sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte XII

Como cresce uma Criança? Parte XII Os percalços que uma Criança sofre durante a infância, são muitos e de várias ordens. Crescer dói. Crescer dá trabalho. Crescer, não tem manual de instrução. O método mais seguido é, sem dúvida, o método de ensaio e erro. Em consonância com o raciocínio concreto, típico dessa faixa etária do desenvolvimento cognitivo, o experimentar é o único caminho sustentado pela cognição. Sabemos que os bebês humanos nascem ainda muito incompletos em vários de seus sistemas. Dependentes de um adulto cuidador que lhe garanta a sobrevivência. Sua necessidade prevê dois tipos de alimento: o nutriente e o afeto. O sono e a higiene completam as condições básicas da sobrevivência, sua dependência nessa fase, portanto, é absoluta. Essa condição de dependência absoluta em relação a alguém deve ser sempre considerada, posto que ela alicerça a consequente necessidade humana de construir vínculos. Somos seres, essencialmente, relacionais. E, como tal, essa condição humana imprime uma contínua troca de emoções. O crescimento emocional vai se dando à medida que as experiências relacionais vão se desenrolando. No entanto, queremos propor agora um exercício para se tentar dimensionar os efeitos de episódios de impacto de extremo estresse a que a Criança é submetida. Por definição, o impacto de extremo estresse se refere a atos de violência física e de violência sexual contra a Criança. Essas duas formas são paralizantes pela sensação brutal de impotência que causam. E, por esse motivo, produzem impressões permanentes no corpo e no cérebro da Criança. Não me parece muito difícil raciocinar sobre os efeitos da violência física e/ou sexual contra a Criança, considerando que está em desenvolvimento. É preciso ter o conhecimento que o sistema nervoso continua a se desenvolver durante a infância. Existem neurônios que crescem durante a infância. Existem estruturas nervosas que são responsáveis pelo filtro e pela administração das emoções. O sistema límbico é o local cerebral conhecido como o sistema que modula as emoções. Se pensarmos em como o aparelho que tem como função decodificar e filtrar ameaças ao corpo e fica exposto, continuamente, ao extremo estresse, como essa estrutura cerebral pode se desenvolver plena e saudável? Ou seja, se a função daquela estrutura é dar o alerta para a defesa do organismo, mas, a sobrecarga de estímulo, qualitativa e quantitativamente, invade e inunda, de maneira avassaladora, a mente daquela Criança, causando a disfunção daquela estrutura. Do ponto de vista fisiológico, o crescimento previsto dos neurônios é comprometido, e verifica-se a atrofia desses nervos. Será que é muito difícil pensar que esse desenvolvimento nervoso sendo obstruído pelo extremo estresse das violências sofridas, acarretará prejuízo irreparável? Estamos acostumados a pensar nas consequências psicológicas de uma violência física ou de uma violência sexual contra uma Criança, e deixamos de dar atenção às sequelas irreversíveis do sistema nervoso. Há estudos em Universidades e Centros Médicos que acontecem na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Alemanha, que buscam relações entre os abusos físicos e sexuais e algumas doenças, que já evidenciam conexões, por exemplo, entre essas violências na infância e o aparecimento de epilepsias de lobo temporal na idade adulta. Outras patologias têm sido observadas nessa relação com o sofrimento dessas violências na infância. Outro aspecto, esse não estudado, é o endocrinológico. Desconheço estudos e pesquisas que se dediquem à relação entre abusos sexuais praticados contra a Criança, e alteração hormonal na puberdade. É preciso estudar qual a consequência, por exemplo, do estímulo causado por penetração digital anal em pequenos que crescem com essa massagem diária de próstata, ou útero. É notável a precocidade da puberdade, o aparecimento dos caracteres sexuais secundários em Crianças, cada vez mais novas. Sabemos que é um estudo difícil de ser realizado, pela dificuldade de estabelecer hipóteses, de ter um grupo de controle nas pesquisas, mas também é difícil sobrecarregar Crianças com uma precocidade sexual desconectada do desenvolvimento da maturidade emocional. Talvez, a maior dificuldade seja verificar com critérios que respeitem o Princípio do Melhor Interesse da Criança, a ocorrência de abusos sexuais, aqueles que não deixam marcas visíveis, em sua grande maioria. E respeitar o critério que mais tem sido violado, dar crédito à voz da Criança, Sujeito de Direito, que tem sido tão desconsiderada e desqualificada. Como cresce uma Criança assim?

