, temos que considerar que não era um abuso intrafamiliar, e que fazia parte da porcentagem mínima de casos que têm provas concretas. No entanto, se fosse abuso sexual intrafamiliar, tenho certeza, a fantasia do mito da família feliz teria prevalecido, da dita necessidade do pai para o desenvolvimento infantil, até quando ele comete crime sexual contra o filho/a, e assim, como é hoje de alta frequência, a imagem cenográfica da publicidade de margarina no café da manhã “feliz”, teria prevalecido. Sendo o abuso sexual intrafamiliar, porquanto incestuoso, um crime quase perfeito, que se garante na sedução e ameaça verbal, nada é comprovável, visto que apenas cerca de 5% dos casos envolvem penetração.
Infelizmente, esta resposta justa, como aconteceu com as crianças de Barueri, que considera os artigos do E.C.A. que rezam pela proteção de crianças e adolescentes, não tem acontecido com frequência. Crianças têm sido desprotegidas por Operadores de Justiça, que ordenam a entrega de crianças abusadas a seus abusadores, pela justificativa de que pai é importante para o desenvolvimento da criança. Claro que é. Mas quando um pai viola o corpo de seu filho ou sua filha, violando irremediavelmente a mente dele ou dela, este pai está rasgando seu certificado de paternidade. Família feliz, pai legal, permeado por abuso sexual, só nas campanhas publicitárias de marcas de margarina ou de seguro de vida. Na vida real as crianças vão sendo revitimizadas a cada “convivência”, judicialmente determinada.
O conceito de trauma, vulgarizado e pouco compreendido, inclui também o trauma cumulativo, este que ocorre quando a criança é obrigada à convivência com seu abusador. Basta um minuto, pela presença, pelo local ou proximidade, por uma palavra, um gesto, um olhar, para que se restabeleça na mente da criança a cena do abuso, e isto é equivalente a um novo abuso, mesmo que neste minuto ela não seja nem tocada pelo seu abusador. É a vivência psíquica do abuso.
Lamentavelmente, corrompem-se conhecimentos técnicos na prática de silogismos que tudo “provam” e induzem, e são produzidos laudos com pouquíssima decência quando colocados à luz do E.C.A., Estatuto da Criança e do Adolescente.
Lamentavelmente, as outras crianças, muitas, muitas, milhares, talvez milhões, não tem o mesmo tratamento respeitoso à sua palavra e à sua integridade que tiveram as Crianças de Barueri. Bernardo morreu assassinado por ter pedido ajuda e proteção à Justiça. Era seu direito fundamental.