quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ALIENAÇÃO PARENTAL MISÓGINA PRÓ-PEDOFILIA

          “Cada dia chegam mais e mais processos de abuso sexual, é um monte, mas, graças a Deus, nenhum é abuso, é tudo Alienação Parental”.  Juíza de Vara de Família.
          “Já sei tudo! É Alienação Parental, você está impedindo a relação do filho com o pai, o pai é ótimo, e se não aceitar isso que vou escrever, mando tirar a guarda de você e mando dar para o pai!” Psicóloga Judicial na primeira entrevista, “falando” para uma mãe, quando fez uma acareação de criança e pai suspeito de abuso sexual.
          “É um caso de Alienação Parental gravíssima, mesmo que não haja nenhuma evidência dos comportamentos alienadores típicos, e deve ter a guarda invertida e a mãe afastada da criança, seguindo o que avaliou e afirmou a renomada psicóloga judicial”. Promotor Público de Vara de Família, referindo-se a caso de abuso sexual continuado, perpetrado pelo pai.
          “Quero que venha buscar sua filha que está sob nossa proteção” e “a senhora não apareceu, logo se vê que é uma mãe negligente e está praticando Alienação Parental”. Juiz de Vara de Família, em caso de abuso com lesão em menina de 02 anos.
          “As atividades sexuais entre adultos e crianças são parte do repertório natural da atividade humana, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia estimula sexualmente a criança, torna-a muito sexualizada e a faz ansiar por experiências sexuais que redundarão num aumento da procriação” ... “o incesto não é danoso para as crianças, mas é, antes, o pensamento que o torna lesivo”. Richard Gardner, psiquiatra que fazia trabalho voluntário na Universidade de Colúmbia, não tinha o título de Professor, mas aproveitou o prestígio desta Instituição. Gardner é o autor do Conceito de Alienação Parental.
          Poderia listar por páginas e páginas os fatos que ocorrem hoje com as crianças vítimas de violência sexual e suas mães incautas que vão buscar a Lei da Propaganda anual do Denuncismo. Mas, é tudo Alienação Parental. As decantadas estimativas, mesmo não conseguindo saber como e onde foram feitas e que métodos foram utilizados, variam entre 90%, os mais modestos, 95%, o próprio Gardner, e 100% dos casos de abuso sexual, indubitavelmente, são mentiras e falsas acusações todas patrocinadas pela pretendida Alienação Parental. Assim afirmam, peremptoriamente, os Operadores de Justiça.
          Vale ressaltar que o conceito de Alienação Parental carece de cientificidade. Conceito subjetivo, fluido, interpretativo, desconsidera o processo emocional de término de um projeto de vida a dois. É evidente que ocorrem difamações e obstruções de convívio entre um genitor e o filho/filha, protagonizado pelo outro genitor. No entanto, sabe-se que a unanimidade absoluta é, no mínimo, não inteligente, ou está a serviço de outra meta. O holocausto, por exemplo. O luto pelo término de uma relação afetiva que inclui filhos é um processo de tristeza, de perda, de mudanças, de readaptação, de ressentimento por vezes, de raiva, de frustração, de alívio, de questionamento e autoavaliação, de transformação, que, como todo luto, dura entre um e dois anos. Hoje, este processo de luto, que na sua elaboração é saudável, foi reduzido tão somente à Alienação Parental, com tem um único gênero, só mãe denigre a figura do pai. Aos olhos da Justiça, nenhum pai pronuncia mais aquela frase, “a vagabunda da sua mãe” ou “não vou sustentar macho da sua mãe”.  
          Desconsiderar o sofrimento da criança que é submetida ao abuso sexual intrafamiliar incestuoso é a evidência de não ter nenhuma experiência com a tatuagem na alma marcada por estas destruidoras vivências sexuais precoces e perversas. A interdição ao incesto é o marco zero na evolução epistemológica do homem e no seu processo de humanização. É o diferencial entre humanos e animais. O abuso sexual, em suas diversas formas, todas perversas, abrange comportamentos sub-animais. E, irresponsavelmente, achar que a atividade sexual entre um adulto e uma criança, é benéfica para a preservação da espécie humana, deixa de fora a atividade sexual entre um adulto/pai e uma criança/filho, menino, onde a procriação está, definitivamente, excluída. Os pares homoafetivos não procriam! Onde se encaixaria, por exemplo, o benefício para a humanidade da atividade de carícias sexuais e de penetração anal de um pai em um filho, menino, de 03 anos? Aliás, é numeroso este grupo. Um em cada seis meninos foi ou é abusado sexualmente.
