segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A Responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte IV. Os pequenos passarinhos são agora adolescentes. Um deles se foi, o outro volta com a mãe para visitar a antiga moradia, chegam a se aconchegar no ninho, aproveitando para comer um pouco da comidinha que passamos a deixar num lugar protegido, depois vão. A mãe, apesar do filhote estar quase de seu tamanho, continua a ter a atitude protetora e cuidadosa com o filho. Avisa de pronto para que voe para mais longe se algum barulho ou ameaça acontece. Chama a minha atenção uma cena de selvageria na TV. Antes de começar um jogo, cercado por uma rivalidade que já ultrapassou, há muito, a competição esportiva, homens se espancam movidos pela cor da camisa do outro. Por alguns minutos, essa barbárie corre solta, quando chegam agentes da instituição que deveria garantir a segurança de todas as “camisas”, e tentam tomar o protagonismo. Sem nenhum plano de contenção da multidão já enfurecida, batem forte com seus cacetetes, esses legalizados. Mas, eis que surgem Crianças. Muitas. Vi até um bebê de colo, portando apena a sua fraldinha, e me pergunto atônita com a imagem do bebê: o que ele está fazendo ali naquela hora da noite? Por que não está dormindo no seu bercinho? Muitas razões podem ser levantadas, mas ele não vai gostar mais nem menos de futebol por ter ido “assistir” esse jogo quente em vários sentidos. As emoções sentidas pela sua mãe, pelo seu pai, pelas pessoas do entorno, pelas 70 mil pessoas que lotavam o estádio, não podem ainda ser bem processadas por ele. Com seus 9 ou 10 meses, era o que aparentava, o grito da torcida de um ou de outro time, baterá forte em intensas vibrações no seu estômago. Tenho certeza que aquela mãe e aquele pai, não têm a menor ideia do que estão oferecendo para seu filho. A escolaridade é cada vez mais precária. A escola é falha e fraca. Não ensina a estudar, ensina a fazer prova. Não provoca a curiosidade sobre o conhecimento, as telinhas vêm substituindo os livros. É cada vez mais frequente ouvir “tinha trago” ou “tinha chego” ferindo os ouvidos. Na linguagem oral não tem o famoso corretor do google, que também pode mudar uma palavra por conta própria, desvirtuando a linha de pensamento. Não sei se igual ou pior, há um roubo semântico e um roubo de ideias e argumentos. Pessoas vão perdendo o escrúpulo e invertem um detalhe lhe surrupiando o que você fala e, com as mesmas palavras ou conceitos, dizem o exato contrário. Essa semana vi alguém que reina nas acusações de alienação parental, “explicar’ que a apresentadora que sofreu violência doméstica na presença do filho criança, era mesmo violência e não era alienação parental. Será esse um indício que esse termo vai cair mesmo? A Violência Doméstica praticada pelo genitor contra a mãe, acontece na presença das Crianças em bem mais da metade dos casos. O Feminicídio também é assistido pelas Crianças. Há alguns anos tivemos um caso emblemático. A Juíza assassinada pelo ex marido, genitor das 3 filhas que estavam junto e tentaram proteger a mãe das 16 facadas desferidas por ele. Claro que as Crianças assistem a essa barbaridade. E isso é violência contra a Criança. Dói nela muito. Vendo ao vivo, ou vendo a mãe com o olho roxo e chorando de dor nas costelas, e assim permanecendo por alguns dias, a Criança foi espancada também. Não existe um único corpo que abriga um marido violento e um pai ótimo. Bater na mãe é bater na família. É só raciocinar se colocando no lugar da Criança em toda a sua vulnerabilidade. E a Escola segue fazendo falta. Políticas diminuem o conteúdo para camuflar a falência da proposta pedagógica. Os professores são desautorizados e desvalorizados. Cresce na adolescência, a delinquência familiar e de pequeno âmbito que, hoje, se ganhar um minuto na internet, muda de dimensão, assumindo tamanhos gigantescos e