segunda-feira, 27 de junho de 2016

As Múltiplas Faces da Violência Contra a Mulher e a Lei da Mordaça



                              AS MÚLTIPLAS FACES da VIOLÊNCIA  CONTRA a MULHER
                                                                e a LEI da MORDAÇA


O estereótipo da mulher com o olho roxo é a primeira imagem que nos ocorre. Mas, existem várias formas de praticar violência contra a mulher. Os gritos, as agressões verbais, as humilhações. Os estupros cometidos pelos maridos ao longo dos casamentos.
A desqualificação da voz da mãe quando faz uma denúncia de violência sofrida, ou de denúncia de violência contra um filho ou filha, será resolvida totalmente pelo Projeto de Lei 4488/2016, que prevê penas de 03 meses a 03 anos para as mães, avós, parentes ascendentes, correlatos e descendentes, vizinhos, professores, médicos, todos que denunciarem uma violência sexual contra a criança, crime às escuras, e que não conseguirem prová-la, constituindo-se crime de calúnia. É a bicriminalização, sendo que neste caso com pena de prisão para o denunciante. Difamação? É processo que corre em segredo de Justiça. E a calúnia e a difamação publicadas já são regidas por lei. Por que fazer uma lei para o mesmo “crime”? O fato de não ser provado não quer dizer que não foi cometido. Temos inúmeros crimes midiáticos agora que não serão provados. Mas foi cometido crime. O denunciante será punido, e depois de algumas prisões, esta é uma moda que pega rápido, ninguém se arriscará mais a fazer nenhuma denúncia. E, como o relato da criança está completamente desqualificado, nem ela mesma indo diretamente a algum prédio da Justiça, não vai adiantar, haja vista o Bernardo, assassinado pelo pai que é pai.
As modificações da Lei Maria da Penha que estão sendo propostas, protegerão os homens que batem e matam mulheres. Foi muito longe esta Lei. A Maria da Penha até se tornou celebridade, já se passaram alguns anos, alguns foram punidos, então, está na hora de voltar ao patriarcado absoluto do ciclo de opressão e controle. Os Operadores de Justiça parecem desconhecer conceitos fundamentais do comportamento humano perverso.
O Projeto de Lei 4488/2016, uma tragédia anunciada, uma vez sendo votado e promulgado, trará muito desemprego. Como ele rasga o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, talvez seja jogado na fogueira, porque viola todos os artigos que rezam a proteção da criança e do adolescente, incluindo o artigo 245 que diz da obrigatoriedade dos profissionais de saúde, de educação e outros, de denunciar à autoridade competente a suspeita ou confirmação de violência. As pilhas de ingênuas denúncias serão rapidamente esvaziadas, mais do que a velocidade atual com a entrada do instituto da Alienação Parental. Ninguém se interessou em saber a etiologia deste conceito, hoje dogmático, quase uma religião. Não foi aceita pela OMS para constar do CID10, por não ter fundamentação teórica, mas segue com a denominação inadequada, mas marketeira, de Síndrome. Há que se ler sobre o autor, um pedófilo que se suicidou a facadas, quando começou a ser investigado sobre abuso sexual de criança, a história, a estratégia inventada para livrar pais que praticavam violência doméstica e/ou abuso sexual contra os filhos, e a “terapia da ameaça” que faz parte do pacote. Richard Gardner é o seu nome. Psiquiatra infantil perito, para alguns só médico, seu livro não lido é “True and Falses Accusations of Child Sex Abuses”. Ao se suicidar de maneira tão desequilibrada, deixa mais um indício de sua perversão. Talvez tenha sido movido pelo mesmo medo que impregnou sua teoria como instrumento para engessar as mães denunciantes. Entre nós, é consagrado por operadores de justiça, um deus da alienação, por papais bonzinhos que são vítimas, coitadinhos, de ex-mulheres, todas rancorosas e histéricas.