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte XI

Como cresce uma Criança? Parte XI Quantas coisas precisariam ser ditas sobre os efeitos e sequelas do impacto de extremo estresse, composto pela violência física E/OU violência sexual praticadas contra uma Criança. A repercussão dessas violências, na mente e no corpo da Criança, tem, por excelência, a sensação de impotência absoluta, que permeia essa prática. E, essa repercussão terá uma variação de padrão, segundo a idade, a etapa de desenvolvimento. Como já dissemos no último artigo, o extremo estresse vivido pela Criança marcará a sua existência em expressões compatíveis com as aquisições já conquistadas. Mesmo quando a Criança ainda não adquiriu algum código moral, ela terá impressa a impotência para impedir a violência, acompanhada do medo paralisante. Nessa semana tivemos a divulgação de crimes, que estavam acontecendo há muito, espancamento e abuso sexual, emblemáticos em seus conteúdos perversos e cruéis, que provocaram, mais uma vez, indignação de todos. Ver por imagens de vídeo um menino de 4 anos, como o outro que a mídia revelou no ano passado, quando foi assassinado por espancamento, encolhido, acuado, torturado, causou revolta. Leis, temos para ambas as situações. Mas, é a cultura da transgressão e o desejo de Poder Absoluto sobre um mais frágil, que, cada vez mais, rege nossa sociedade. Cotoveladas fortes no rostinho, seguidas de sufocamento de nariz e boca. A fragilidade daquele corpinho se assemelhava ao corpinho do outro, o que morreu. É obsceno. É indigno. É inumano. Animais não fazem isso com seus filhotes. Aquele ator, premiado, competente no que fez na dramaturgia, detentor da admiração de uma multidão de apreciadores das artes cênicas, acima de qualquer suspeita. Abuso de enteado de 4 anos e de garoto de 12 anos. Em seu celular e em seu computador, muitas imagens de pedo-pornografia. Muitos vídeos de estupro de bebês. Apenas 10% do total de abusos sexuais contra Crianças é denunciado. 10%, só. Entre 75% e 85%, aproximadamente, é o montante dos abusos sexuais intrafamiliares. Apesar dessa subnotificação, são cerca de 130 denúncias por dia. Pais, avôs, tios, padrastos, irmãos, primos, são os promotores desse crime dentro das famílias. Mães aparecem como coadjuvantes em alguns casos. Essa cumplicidade pode estar associada à intimidação e violência doméstica que sofre por parte do agressor, à dependência afetiva, à dependência financeira. Ser conivente com um crime de violência contra a criança é se tornar criminosa. Os maus tratos físicos e espancamentos também ocorrem, predominantemente, dentro da família, praticados pelos mesmos familiares acima citados. As mães entram aqui quando usam os castigos físicos como disciplina, o que é inadequado e está proibido por lei. Tomamos essas duas ocorrências que se tornaram midiáticas, para exemplificar o que ocorre aos milhões, com milhões de Bebês e Crianças, todos os dias. Os 90% restante permanece nas sombras, nos segredos de família, no silêncio pactuado, protegido pela Criança, e protegido pelas Instituições que têm por função, a garantia dos Direitos Fundamentais. Com uma boa distorção, opera-se a inversão do objetivo. E, ainda, “legalizada”. Não raro, aparece um vazamento de uma ocorrência macabra. Há poucos dias, um operador de justiça, bem graduado no Sistema, foi flagrado em estupro de vulnerável. Começou com uma menina, e logo eram 6 meninas. A violência é triplicada. A primeira, aquela entre um adulto abusando de uma Criança, a segunda, aquela que coloca a Instituição para proteger o abusador/operador, a terceira, a da decepção, aquela que obriga a vítima, e quem toma conhecimento, a enxergar sua vulnerabilidade elevada à potência máxima, quem é pago pela sociedade para exercer a função de guardião da lei, transgride. Assim também o é em relação à violência física. Bebês e Crianças são mortas todos os dias porque estavam chorando, ou fizeram uma bobagem, ou acordaram de noite e incomodaram. Se os hematomas ou fissuras somem em alguns dias, as marcas para dentro da pele ficam invisíveis no corpo para sempre. E são registradas como alerta de morte porque é como uma ameaça letal que o Bebê e a Criança sentem e memorizam. A confiança no outro é trocada pelo medo, difuso ou bem localizado, dependendo da faixa etária. A dor física ou afetiva, como placas tectônicas em abalos sísmicos, não conseguem mais se encaixar. Não é de ordem disciplinar na violência física, muito menos de ordem sexual nos abusos. Numa grande cadeia social permissiva, que se apraz com o sofrimento dos mais frágeis e invisíveis, é o Prazer Supremo do Poder Absoluto sobre um vulnerável, com o acréscimo da sensação de superioridade por enganar a todos. Parece que nos acostumamos a isso que impera. Sim, nos horrorizamos, mas logo esquecemos, até que chegaremos a naturalizar essas atrocidades. A pornografia infantil, indústria internacional muito rentável que tem tentáculos domésticos, intrafamiliares, trabalha para isso. E a Criança, como cresce?