permanentes, quando destrói as meninas. Esse é o ensaio geral que praticam nas escolas para a escalada de violência da vida adulta. Nas Políticas Públicas, onde o seu contraponto não existe na sua frente, vemos a barbárie em todas os lugares sociais. A violência contra a Mulher/Mãe se tornou muito sofisticada. Formas novas e distantes dos espancamentos ao corpo, hoje é a alma que é espancada. Coagida, intimidada, acuada, a Mãe/Mulher é oprimida ao proteger seu filho. Os influenciadores e influenciadoras, são motivo de orgulho e exposição de seus seguidores e seguidoras, as antigas chamadas de “maria vai com as outras”, servindo também para o masculino. O fanatismo, substantivo relativo à figura de fã, não tem limite. E, muitas vezes, é só um pequeno passo que é dado para trocar um roqueiro ou uma cantora pop para dar continuidade ao fanatismo em outra esfera. Um “chefe”, um guru, surge e passa a dominar aquele adolescente. Hoje vi das nuvens aquelas imagens que modificam, plasticamente, a realidade do chão. Primeiro, uma colcha de retalhos formada pelos telhados das comunidades. E, a seguir, as formas geométricas de uma grande variedade de verdes. Fui convidada pelo CNS para participar de uma Reunião de grupos de trabalho sobre um termo de psico- ciência. Voz isolada em meio a tantas maravilhas ditas sobre essa seita, praticada no SUS, e em outros lugares que sobram para os habitantes da colcha de retalhos, percebi que no silêncio das pessoas que estavam ali, havia um interesse que foi se desenhando e se pronunciou em perguntas e comentários lúcidos. Consistente o suficiente em meio a esse onda de mentiras teóricas e mentiras afetivas. Seita aplicada em Mulheres/Mães que são submetidas sob mais uma forma sofisticada de violência. A Revitimização com humilhação, em postura exigida de submissão pois seu inventor afirmava que a mulher é subalterna ao homem, é negada. E a Criança está ali. Assiste, sofre, ou cria uma casca para não sentir a dor da mãe. E, lhe resta no processo da identificação, que faz parte de seu desenvolvimento, uma escolha adoecedora: se identificar com a mãe e instalar o aparato do oprimido para a vida dele, ou se identificar com o agressor, minimizar a dor da Mãe, e trilhar o caminho do opressor. Afinal, essa situação traumática continuada não lhe deixa a liberdade de construir seu próprio caminha. Impregnado pela ausência de Responsabilidade Parental, do genitor que agride, da Mãe que não reage, iludida pela ideia de que assim seria melhor para o filho. Será?

terça-feira, 21 de novembro de 2023

A Responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte III.

A Responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte III E os dois filhotes criaram penas e se arriscaram a pequenos voos, sob o olhar da mãe passarinha. Começaram por explorar o jardim do entorno, e, no dia seguinte, o ninho foi deixado para trás pela família. Mãe e pai, mesmo sem ter a consciência de suas responsabilidades, cumpriram com qualidade a determinação da Natureza. A mãe passarinha cuidou com compromisso dos dois ovinhos que se tornaram dois passarinhos. Voaram. A última imagem que tenho deles é em cima do aparelho de ar condicionado, o pequeno ainda ensaiando o bater as asas e a mãe ao lado. O ninho ficou vazio, mas repleto da história de dois vulneráveis que receberam um cuidado exemplar. E conquistaram a boa autonomia. A simplicidade da vida dos passarinhos é invejável. A eficiência dos cuidados maternos e da proteção paterna, também invejáveis. Somos confrontados com uma questão: por que uma dita evolução traz tanto retrocesso? Por que nós humanos temos a capacidade da crueldade com nossos filhotes? A guerra no oriente, uma das 19 guerras que acontecem atualmente, está matando com tanta perversidade Crianças. E nossa voz não é escutada. Matamos com bombas e tiros, por aqui quase todos os dias, e matamos com a fome, a sede, o