Faz-se necessário observar o conjunto de Projetos de Lei que amarram a descriminalização do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. A discussão da redução da maioridade penal focaliza a violência urbana cometida por meninos de 16, 17 anos, para ofuscar a maioridade aos 16 anos de meninas e meninos para a prostituição. No nosso país, nesta idade, muitos adolescentes, sem grande escolaridade, menos ainda profissionalização, só tem o corpo bonito como produto. De par, vem a bondosa legalização da profissão da prostituição. Não é a bondade com as prostitutas mais velhas. Uma menina de 16 anos, sendo “de maior”, pode se tornar legalmente prostituta. O risco para os empresários deste setor diminuirá muito.
Além de queimar o ECA, teremos um grande aumento a somar a já alta taxa de desemprego. Uma vez criminalizando, só precisaremos das Varas Criminais. Lá tudo será resolvido, pede-se provas, como não há materialidade de carícias, masturbação, sexo oral, exibicionismo, voyeurismo, penetração digital anal e vaginal, a investigação é rápida, diria que pode até ser sumária. Todos têm certeza que é a histérica da mãe, invejosa e rancorosa que inventou a calúnia. Assim as Varas de Família podem fechar. O Disque 100, setor de denúncia de violência contra a criança e o adolescente pode desligar este ramal. Conselhos Tutelares não terão mais razão de existir. Psicólogas peritas também terão que procurar outra área, talvez não tão rentável. Também as DECAVs, podem ser extintas, não precisarão mais atuar porque a Alienação Parental, 90% de todos os casos de denúncia de abuso sexual intrafamiliar é muito simples. Já não se faz nenhum esforço nem para classificar entre os 4 tipos de Alienação. Nenhum laudo pericial toma conhecimento deste critério. E ainda, as delegacias especializadas de mulheres, sem provas é cadeia.
Teremos ainda que dar um jeito no artigo 227 da Constituição Federal. Podemos esquecê-lo, talvez.
Há violência doméstica contra a mulher , há violência social contra a mulher, há violência institucional contra a mulher.
É violência contra a mulher amordaçá-la e impedir que ela exerça sua função materna de proteção de seus filhos e filhas. Pai bonzinho que abusa de seu filho ou filha desconstrói sua função de pai, será apenas um título. Função não coexiste com abuso. É preciso estudar para saber o que diferencia a função da titularidade.
É violência contra a mulher e a adolescente colocar sob suspeição um estupro sofrido pela atribuição de “consentimento” porque não disse não ou não fechou as pernas para justificar sentenças favoráveis ao estuprador. (Vide menina de 16 anos estuprada pelo avô e estupro coletivo de menina de 16 anos).
É violência contra a mulher desqualificar sua voz, como está acontecendo. Criança, mulher e idoso não tem credibilidade.
É violência contra a mulher chamar uma deputada de musa, tanto quanto dizer que não vai estuprar a colega porque ela é feia. Nos dois casos a mulher é um objeto da sexualidade de mentalidade desrespeitosa e desqualificante.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