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte X

Como cresce uma Criança? Parte X Os acontecimentos extremados, de alegria ou de sofrimento, que ocorrem na infância e, mais precisamente, os acontecimentos traumáticos, tomam contornos e conteúdos compatíveis com a faixa etária da Criança. Tendo como palco o corpo da Criança, corpo espancado, corpo violado e corpo desejado sexualmente, mesmo que não tocado. O corpo dela em diversas dimensões, mas sua única posse legítima. Assim, um mesmo fato pode repercutir de diferentes maneiras. Mas, se é de extremo estresse, haverá sempre uma repercussão permanente, é um impacto de consequências imprevisíveis quanto à sua nocividade. A violência física e/ou sexual praticadas contra uma Criança/bebê que ainda não desenvolveu sua imagem corporal na mente fica com um registro mnêmico difuso estendido a todo o corpo. Pela incapacidade de localização mental da parte afetada no corpo, o bebê receberá como uma descarga elétrica que percorrerá todo o corpo. Como no sorriso, ou no choro, é o corpo todo que sorri ou que chora. Quando um bebê é espancado, ele não consegue localizar a parte do corpo que está sendo agredida. Do mesmo modo, quando um bebê está sendo abusado sexualmente, ele sente o excesso de estimulação e de dor no corpo todo. Portanto, a lembrança não será armazenada enquanto memória, mas um registro dessas sensações, difusas, e não pertencentes ao seu pequeno acervo de registros, será guardado. Confuso, espalhado pelo corpo, sensações que não encaixam nas “caixinhas” que precisam ser “alimentadas” com as experiências, da maneira mais organizada possível para que tenham eficácia no momento de um resgate. Ou seja, como toda a apreensão de mundo se dá por sensação boa ou ruim, sempre em experiência vivida, enquanto sensação difusa não é nomeada, não é registrada pela localização no corpo, mas fica a impressão marcada nessas condições. Essa é a memória afetiva rudimentar, agradável ou desagradável, estimulante ou dolorosa, que vai sendo construída. Portanto, quando um bebê é espancado ou abusado sexualmente, esse registro de memória segue esse padrão de ainda desorganização, mas o registro mnêmico vai sempre existir. O mal estar produzido por cada episódio traumático é cumulativo. Há pouca, pouquíssima, possibilidade de haver um processo de adaptação, porquanto cada episódio é surpreendente. Se não é entendido nem, minimamente, classificado, pela incapacidade da imaturidade dessa faixa etária. Faz-se necessário reforçar que não há episódio isolado, único, de violência física e sexual. Há uma escalada crescente ininterrupta. O agressor se descobre viciado na sensação de Poder que retira do bebê. Mas não é um vício qualquer. Ele mantem o controle sobre o momento que irá repetir o ato do abuso. E, ainda, não necessita de nenhuma substância para praticá-lo. Nenhum predador, espontaneamente, sacia sua vontade de abusar ou de espancar. Ele é capaz de adiar para ter as circunstâncias perfeitas para sua crueldade que se inscreve na condição ideal de ficar sozinho com sua vítima. Isso é meticulosamente calculado porque tem como razão a situação de ter duas palavras apenas, a da criança e a dele. Portanto, todo agressor de bebê, de Criança e de adolescente, é responsabilizável pela violência que pratica. Ele sabe o que está fazendo e é dissimulador de sua agressividade para obter a manutenção da sua impunidade. Hoje, esses predadores de Crianças, de todas as idades, contam com a cobertura da lei de alienação parental, lei inconstitucional que viola Direitos Fundamentais, que se pretendem garantidores no Ordenamento Nacional e nos Tratados Internacionais, acordados e assinados. A existência de uma lei que, tendo por objeto de justificação o afastamento do pai promovido pela mãe, executa o mesmo objeto, o afastamento da mãe alcunhada de “alienadora”. O pai, mesmo criminoso, segundo