sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Como cresce uma Criança? Parte IX

Como cresce uma Criança? Parte IX Durante a infância, as aquisições de novas competências nos diversos campos, são visíveis. De tal ordem de volume, que temos escalas e curvas de faixas de “normalidade”, para criar um parâmetro, e que são muito usadas na Pediatria. Mesmo assim, temos um fator do imponderável apontado por algumas Crianças que fogem dessas faixas desenhadas em estatísticas. Nas últimas semanas, me dediquei a trazer alguns aspectos do desenvolvimento da Criança, o desenvolvimento psicomotor, o cognitivo, o linguístico e o afetivo. Descobertas de soluções simples feitas por observadores atentos e empáticos com as dificuldades, e por vezes, com as dores e o sofrimento da Criança, muito nos esclareceram e colaboraram para a saúde integral da Criança. A importância para os prematuros do pele-a-pele em contato contínuo formatou o Método da Mãe Canguru. O cuidado personalizado por uma única enfermeira nas internações longas mostrou que a Síndrome do Hospitalismo pode ser evitada em suas formas mais graves, são duas situações afetivas que atingem a sobrevivência de bebês e Crianças. O colo como alimento. Faz-se necessário compreender o conceito de mãe canguru para além da bolsa usada para a efetivação desse importante método. O colo é aconchego e é proteção. É sustentação e sustentabilidade. Como vimos, as falhas no componente afeto são muito danosas, posto que o afeto é o combustível da formação de um indivíduo. Então, a sua falta ou a sua má qualidade têm efeitos distintos. Quando falta, provoca uma busca incessante, vista nas carências afetivas que vão acompanhar essa Criança por longo tempo. Por vezes, pela vida toda. O abandono efetivado por uma mãe, seguido de abrigamento, marca no bebê/Criança essa falha inscrita em camadas profundas, dificilmente, modificável. Por outro lado, a má qualidade desse afeto recebido durante a infância será responsável por um auto sentimento de desprezo, de raiva. Se aquela pessoa preferencial a tratava com agressividade, a Criança conclui que ela é errada, ela não é gostável. Os tempos e as intensidades das falhas afetivas provocam efeitos distintos. Mas, sabemos que elas são promotoras de psicopatologias várias que vão influenciar no convívio social e na cidadania. Se a Criança aprende as regras e os códigos humanos através dos jogos e brincadeiras, precisamos lembrar que ainda sofremos de preconceitos educacionais ligados à questão de gênero, muito arraigados, que reforçam sobremaneira comportamentos de desigualdade entre meninas e meninos, que irão se cristalizar em mulheres e homens mais tarde. Deveríamos nos perguntar por que os meninos têm frequente comportamento de agressividade em relação às bonecas das meninas? Por que arrancar a cabeça de bonecas é tão repetitivo? Haveria alguma relação com a violência doméstica posterior? E, como tratamos esse comportamento na infância? Ninguém ensina ao menino, mas, como a brincadeira dos bebês de se esconder atrás da fraldinha, ele arranca a cabeça das bonecas. A questão de gênero merece uma reflexão maior, voltaremos em breve. Mas, também nas situações de abuso sexual intrafamiliar, ela atrapalha e desprotege, aqui, os meninos. Por preconceito e falta de conhecimento, temos a tendência a atribuir uma espécie de “companheirismo” entre pai e filho, padrasto e enteado, avô e neto, e, assim, nos desviamos dos sinais de abuso sexual que esse adulto está praticando com o menino. O comportamento de negação de “macaquinho não vê, macaquinho não ouve, macaquinho não fala”, dos adultos do entorno é o mecanismo de defesa que abandona a Criança nas mãos de seu agressor. Precisamos nos debruçar nesse ponto para que possamos dimensionar melhor os estragos causados pelo abuso sexual e pela violência física, as duas formas de violência consideradas no conceito que vem sendo estudado como impacto de extremo estresse. E, mais ainda, os estragos causados nas diferentes faixas etárias, em relação às deficiências de percepção, de ressonância no corpo, de culpa, de decepção pelo afeto existente em relação àquele adulto. O impacto de extremo estresse, em suas duas formas de violência imprime marca compatível com a idade, mas, sempre, causa uma desestabilização do que poderíamos, usando uma metáfora, chamar das placas tectônicas da mente humana. Esse abalo não é de fácil posterior acomodação. Mesmo que não haja ainda uma capacidade de armazenamento mnêmico, como quando ocorre com bebês, o registro assume o formato do comportamento aqui descrito, de resposta de corpo inteiro, como no choro ou no sorriso. Impressões, sensações difusas, ou bem contornadas nas Crianças maiores, não são esquecidas. E causarão prejuízos que serão objeto do nosso próximo artigo.

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