ESTUPROS, PERVERSÃO SOCIAL E ROUSSEAU: A MISÈRIA PSICOLÓGICA

ESTUPROS, PERVERSÃO SOCIAL, E ROUSSEAU: A MISÉRIA PSICOLÓGICA.

       O estupro coletivo desta menina de 16 anos que tanto nos indignou, não é o primeiro, e, infelizmente, não será o último. Adjetivos de cores mais fortes aparecem a toda hora, vindos de muitos cantos da sociedade. Mas também, aplausos e dúvidas, culpabilizações atribuídas a ela. Este é uma reação muito frequente: se o inimigo é muito forte, junte-se a ele. É o chamado mecanismo de defesa da identificação com o agressor. Cada um daqueles estupradores que usou de tanta violência, sozinho, não seria capaz de fazer a mesma atrocidade porque há um fenômeno grupal. E, como o comportamento humano é o objeto de meu estudo e exercício profissional, gostaria de trazer uma observação que não encontrei no noticiário.
       O estupro coletivo fica com uma aura de violência sexual, referida como intenso machismo. Ocorre que é preciso compreender que este é um equívoco. No abatedouro vários homens, talvez 7, 4, 33, 15, em cada sessão de atrocidades, não sabemos ainda o número exato, praticaram o exibicionismo e o vouyerismo, numa vitrine de órgãos sexuais hirtos, tendo como objetivo a penetração de um pedaço de carne inerte, sem beleza, sem sensualidade. O excitante era talvez a visão e a exibição de órgãos sexuais masculinos, que acabavam se revezando na penetração, quando era tocado o outro através do líquido seminal do último, do penúltimo, do antepenúltimo. Ao contrário da impressão de machismo com cara de heterossexualidade, temos no estupro coletivo a evidência de desejos e impulsos de homossexualidade. Não falo de homoafetividade, e sim de homossexualidade em anomalia da sexualidade, travestida de comportamento heterossexual.
       Chamou-me a atenção que surgiram artigos na imprensa que não se restringiam à barbárie da notícia escabrosa, o que garante leitura e interesse. Nosso imortal de muitas vidas, Zuenir Ventura, escreveu novamente sobre uma anomalia de comportamento, desta vez sobre o estupro coletivo. Logo a seguir Ana Paula Brandão, gerente de mobilização comunitária do Canal Futura, escreveu sobre Projeto Crescer Sem Violência, considerando que a exploração sexual de crianças é um problema urgente. Ela cita o dado alarmante: 17. 583 denúncias de abusos sexuais pelo Disque 100, em 2015. Foi divulgado que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Números estratosféricos, mas que, nem de longe são os reais. Estão muito distantes da realidade vivida por crianças, mulheres, de todas as idades, incluindo as idosas, pessoas dos grupos LGBTTT. Todos vulneráveis. Os registros são subnotificados: medo e ameaça, vergonha e culpa, preconceito e desconhecimento. Os números que temos em registros deveriam ser multiplicados por cinco.
       Ana Paula mostrou o que pode e que está sendo feito neste projeto para capacitar melhor nossas crianças diante de convites sedutores feitos a seus corpos ainda pequeninos.
       Zuenir chegou à conclusão que discordava de Jean-Jacques Rousseau que afirmava que o homem nasce bom e a sociedade o estraga, e preferiu ponderar que alguns homens não nascem bons, e que, portanto, já vêm com um defeito de maldade.
       Ambos estão na contramão, alterando as estatísticas que temos. A ANDI, Agência Nacional de Direito da Infância, há anos atrás, fazia um estudo que evidenciava o que experimentávamos na prática. As matérias dedicadas ao abuso sexual, à exploração sexual de crianças, ao estupro, ficavam entre 4.7% a 3.2%/ano das matérias de jornais escritos. A curva era decrescente. E dessa quantidade, menos ainda era dedicada à reflexão. À época, na ABRAPIA, era frequente que marcas recebessem um projeto, elogiassem, mas ao final, recusassem um patrocínio e pedissem desculpas porque não ficava bem ter o nome da marca associada a uma coisa tão feia.
       A Lei Maria da Penha é violada a cada 15 segundos. O marido da Maria da Penha, que ficou paraplégica em consequência das inúmeras vezes que foi vítima de violência doméstica, continuou como professor na Universidade Federal do Ceará. Nada mais eloquente para dizer da impunidade. Mulheres continuam a serem espancadas e assassinadas pelos seus, atuais e ex, maridos, companheiros, namorados.