desamparo, até então, inimaginável. Mas também matamos quando não conseguimos garantir uma convivência saudável dentro de nossas casas. O conceito de saudável inscrito no Artigo 227 da Constituição Federal, aqui como lá, abrange a vivência do respeito ao outro, a vivência da solidariedade, a vivência de uma organização social, para proporcionar a condição necessária à vivência afetiva. No entanto, o que encontramos é o desrespeito a regras básicas e fundamentais de convivência. Crianças não vão à guerra, não podem ser alvos de bombardeios e crimes de guerra, assim como crianças/adolescentes não podem “matar” colegas pela internet. Ninguém desconfiou que divulgar adulterar e divulgar imagens desnudas de colegas, não pode. Como nas situações de bullying, omissos se alinharam com os autores, e, não fosse, um único menino discordar e levar ao conhecimento de alguns adultos, possivelmente, essas meninas nuas estariam circulando até agora. Algumas coisas já foram faladas. O Pediatra dr. Daniel Becker se pronunciou de maneira precisa. Mas gostaria de acrescentar à sua fala, que concordo, que aponta para a necessidade dos pais fiscalizarem o uso da internet pelos seus filhos, e sugere o uso de ferramentas virtuais limitantes. Ele lembra com toda a pertinência que a responsabilização criminal recai sobre os pais dos meninos infratores. Contudo, quero me debruçar sobre os meninos infratores. Neste episódio eles evidenciaram pontos importantes e lamentáveis. Derrubaram o mito de que a pobreza ou a negritude geram infratores. Esse é um mito que, por vezes, tenta, com sucesso, obscurecer as razões mais profundas da tendência à delinquência. Nasce aqui uma pretensa “justificativa” para o uso da violência contra essas Crianças e Adolescentes. E, vale lembrar que os pais deveriam se dedicar ao convívio saudável que prevê conversas, parcerias, discussões, cuidados entre filhos e pais. E sabemos que os pais, exceto os que exercem a profissão de T.I., vão sempre ficar atrás dos filhos no novo da tecnologia. Devemos olhar mais para o antes. A fiscalização é a posteriori. Já foi. Mas, o crime de divulgação de nus de meninas mediante uso da inteligência artificial, não veio de nenhuma comunidade, não veio de um grupo em vulnerabilidade social. O grupo que praticou esse crime é um grupo em vulnerabilidade de caráter. Talvez, não possamos usar o conceito de vulnerabilidade porque vemos mais o conceito de ausência de caráter. Não há vestígio de algum código de Ética, ou código moral, ou algum traço de Empatia. Muito me preocupa um foco desse tipo em meio a uma comunidade bem desenvolvida, com boa cognição, com capacidade e curiosidade tecnológica, mas zerado de princípios. Poderíamos pensar que são adolescentes que, mesmo morando em condomínios e mansões, bem instalados, foram abandonados no ambiente intrafamiliar. Quantas vezes vemos Crianças bem pequenas que, incomodando o ambiente, ganham o celular da mãe ou do pai para brincar. E ainda são tidos como quase “gênios” porque deslizam o dedinho na tela, quando estão no tempo de desenvolver a habilidade motora da preensão do lápis pela oposição do polegar ao indicador. Essa habilidade lhe permitir segurar o lápis para a alfabetização e depois para a escrita, para segurar o pincel e produzir arte, para segurar o bisturi e a agulha para tratar uma doença. Estamos falhando enquanto sociedade. O imediatismo, que foi muito aguçado pela presteza da internet, a aparente facilidade do ponto de vista raso, todos passaram a “saber” tudo sem nenhum esforço, sem estudar, sem ler um só livro, e o conversar se evaporou. Não precisa nem comentar sobre isso. Não é raro que filhos mandem mensagens para a mãe, quando ambos estão dentro de casa. As emoções, os sentimentos, os afetos, saíram de cena porque é tudo rapidinho e superficial. Nesse esgarçamento afetivo do núcleo familiar, não cabem princípios, valores, reflexões. Durante