algumas vozes psico-jurídicas, não pode ser afastado em razão da proteção da Criança. Mas a mãe se torna de altíssima periculosidade por ter buscado essa proteção junto aos órgãos que têm essa prerrogativa em sua definição. Esses mesmos órgãos promovem, então, a Privação Materna Judicial, causando mutilações afetivas nessas Crianças, que perdem a mãe e são entregues, “legalmente”, aos seus algozes. A humanidade em sua história demonstra em vários momentos de práticas de atrocidades esse mecanismo do “legalizar” um comportamento de perversidade. Foi assim com a colonização de novas terras, os colonizadores estavam amparados em uma lei que permitia a extração voraz das riquezas do país ainda vulnerável. Foi assim com o comércio internacional de escravos, era legalizado. O Apartheid era legalizado. Assim como com o Holocausto, havia uma lei que justificava matar grupos de pessoas, torturando-as e “experimentando” aberrações com requintes de crueldade, porque se encaixavam em preconceito racial absurdo. Aliás, uma das experiências do laboratório humano era exatamente arrancar os filhos dos braços de suas mães, observar o aniquilamento delas, anotando tudo, e devolvê-los quando estavam morrendo em consequência das loucuras praticadas nos tais laboratórios de comportamento humano. Era possível, por exemplo, isolar mãe e filho, para contar quantas horas uma Criança aguentava chorar pela sua mãe, sozinha numa sala branca. Estava amparado numa lei. O impacto de extremo estresse promovido durante a infância pela violência física e pela violência sexual causa danos irreversíveis à mente. Bebês são arremessados contra paredes, socados, sacudidos, e, se já ficam de pé, são chutados. São fraturas de base de crânio, fraturas de ossos da face e de fêmur, dilaceração de vísceras com hemorragia interna. Ao darem entrada nas Urgências Pediátricas, a frase que os acompanha é “Caiu da cama, doutor”. Quantos Bebês e Crianças passam pelos Serviços sem terem o diagnóstico de maus tratos. Só o óbito mexe um pouco com o procedimento devido. Joana Marcenal passou, e nem os indícios claros foram capazes de causar um estranhamento no que deveria ser uma equipe de pediatria. Mas, seu óbito não levou a julgamento, até hoje, 12 anos depois, os responsáveis. Também Bebês e Crianças, abusadas sexualmente, passam por serviços médicos, por creches, escolas, e ninguém repara nos sinais dos abusos que sofrem. É preciso que haja uma situação concreta grave de materialidade, e, mesmo assim, a grande, grande, maioria de casos é desviada para uma acusação de alienação parental da mãe. Quantos Bebês vitimados crescem e, durante a infância, relatam os abusos, mas, são interpretados como mentirosos e fantasiosos, que têm “falsas memórias”, outra tese não científica que fere a inteligência média de qualquer um pelo absurdo engendrado para acobertar um predador e oprimir mais uma Mulher. O Princípio da Razoabilidade, Princípio Constitucional, é soterrado por uma falsa ciência.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte IX

Como cresce uma Criança? Parte IX Durante a infância, as aquisições de novas competências nos diversos campos, são visíveis. De tal ordem de volume, que temos escalas e curvas de faixas de “normalidade”, para criar um parâmetro, e que são muito usadas na Pediatria. Mesmo assim, temos um fator do imponderável apontado por algumas Crianças que fogem dessas faixas desenhadas em estatísticas. Nas últimas semanas, me dediquei a trazer alguns aspectos do desenvolvimento da Criança, o desenvolvimento psicomotor, o cognitivo, o linguístico e o afetivo. Descobertas de soluções simples feitas por observadores atentos e empáticos com as dificuldades, e por vezes, com as dores e o sofrimento da Criança, muito nos esclareceram e colaboraram para a saúde integral da Criança. A importância para os prematuros do pele-a-pele em contato