       O abuso sexual intrafamiliar é alvo de campanhas em que a Secretaria de Direitos Humanos diz que ter conhecimento e não denunciar é praticar também violência contra a criança. Mas há a Lei da Alienação Parental, instituto sem sustentação científica, para abrigar e inocentar todos os pais/abusadores, invertendo os papéis e passando a vítimas de mães loucas. Tramita no Congresso uma criminalização que prevê pena de reclusão de 03 meses a 03 anos para mães, familiares e qualquer pessoa que denunciar e não provar o abuso, tipificado como crime às escuras. Denuncia e vai para a prisão ou cala?
       O Projeto Crescer sem Violência convive com a “Medalha de Ouro” do primeiro lugar na América Latina de Exploração Sexual de Crianças, ocupado pelo Brasil.
       Permito-me discordar do Zuenir, e mais ainda do Rousseau. Um atrevimento. Estudos apontam para o comportamento agressivo e insensível do início da vida. Entre eles, um vídeo é bem ilustrativo: uma sala de creche com crianças entre 01 e 02 anos. Uma criança tem seu brinquedo tomado por outra criança. Sentado no chão, ele começa a chorar. Todos olham em sua direção, continuam onde estão e um a um, todos vão até o que está chorando e batem, empurram, puxam o cabelo, chutam aquele que chora. Este estudo, que afirma ser a agressividade congênita ou inata, diria necessária para nascer e sobreviver impondo suas necessidades de cuidado, vem de encontro com a constatação da aquisição da capacidade de empatia, que é estimulado pela mãe, e substitutos. É a mãe suficientemente boa, no conceito do Winnicott, que emprestará este se colocar no lugar do outro quando pega o brinquedo ou o amiguinho que sofreu um ataque da criança e o consola, aconchega, pede desculpas, fala do dodói que lhe foi causado. Nascemos todos com muita agressividade, necessária para nascer, necessária para nos mantermos vivos, e precisamos aprender a humanicidade pela capacidade de empatia, função materna. Na ausência desta capacitação, a criança não adquire a empatia, a solidariedade, a cidadania, ou fica com estas funções precárias.
       Apesar de todo o avanço tecnológico, de todo o avanço no conhecimento, o Homem é um Projeto que não melhorou, até hoje tem comportamentos sub animais, como o estupro coletivo, a Humanidade não tem dado certo.  
       O estupro sempre fez parte da história das mulheres brasileiras. Temos outra medalha vergonhosa quando somos equiparados à Índia e ao Paquistão neste item de patologia social. Historicamente, não se divulga isto, nossa Imperatriz teve inúmeros abortos consequentes aos espancamentos que sofria do Imperador, e ela acabou morrendo de sífilis, tendo sido monogâmica por toda a vida. Hoje, além da sífilis que voltou, esposas monogâmicas são contaminadas por seus maridos pelo HIV, e morrem. Esta é mais uma forma de violência contra a mulher. Há muitos abatedouros dentro dos chamados lares.
       Em meio a onda de indignação com o noticiário da barbárie, surge mais uma notícia de horror. Um menino de 10 anos e seu amigo de 11 anos, furtam um carro dentro de um condomínio e o garoto de 10 anos ao volante acaba recebendo uma bala na cabeça na perseguição policial. Este garoto morto era filho de um pai apenado e de uma mãe recalcitrante, furtos, e gostava de jogar vídeo game na lan house da favela onde morava em parte da sua vida. Trouxe o seu game favorito, uma perseguição em que dirigia um carro e matava para ganhar, para a vida real, e morreu na sociedade cenográfica em que vivia. O menino de 11 anos é recuperado na delegacia por sua mãe. A imagem me impressionou e foi eloquente. Caminhando na noite, ela na frente, mãe franzina, com um agasalho amarelinho da seleção brasileira de futebol, pirata possivelmente, ele tentando acompanhá-la no passo. Amarelo, a cor da sorte nas copas de futebol, escrito “Brasil” em verde. Como o estupro coletivo, como a criminalização do uso destorcido de alegação de Alienação Parental, como a Exploração Sexual de Crianças, como a Misoginia reinante, coma Cegueira Deliberada endêmica, doeu muito. A vulnerabilidade está cada vez mais vulnerável.