          Não sei qual é o motivo do autor do conceito da Alienação Parental, Gardner, além de saber que havia a motivação da carreira profissional em defesa de homens acusados de violência física e sexual contra mulheres e crianças. Sua postura deixa clara a sua crença no patriarcado, mulher e crianças como objetos possuídos pelo macho alfa. E, a mulher que contraria esta configuração, é, imediatamente, psiquiatrizada como “histérica” (sic), vingativa, emocionalmente fraca. A criança, por sua vez, é idiotizada por ter virado um papagaio que repete, obedientemente, o que a mãe mandou falar sob o dito ”falso abuso”, ou uma fantasiosa, excessivamente, sexualizada. Isto tudo afirmado sem a menor necessidade de consistência teórica, comprovação objetiva, ou relação com a realidade dos comportamentos de mãe e de criança.  Ignorar a expressão de angústia da impotência e o desenvolvimento infantil em seus eixos de crescimento, aqui implicados o da linguagem e o cognitivo, é um Abuso de Instituições que se pretendem protetivas, mas praticam, abertamente, a terapia da ameaça.
          O Princípio do Melhor Interesse da Criança, escrito em vários artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, E.C.A., que deveria nortear os processos de abuso sexual, foi transformado em melhor interesse do adulto pai/abusador: “já pensou o prejuízo do pai se for mentira?”. Mas o Promotor não pensa: “já pensou o que vai ser desta criança se for verdade?” A voz da criança é desqualificada: à pequena é atribuída uma capacidade cognitiva descabida ou é portadora de imensa imaginação sexualizada, à grande, acusação de conluio com a mãe ou é mentirosa. A revelação foi desconstruída, não vale mais nada aos ouvidos dos Operadores de Justiça. Crianças são “avaliadas” em acareação com o suspeito, uma crueldade, sem a escuta competente, sem Salas de D.S.D. com especialista e registro audiovisual, sem protocolos padronizados, enfim, laudos inconsistentes são produzidos utilizando-se apenas silogismos.
          Bernardo, que se tornou nome de lei pós-morte, é o exemplo incontestável da desvalorização da criança. Falou, falou, falou. Pediu para parar para o pai, pediu ajuda às pessoas de sua referência, às Instituições Competentes, com seus 11 anos buscou pessoalmente os Operadores de Justiça. Foi sendo morto por todos, todos os dias, aos olhos e ouvidos de todos, cegos e surdos, até ser assassinado pelos familiares que deveriam garantir a preservação e a qualidade de sua vida. Não me admiraria se atribuíssem à mãe morta deste menino, a Síndrome da Alienação Parental. A família nem sempre é um lugar seguro. Só quando romanciada. A violência intrafamiliar já matou a Isabela, a Joana, e tantas outras crianças, tornou paraplégica a Maria da Penha, e, certamente, tatuou a alma de suas filhas. Para que serve ter nome de lei ou ter lei com nome de vítima que não foi ouvida, que não foi considerada em vida?