contínuo formatou o Método da Mãe Canguru. O cuidado personalizado por uma única enfermeira nas internações longas mostrou que a Síndrome do Hospitalismo pode ser evitada em suas formas mais graves, são duas situações afetivas que atingem a sobrevivência de bebês e Crianças. O colo como alimento. Faz-se necessário compreender o conceito de mãe canguru para além da bolsa usada para a efetivação desse importante método. O colo é aconchego e é proteção. É sustentação e sustentabilidade. Como vimos, as falhas no componente afeto são muito danosas, posto que o afeto é o combustível da formação de um indivíduo. Então, a sua falta ou a sua má qualidade têm efeitos distintos. Quando falta, provoca uma busca incessante, vista nas carências afetivas que vão acompanhar essa Criança por longo tempo. Por vezes, pela vida toda. O abandono efetivado por uma mãe, seguido de abrigamento, marca no bebê/Criança essa falha inscrita em camadas profundas, dificilmente, modificável. Por outro lado, a má qualidade desse afeto recebido durante a infância será responsável por um auto sentimento de desprezo, de raiva. Se aquela pessoa preferencial a tratava com agressividade, a Criança conclui que ela é errada, ela não é gostável. Os tempos e as intensidades das falhas afetivas provocam efeitos distintos. Mas, sabemos que elas são promotoras de psicopatologias várias que vão influenciar no convívio social e na cidadania. Se a Criança aprende as regras e os códigos humanos através dos jogos e brincadeiras, precisamos lembrar que ainda sofremos de preconceitos educacionais ligados à questão de gênero, muito arraigados, que reforçam sobremaneira comportamentos de desigualdade entre meninas e meninos, que irão se cristalizar em mulheres e homens mais tarde. Deveríamos nos perguntar por que os meninos têm frequente comportamento de agressividade em relação às bonecas das meninas? Por que arrancar a cabeça de bonecas é tão repetitivo? Haveria alguma relação com a violência doméstica posterior? E, como tratamos esse comportamento na infância? Ninguém ensina ao menino, mas, como a brincadeira dos bebês de se esconder atrás da fraldinha, ele arranca a cabeça das bonecas. A questão de gênero merece uma reflexão maior, voltaremos em breve. Mas, também nas situações de abuso sexual intrafamiliar, ela atrapalha e desprotege, aqui, os meninos. Por preconceito e falta de conhecimento, temos a tendência a atribuir uma espécie de “companheirismo” entre pai e filho, padrasto e enteado, avô e neto, e, assim, nos desviamos dos sinais de abuso sexual que esse adulto está praticando com o menino. O comportamento de negação de “macaquinho não vê, macaquinho não ouve, macaquinho não fala”, dos adultos do entorno é o mecanismo de defesa que abandona a Criança nas mãos de seu agressor. Precisamos nos debruçar nesse ponto para que possamos dimensionar melhor os estragos causados pelo abuso sexual e pela violência física, as duas formas de violência consideradas no conceito que vem sendo estudado como impacto de extremo estresse. E, mais ainda, os estragos causados nas diferentes faixas etárias, em relação às deficiências de percepção, de ressonância no corpo, de culpa, de decepção pelo afeto existente em relação àquele adulto. O impacto de extremo estresse, em suas duas formas de violência imprime marca compatível com a idade, mas, sempre, causa uma desestabilização do que poderíamos, usando uma metáfora, chamar das placas tectônicas da mente humana. Esse abalo não é de fácil posterior acomodação. Mesmo que não haja ainda uma capacidade de armazenamento mnêmico, como quando ocorre com bebês, o registro assume o formato do comportamento aqui descrito, de resposta de corpo inteiro, como no choro ou no sorriso. Impressões, sensações difusas, ou bem contornadas nas Crianças maiores, não são esquecidas. E causarão prejuízos que serão objeto do nosso próximo artigo.