       Game over. 

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Não, não dói o útero, dói a alma

“Não, não dói o útero, dói a alma”

       Uma menina de 16 anos. Mais de 30 homens. O estrondoso estupro coletivo.
      
       Este ato sub- animal veio à mídia e logo teve a resposta da esperada indignação. A sub- notificação nos engana. A misoginia é avassaladora! Mas é preciso chegar mais perto da realidade dos fatos. Não são somente mulheres que são estupradas. Dos dados referentes aos pífios números de registros da violência sexual, abstrai-se que 72,69% dos casos acomete crianças e adolescentes. Dado sub- estimado pela sub notificação. E não são divulgados os dados dos estupros contra meninos e adolescentes, e contra jovens homossexuais. Estupros de deficientes mentais, de meninas portadoras de paralisia cerebral. O pensamento machista que reina em nossa sociedade cenográfica, quase tudo é de faz de conta, incluindo a observância às leis de garantia de direitos, não permite que conheçamos estes tristes números. Se considerarmos os estupros intrafamiliares, chegaremos a números estratosféricos.
       Se, é uma criança, a família teme que este estupro do menino determine uma escolha de gênero. Preconceito e equívoco. Se, é jovem, o medo da retaliação garante a omissão do episódio, e o acobertamento dos machões de plantão.
       Segue-se a este primeiro momento crítico, a vergonha, o medo e a culpa sentidos pela vítima, o despreparo das Instituições. A inadequação de verdadeiros inquéritos com a vítima, no lugar da escuta qualificada, o pensamento machista na defesa do algoz, aquele que praticou a violência sexual contra uma pessoa em situação de vulnerabilidade, permeia a postura de quem deveria proteger a vítima.
       Há mais de 30 anos, uma afilhada, 16 anos, foi estuprada por um bando de garotos, entre 15 e 18 anos, em Brasília. Eles eram filhos de parlamentares e ministros da época. Ela também filha de parlamentar. Ela negociou com eles que não iria fazer nenhuma resistência, e pediu que fosse um de cada vez. Eles atenderam. O pai dela fez questão que ela fosse atendida no melhor médico particular da cidade, que tratou de pequenas escoriações pelo atrito repetido das penetrações. À época não havia coquetel contra HIV, nem pílula do dia seguinte. Este pai negociou com ela a não denúncia. Um novo estupro que ela não chegou a dimensionar, e concordou que não valia a pena.
       Há alguns anos, no Pará, uma menina de 15 anos ficou detida numa cela masculina, com 20 homens, por 26 dias. Foi seviciada, torturada, com privação de alimento, de sono e queimaduras pelo corpo mal saído da infância. A prisão preventiva por ter tentado roubar um celular era assinada por uma Juíza, uma mulher. A Delegada, outra mulher, disse depois que não tinha notado que ele não era um menino, como pensou.
       Há algumas semanas, no Piauí, uma menina, de 14 anos, foi estuprada por 05 garotos, quase todos menores de idade.
       Há pouco tempo, em Uberlândia, um avô estuprou um bebê, e depois o matou.
       Um menino nigeriano, foi recentemente encontrado no freezer, foi seviciado, torturado e assassinado pelo pai e pela mãe. Em São Paulo. Este não vai chegar nunca à mídia, temos xenofobia também.
       Está acontecendo no Rio de Janeiro, dentro de um Colégio Público tradicional, um hábito de estupros praticados por garotos do 2º grau em meninas do 1º grau. Vem se repetindo com frequência. Muitos desses estupros são registrados em vídeo, troféus, e, por vezes, caem nas redes sociais.