meu desenvolvimento, minha mãe e meu pai sempre criticaram o se deixar influenciar por outra pessoa, estimulando minhas próprias posições e convicções. Não sei bem como, mas abrimos um espaço para figuras que ganharam o título de “influencers”. E fizeram dessa postura virtual uma profissão, até mesmo remunerada. Ser influenciado agora é algo aceito, naturalmente, pela sociedade. A influenciadora, e o influenciador, não precisam ter estudado, ter um conhecimento consistente. São fábricas de opiniões monetizadas. Esses meninos são responsáveis pelo que fizeram. Seus pais são responsáveis pelo que esses meninos fizeram. Mas todos nós somos responsáveis pela descoloração do conceito de verdade, pela depreciação do afeto, pela propagação da mentira com pinceladas de maquiagem. Desde quando deixamos de enxergar “o que não pode” para não ter trabalho. É mais fácil dar um celular nas mãozinhas do pequeno e se iludir falando que o filho é um gênio porque desliza um dedinho e olha as imagens corridas. A compreensão e o pensamento não importam. Vulneráveis são presas fáceis. Os meninos do colégio religioso famoso ficaram na esquina entre vítimas e algozes. Penso que estamos usando nossos vulneráveis para exalar violência em formas cada vez mais sofisticadas. A vulnerabilidade negada, é a violência naturalizada. A família de passarinhos do jardim do meu trabalho me deixou duas lições: uma sobre a importância da qualidade do cuidado com os pequenos, e outra, que podemos voar sem saber para onde, mas com suas próprias asas, sem seguir as “instruções” de um influencer.

A Responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte II

A responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte II. Nos raros momentos em que a mamãe passarinho voa para se alimentar, já é possível ver que os ovinhos, 2 ou 3, já deram início aos filhotes. Ainda sem plumagem, estátuas, aconchegados um ao outro, ou aos outros, não dá para saber se são dois ou três, apenas um, hoje, conseguiu abrir os olhos. Mas, imóveis, recebiam a cobertor da mãe imóvel também, por quase todo o tempo. Estou descrevendo o que venho acompanhando no ninho de passarinhos que foi construído, magistralmente, no jardim do meu trabalho. E, enquanto testemunho, um privilégio, as leis da Natureza serem seguidas, mesmo que intemperes do clima, chuvas fortes, rajadas de ventos, calor acima da média, tenham assolado aquela aparente frágil moradia, nada mudou o curso daqueles filhotes e pais passarinhos. Pais que assumiram a responsabilidade da proteção de seus filhos. Enquanto isso, nossos filhos são assassinados em mais uma estúpida guerra. São 19 guerras que acontecem no mundo hoje. A quem interessa? As narrativas buscam “justificativas” torpes como sendo por um deus, ou por um território, como se algum deus se interessasse por uma supremacia que pisa em cadáveres. E agora, preferencialmente, em cadáveres de Crianças. Não é desumano matar, mutilar e soterrar Crianças. Estamos diante e vivendo uma crise de barbarismo que mesmo os quadrúpedes ou pássaros não promovem. Essa é uma barbárie sub-animal. Imagens grotescas circulam com atrocidades contra Crianças. Fake News? Pode ser, mas só o fato de montar a atrocidade fake, já é uma barbárie pela intenção de uma manipulação em massa, usando a imagem de uma Criança. Mas, para além da mentira, que venceu a verdade relativizada nos nossos dias, as Crianças estão sendo alvo de uma violência nunca antes vista depois da história de Herodes. Desarruma a mente assistir um vídeo de um grupo de Crianças, com um porta-voz que lê um papel pedindo para viver. Talvez pudéssemos substituir aquele porta-voz palestino/israelense, por uma Criança ucraniana, ou por uma Criança Yanomami, ou por uma Criança de uma favela do Rio de Janeiro, ou por uma Criança da Etiópia ou da Somália. Essas outras Crianças, atualmente, não têm Voz. A mídia escolhe um só grupo. Talvez