          O retrocesso atual nesta matéria traz a misoginia à tona. Talvez as mulheres tenham passado a incomodar muito, a não mais se submeter como na idade medieval. Por outro lado, a sedução masculina, a manipulação psicopata e a sede de poder fálico instituíram uma moda de mulheres atacarem outras mulheres na defesa de homens violentos e violadores. Inverter uma acusação de abuso sexual para alienação imobiliza a mãe mumificando-a. “Resolve” para baixo do tapete, fornecendo a quem usou a caneta sentencial a sensação de enorme poder. E o criminoso vira vítima, e passa a ser protegido. “Coitadinho”. Afinal, hoje o pai tem papel mais importante do que a mãe, sem a presença dele, pela cartilha em vigor, uma criança nem se cria. A mulher é a culpada, frustrada, invejosa, encenadora, maluca. Ninguém se dispõe a se colocar no lugar desta mãe, a ter empatia, para dimensionar o que ela sente ao entregar, por decisões judiciais de visitas, sob o acordo do “vai ser pior”, o filho/filha para o pai se servir dele/dela como escravo sexual. São crianças, na sua grande maioria de menos de 06 anos. Para esta mãe, não cabe uma agonia nesta situação de extrema impotência e total engessamento? Obrigada a baixar a cabeça e calar porque agora o pai é muito, muito importante, mesmo quando viola os direitos fundamentais de sobrevivência psíquica e comete crime contra a integridade do filho/filha. O relato da criança, e, até mesmo Exame de Corpo de Delito, com conjunção carnal afirmativa, rara situação que não ultrapassa 5% do total de casos, prova que seria irrefutável, são desqualificados por silogismos. Nada detém a certeza dos 90%, 95% ou 100% de Alienação Parental. Enquanto isso, o Abuso Sexual zerou. Só existe no Rio Grande do Sul que possui salas de D.S.D. em todas as Comarcas, com especialistas com competência, e na imaginação das mulheres “histéricas”.            
          Quando o Operador de Justiça foi questionado pelo outro setor, ainda há pessoas de boa vontade, que buscava proteção para aquela menina e sua mãe em abrigos sucessivos pela perseguição real do pai, ele, o Operador, se justificou dizendo que recebeu a informação de que esta mãe era doente mental, causava problemas. Aliás, o problema é que, enquanto a mãe ia para o trabalho, a menina, 02 anos, era colocada de castigo do lado de fora da casa. Esta queixa da mãe foi averiguada apenas pelo telefonema ao abrigo, que negou os maus tratos à criança, e se defendeu respondendo que a mãe era “maluca”. A resposta foi acolhida de imediato, o pai foi chamado e a ele foi entregue a menina, por ele várias vezes estuprada, que já havia apresentado, entre outras coisas, dilaceração da parede reto-vaginal, reparada em cirurgia. Quando a mãe finalmente descobriu o que tinha acontecido e chegou, bastante tarde, foi acusada de negligência e criminalizada pela prática de Alienação Parental. Ela é que estava acusando injustamente o pai, segundo o Operador.
          Foi decretado que o abuso sexual já acabou. Para que perder tempo com um crime às escuras, sem provas, depender do discurso infantil? O que tem sido negado é que não provado, não é não ocorrido. Então, inconsequentemente, se resolve uma questão que atormenta e horroriza a todos por mostrar uma face monstruosa do homem. Aterroriza em especial, aqueles que devem decidir o destino de uma criança cuja mãe, tentando protegê-la, apresenta uma queixa de abuso sexual incestuoso. Melhor é acreditar que ela vai se esquecer disso, que, como prega Gardner, o pai da Alienação Parental, não causa danos a ela, ao contrário, faz bem a ela, que o abusador, um portador de uma perversão compulsiva, vai parar, milagrosamente, com esta atividade sexual com seu filho/filha, que, finalmente, o pai é legal e a mãe é que é a bruxa. É ela, e só ela, que detém o dolo. Transformando o abuso sexual em alienação parental, que prescinde de prova e é patrocinada por uma interpretação subjetiva, desaparecem por encanto todos os horrores do homem. Só a criança abusada, que vai continuar a sofrer a tortura do campo de concentração sexual.
          A Justiça está surda. Nós todos também. Matamos cada dia muitas crianças abusadas. Elas morrem na tortura do abuso continuado, hoje sob o manto de sentenças contra suas mães, elas morrem na humilhação do descrédito em suas palavras. Com o amparo ao incesto como está acontecendo, a transgressão reina, não há e não haverá civilidade.
Ana Maria Iencarelli. Psicanalista de Crianças e Adolescentes.

Artigo publicado no Portal do Instituto de Cultura e Cidadania A Voz do Cidadão em 21 de outubro de 2014.