       Em Olímpia, São Paulo, um Juiz absolveu um avô, delegado de Polícia, representante da Lei, por titularidade, que estuprou a própria neta com também 16 anos. Motivo: a menina não disse que não queria. O Juiz entendeu, portanto, que houve consentimento. Consentimento. Talvez este Juiz esperasse que este avô que teve relações sexuais com uma neta, para ele isto não teve nenhuma importância, fosse aceitar e respeitar a vontade desta neta, ou a recusa se dissesse que estava com dor de cabeça. Porque o fato de ser o avô da menina não entrou na compreensão deste Juiz. Esta menina estava tentando se matar por ter obedecido ao avô cumprindo o pacto do silêncio, quando foi impedida pelo pai de puxar o gatilho de uma arma. No entanto, a morte psíquica continua a ser uma ameaça com esta desoladora e enlouquecedora sentença.
       Uma estudante da Universidade Rural do Rio de Janeiro, no entanto, não teve o mesmo desfecho, e o suicídio não foi evitado. Após uma tentativa de estupro praticada por um colega de mesmo curso, entrou em depressão, trancou a matrícula e não suportou a dor. O estuprador teve uma repreensão verbal da direção, e não foi sequer expulso da Universidade. Talvez, teria sido preciso que ele tivesse dilacerado a colega, ou mesmo a matado para que os responsáveis pela Instituição de Ensino conseguissem cumprir a Lei.
       Como falou agora a menina, hoje emblemática, a humilhação e indignidade inerentes ao estupro não dói no útero dela, muito machucado, ao que falado, até por canos de armas. Dói na alma. E vai doer para sempre. É uma dor crônica. As sequelas são permanentes. A violência sexual é uma tatuagem na alma de meninos e meninas. E quando se trata de um ataque de violência, contra o qual não conseguimos nos defender, todos somos meninos e meninas, sem importar a nossa idade cronológica.
       O estupro coletivo é um fenômeno degradante para toda a sociedade, mulheres e homens. Fica evidente que a violência é banalizada pelos que, além de praticar a crueldade, ainda buscam aplausos, também encontrados, nas redes sociais, porque há a certeza da impunidade. Aqueles que ali se exibiam e os que praticaram explicitamente no grupo, evidentemente, viram abusos e estupros dentro de casa. Mas, se acostumaram à brutalidade e fizeram dela uma competição, com direito a um troféu na mídia. Esta é a pior das misérias. A miséria psicológica. E assim eles crescem, sem alma, buscando só um momento de exibicionismo perverso torturando uma menina. E então surge a misoginia que aporta no estupro social: ela deve ser culpada.
       Na Holanda, em 2015, foi concedida a autorização para um procedimento de eutanásia. Não está em questão aqui a eutanásia. A dor crônica e as doenças incuráveis advindas de uma história de abuso sexual intrafamiliar, perpetrado dos 05 aos 15 anos, que deixou sequelas, como acontece com toda forma de violência sexual, foi equiparada por uma junta médica à dor neoplásica, justificativa consagrada das autorizações neste país em que a eutanásia é legalizada.
       Nosso despreparo para lidar com esta perversão é enorme. Operadores de Justiça agem muitas vezes como coniventes com o crime. A discriminação se instala, discriminação da vítima. A indignação dura pouco, o tempo midiático. Não temos o exercício da Responsabilidade Empática pelos vulneráveis de qualquer tipo.
     Faz-se necessário respeitar a dor psicológica que é tão invalidante quanto a dor fisiológica. Urge que a Cultura da Misoginia tenha um combate consistente e consequente, não só neste momento de indignação aguda, mas permanente.
       Todos, somos responsáveis por esta tragédia social. Nós garantimos a impunidade. Nós alimentamos a cultura da transgressão. Somos nós que escrevemos estes finais infelizes. A sentença de morte biológica, de morte psíquica, ou de invalidez psicológica, tem sido aplicada aos vulneráveis que carregam para sempre a culpa do crime que sofreram. Mais do que uma tatuagem, uma cicatriz infeccionada na alma.

Ana Maria Brayner Iencarelli – Psicanalista de Crianças e Adolescentes.