domingo, 4 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte VIII

Como cresce uma Criança? Parte VIII Crescer dói. Cada nova aquisição, traz o abandono do conforto da condição anterior que tinha privilégios pela maior dependência de um adulto. A atenção especial, indispensável, que é indispensável à Primeira Infância, é responsável pela saúde física e, principalmente, mental da Criança, e do o posterior indivíduo adulto, competente para as relações afetivas e sociais com os demais adultos. Daí a importância da qualidade do afeto/cuidado com o bebê/criança, entre zero e 6 anos. Iniciando pela sustentação do bebê no colo seguro, passando pelo incentivo confiante a novas descobertas, tendo como meta a sustentabilidade maior da humanidade. É preciso organizar e humanizar o montante de potencialidades que vem contido no ser incompleto que nasce, tudo, através desse processo continuado. Todo novo desaloja o estabelecido. A curiosidade pelo novo traz medo, insegurança, mas também prazer na gratificação sentida quando do bom resultado. Uma aquisição, de qualquer ordem dos vetores do desenvolvimento, sedimenta a autoconfiança, a autoestima, a capacidade de empatia espelhada no adulto estimulador do movimento de conquista. É um processo relacional por excelência, como é a característica do humano. Relacional. Há que se compreender a dependência, tão, frequentemente, vista como negativa, nessa dimensão relacional, entre pessoas, um processo que traz crescimento para a Criança e para sua cuidadora ou seu cuidador. Ambos, crescem. Se o Método Mãe Canguru, MMC, para bebês prematuros, reduz a taxa de infecções, favorece a produção de leite da mãe, faz com que o bebê aumente de peso mais rapidamente, e, tudo isso, favorecendo o fortalecimento do vínculo mãe-bebê, o sequenciamento relacional contínuo, o afeto, é a construção dessa pessoinha. Esse processo de troca contínua ecoa o reconhecimento da pessoa bebê, quando nasce o sentimento de pertencimento àquele grupo familiar. A formação da identidade vai se estruturando neste espelhamento recíproco. O bebê olha e é olhado, nomeia e é nomeado, identifica e é identificado. É um jogo de espelhos que refletem imagens em grande rapidez. Considerando essa importância essencial para a formação integral da Criança, o CNJ, Conselho Nacional de Justiça, promoveu, e prossegue, em 2019, o Pacto da Primeira Infância, do qual sou signatária, entre 300 pessoas e entidades sociais que se preocupam com a garantia do desenvolvimento integral da Criança. A segunda infância, fomenta a epistemologia dos códigos, das regras. São os jogos corporais, que começam com se esconder atrás da fraldinha, brincadeira realizada por bebês quando adquirem a coordenação óculo-manual, e se expandem em movimentos por áreas maiores, seguidos dos jogos de tabuleiro, quando a contenção do corpo entra em cena. Brincar é uma aprendizagem de regras, critérios, sensações boas e ruins. Mesmo nos jogos mais simples, o exercício da memória, das classificações e sequências, da tentativa de antecipação da atitude do oponente, desenvolve a organização cognitiva em coordenação com os movimentos. Jogos de ação corporal ou jogos de raciocínio acompanham o passo a passo da escolaridade. Quem estimula quem? Parece que andam juntos, inseparáveis. Brincar, portanto, é muito sério para a Criança. Como um pequeno cientista, toda a aprendizagem se faz em processo onde a organização das variáveis a serem testadas, são rigorosamente localizadas e separadas. Pode parecer que a Criança não sabe o que está fazendo, ou não coordena nada no seu comportamento, ou que tudo tanto faz. Mas há uma lógica, mesmo que rudimentar e falha pela sua imaturidade, em seu brincar, há uma regra sempre que ela segue. Quanto mais assegurada pelo ambiente afetivo, mais a Criança satisfaz sua tendência epistemofílica. Ou seja, a curiosidade, o interesse pelo conhecimento de tudo ao seu redor, depende, diretamente, da segurança afetiva que ela tem. A famosa carência afetiva vivida por falta, ou inadequação de afeto primordial, tanto quantitativa quanto qualitativamente, imprime na criança uma sensação permanente de dúvida sobre si mesma. “Se não sou gostada é porque não presto”, “se não se importam comigo é porque sou errada”, são interpretações feitas pelos pequenos quando o afeto não foi suficientemente bom. Não falamos de perfeição, mas de processo de qualidade, predominantemente, boa. Há lugar para erros, para faltas, mas que a padronagem seja firmemente de bom cuidado. A carência afetiva tem intensidades variadas. Para a Criança, é ela que interpreta os comportamentos e sente as suas emoções, a repetição parece empurrá-la para uma certeza de descuidado, de desafeto. É um texto contínuo, cuja leitura pode promover adoecimentos psíquicos, transitórios, ou permanentes, leves, moderados ou severos. O tempo de duração e a intensidade de uma falha afetiva, vão desenhar o tamanho do estrago afetivo. E, se começa no grupo familiar, essa falha segue para fora dos muros familiares. A escola, primeira micro sociedade, e as instituições que a Criança vai tendo contato, podem frustrar de tal maneira, que patologias se instalem nessa mente ainda muito vulnerável. Quando a Escola cumpre sua função, isso é afeto. Assim como, quando o Estado garante Direitos à Criança, é afeto.