porque nossa mente não esteja preparada para suportar todas essas dores dos sofrimentos de Crianças. E, ainda, se incluirmos a violência sexual e a violência física, ambas do âmbito familiar, o excesso faz com que os agressores sejam beneficiados porque ficam subnotificadas e subfaladas. A Vulnerabilidade do Ser Criança parece funcionar como um ímã para os gananciosos por Poder. Criança não consegue se defender de violências ferozes, sendo, portanto, presa fácil para quem busca o prazer do triunfo pela opressão de um frágil. É da nossa Responsabilidade a Proteção Integral de TODAS as Crianças. Enquanto sociedade, somos pai e mãe não só de nossos filhos biológicos e afetivos, como de cada Criança que está nessa guerra alimentada por ódios mútuos seculares e injustificáveis, que são patrocinados por interesses financeiros, e resultando em no eixo opressor x oprimido. Medir força e Poder usando Crianças é, além de tudo, vergonhoso. Ou deveria ser. Lamentavelmente, as Crianças abatidas parecem se tornar uma espécie de medida de Força e Poder: pequenos cadáveres a metro. Pela sua condição de Vulnerabilidade, Criança não pode ser soldado nem escudo, Criança não pode ser a medida que atribui o vencedor de uma guerra, Criança não pode ser explorada para o trabalho lícito, menos ainda para o ilícito, Criança não pode ser explorada sexualmente, Criança não pode ser mãe. Criança não pode ser torturada. E a guerra é um estado de tortura continuada. Criança não pode participar da morte da família por causa de uma bomba, assim como não pode assistir o espancamento ou o Feminicídio da mãe pelo genitor. Criança não pode dar uma coletiva de imprensa pedindo para que seja permitida a vida para ela. Onde estamos? Por que os passarinhos conseguem proteger seus filhotes e nós, humanos, não conseguimos. Se avançamos em conhecimento, não melhoramos no que deveria ser a nossa humanicidade. E seguimos destruindo até mesmo os nossos próprios avanços de saberes diversos. Recentemente, um grupo de meninos, alunos de um colégio conceituado em ensino e valores religiosos, fez uso de uma ferramenta da inteligência artificial para exibir o machismo, a misoginia, o preconceito, a depredação de meninas, colegas, sem nenhum limite de alguma razoabilidade. Gostaria de voltar a esse tema na próxima semana porque discordo da culpabilização dos pais dos infratores. Sabemos que muitos não tomam conta da vida tecnológica paralela de seus filhos, dá muito trabalho, mas precisamos refletir sobre a nossa falha enquanto pais de todos, enquanto sociedade que já não cultiva a verdade, as regras e os valores sociais, os compromissos afetivos. Somos todos responsáveis por mais esse desastre da humanicidade.

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

A Responsabilidade dos Pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte I

A responsabilidade dos pais com os filhos, observando passarinhos e humanos. Parte I No meu local de trabalho, tenho um jardim. Muito verde, flores, orquídeas e três pés de jabuticaba. Num deles, por cima de um tufo de uma mini orquídea, foi construído um ninho. Um lar. Esse é um espaço frequentado por seres da Natureza. E o casal trabalhou duro por um dia, gravetos grandes pendurados, em seus bicos pequenos, foram sendo tecidos como se uma concha frágil se equilibrasse naquela bifurcação de galhos da jabuticabeira. Incansáveis, os dois, prepararam o ninho. Ela botou os ovos, não sei se 2 ou 3, e ficou ali, chocando, parecendo uma estátua. Dias e dias, talvez 7 ou 9, e aquela mãe não saía, fazia sol ou fazia chuva, ela permanecia aquecendo seus ovinhos. O pai aparecia e por algumas vezes revezava com ela que voava, certamente para se alimentar. O pai mais arisco, a mãe mais acostumada com nossas olhadas pelo vidro da porta de acesso. Em todos esses dias, só hoje consegui capturar uma foto que tirei de longe quando os pais estavam trocando de turno. Se eu trabalho com conteúdos psicológicos e corporais tão dolorosos e sofridos, em recipiente mental dos piores conteúdos de perversidade dos causadores dessas dores, aquela mãe e aquele pai que voam e que têm um sistema nervoso dos mais simples e rudimentares, me despertaram para uma indagação. Acompanho Crianças e Adolescentes, irresponsavelmente, agredidos por seus pais e mães. Como pode ser que dois passarinhos que não foram à escola, que ninguém lhes disse como deveriam fazer quando chegasse o tempo da Responsabilidade Parental, e todo o processo fosse cumprido? Aquele pai passarinho não abandona a família porque nasceu um filho com microcefalia. Entre os humanos, cerca de 69% abandonou o filho, a filha portador de microcefalia por sequela do Zika Vírus. Aquela mãe passarinha não abandona seu filhote porque a chuva está forte. Eles não estão submetidos a nenhum sistema judiciário, não há punição porque não há transgressão. Talvez esteja parecendo que estou simplificando e vendo o comportamento de humanos como passíveis de um olhar comparativo com o comportamento de passarinhos. Afinal, somos animais superiores. Somos mesmo? Para que serve todo esse aparato intelectual, resultante de milhões e milhões de sinapses? Para que serve o Conhecimento acumulado, de todas as Ciências, se o simples não faz parte do repertório de conduta social? Aliás, as Ciências estão sendo cada vez mais utilizadas para o “aprimoramento de precisões” de alvos, sempre os vulneráveis. O casal de passarinhos nem sabe que está praticando uma lei da Natureza, recepcionando a vida. Não sabem que são pais e filhos, mas cumprem plenamente essas funções com a melhor qualidade. E nós, humanos, perdemos cada vez mais a capacidade de sentir Empatia pelo outro. Enquanto eles garantem a PROTEÇÃO de seus filhotes, sem necessitar de leis nem fiscais, estamos a assassinar os nossos com a estupidez de 19 guerras, que ocorrem no momento atual. E escolhemos a última da vez para fazer posições de torcidas de times que passam a usar a violência criticada de lá para aplica-la aqui, uns contra os outros. São as Crianças as protagonistas do número de cadáveres. Se a guerra, com toda a sua estupidez, ocupa o espaço midiático, a Paz, mesmo que pronunciada todo o tempo, parece que fica para depois. Um depois que carregará uma falha na população pelos assassinatos das Crianças. Mas, da mesma maneira que o convencimento dos riscos de danos ao planeta, causados, por exemplo, pelos plásticos nos mares, ou os desmatamentos e as queimadas, não são acreditados como responsáveis pelos fenômenos climáticos extremos, o ambiente intrafamiliar, muitas vezes, fica longe do ninho dos passarinhos do outro lado do vidro da porta do jardim. O lar dos humanos, ao contrário do que a mídia propaga, pode ser o lugar mais perigoso para Mulheres e Crianças. Pelo Dossiê Mulher os números alarmantes de Feminicídio, tivemos em 2022, no Estado do Rio de Janeiro, 125 mil mulheres que sofreram algum tipo de violência: 14 por hora! E, 82% dos agressores: companheiros ou ex-companheiros. Não é difícil entender que 17 Crianças assistiram o Feminicídio da Mãe, entre as 11 Mulheres que foram vítimas desse crime. Não podemos esquecer que é comprovada a subnotificação desse crime doméstico e familiar. E o crime é continuado quando surge o “mito”, totalmente infundado, de que um homem pode ser “um péssimo marido, mas um ótimo pai”. Isso cai no absurdo de imaginar que uma mesma pessoa pode ter dois pedaços antagônicos, considerando que a Criança é uma idiota e não sofre com as dores da mãe. Além do que, esse é um estímulo à identificação com o agressor que é a única saída para a Criança. Talvez estejamos precisando voltar à simplicidade, e aprender com os passarinhos. Resgatar Princípios e Valores que já foram óbvios e hoje sumiram em meio a qualquer jogo de palavras que tentam justificar a barbárie.