segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Crianças Vítimas de Violências Domésticas, e Vítimas de Violências Institucionais . por Rita de Cássia.

                         Crianças Vítimas de Violências domésticas, e de Violências Institucionais.

                                                                                 Por Rita Cássia, Antropóloga, Arte-Educadora.

Uma criança, filha da jornalista Carla dos Santos, mulher/mãe luso-brasileira, não estaria órfã de mãe, e não teria perdido seu tio materno para a morte, se um certo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Sintra, não tivesse coagido Carla dos Santos em aceitar uma guarda partilhada do seu filho, com seu algoz. O Sr. Juiz desferiu sobre Carla dos Santos ameaças em que daria a guarda total da criança para o pai/agressor, caso a mãe não aceitasse a guarda partilhada. Desconsiderou por completo o facto de que mãe e criança eram vítimas de violências domésticas. Afinal, um pai agressor é um bom pai, conforme muitos magistrados e muitas magistradas têm definido, em Portugal. Carla dos Santos foi assassinada há cinco anos, em 3 de Março de 2014, e foi enterrada a 8 de Março de 2014. Naquele ano, quarenta mulheres foram assassinadas em Portugal. O tio da criança em questão, irmão de Carla dos Santos, também foi assassinado pelas mãos do agressor de Carla dos Santos, e seu corpo até o presente momento não foi encontrado. Ele deixara duas crianças órfãs de pai. Em 2010, o agressor de Carla dos Santos, após sequestra-la com o filho de ambos, foi obrigado a efetuar o pagamento de setecentos euros à APAV, e foi condenado a um ano e meio de pena suspensa. Uma Sra. Juíza diante da situação, proferiu à Carla dos Santos, mulher vítima de violências domésticas, que o seu agressor era um “coitado porque se tinha passado” e que “fê-lo por amor”. A vítima tinha sido magoada corporalmente, não lhe foi dada nenhuma assistência médica, nem lhe pediram para fazer exames. Tão pouco deram importância ao relatório redigido por uma Sra. Médica de família que declarara a existência de perigo de morte para mãe, e para a criança, relatório este que fora assinado por um dos familiares do agressor. Como esta criança crescerá a compreender o mundo circundante quanto à justiça, que lhe condenou a crescer sem a sua principal figura de referência afetiva, a sua mãe? E que a tem condenado a viver sobre torturas psicológicas por parte de profissionais totalmente desqualificados para ocupações de cargos no âmbito da assistência social? Até o prezado momento, a segunda referência afetiva da criança, a sua avó materna, não dispõe da sua guarda total. Houve alegações de que a sua avó materna, estaria “velha” demais. Até que ponto certas instituições poderão dar continuidade às violências institucionais contra cidadãos e cidadãs que já sofreram violências domésticas? Qual o papel das instituições, afinal? Salvaguardar e proteger cidadãos e cidadãs face às adversidades, ou lhes criminalizarem por serem
 vítimas de violências, através da utilização de critérios arbitrários, e discriminatórios?
São muitas as crianças que estão a crescer traumatizadas dentro e fora das suas casas. Dado que as violências domésticas têm andado de mãos dadas com as violências institucionais. O regime de guarda partilhada tem sido uma das principais ferramentas em que homens agressores têm utilizado para perpetuar perseguições contra as mães de seus filhos, em processos de regulamentações parentais. Esquecendo-se eles dos próprios filhos e filhas, a quem fazem sofrer. Processos estes, onde muitos magistrados e magistradas, bem como, profissionais da assistência social, da psicologia, do ISS, e certos advogados e advogadas, parecem romantizar as violências de que as mulheres e as crianças têm sido vítimas.
Educacionalmente, como se desenvolvem por exemplo, crianças portuguesas a quem o pai/agressor provocara um traumatismo craniano na mãe delas, e que o Tribunal de Família e menores decidira que tais crianças crescerão com o pai/agressor? Como se desenvolvem crianças gémeas portuguesas, separadas entre si, e brutalmente separadas da mãe, aos quatro anos de vida, após a mãe ter tido a coragem de denunciar que era vítima de violência doméstica? Como se desenvolve uma criança portuguesa separada de uma mãe, que fez tratamento para engravidar dela, pelo facto de a mãe ter tido coragem de ter denunciado às autoridades competentes, as violências pelas quais passavam? Como se desenvolverá uma criança portuguesa que foi institucionalizada em um centro de acolhimento de crianças, pelo facto de a mãe ter sido vítima de violência doméstica, e tal criança vir a ser violada dentro do centro de acolhimento, onde deveria estar supostamente “protegida”? Como se desenvolve uma criança luso-brasileira, que foi separada da sua mãe, principal figura de referência afetiva, com menos de cinco anos de idade, pelo facto do Sr. Juiz ter priorizado conhecer o pai da criança há mais de vinte anos, independente de este ser agressor da mãe da criança, e pelo facto de ter considerado que a mãe da criança por ser “brasileira” poderia ser da “favela” ou ser “empresária”? Como se desenvolve uma criança luso-brasileira que tentou se suicidar aos nove anos de idade, pelo facto de não querer continuar a viver com o seu pai, agressor de sua mãe, e não somente? Como se desenvolve uma criança portuguesa cigana a quem o Tribunal de Família decretou o envio de agentes policiais até a sua mãe, diante da sua escola, para que esta lhe entregasse ao pai/agressor, para uma sessão de “visita”, um pai/agressor que trancou a filha dentro de casa, deixando-lhe dias sem comer? Como se desenvolvem crianças portuguesas não brancas, e/ou migrantes, a quem a polícia não protege quando as suas mães, vítimas de violências domésticas, lhes pedem apoio através das chamadas telefónicas? Ou quando são institucionalizadas como se suas mães não lhes tivessem afeto, pelo facto de serem vítimas de violências domésticas, e/ou de estarem com problemas financeiros, e/ou ainda sem documentos regularizados?
O que aprendem as crianças, ao verem suas mães serem humilhadas, ridicularizadas, e/ou receberem tareias pelas mãos de seus pais/agressores? São bons pais, estes pais? Até quando certas instituições portuguesas continuarão a difundir tais disparates? O que aprendem as crianças quando são separadas das suas mães, por estas terem sido vítimas de violências domésticas, e/ou serem pobres? Nove mulheres e uma criança com apenas dois anos de vida foram brutalmente assassinadas neste início de ano corrente? Quantas mulheres e crianças terão que ser assassinadas, e/ou torturadas vivas?
Quererá o Estado português investir numa transformação cultural de seus cidadãos e de suas cidadãs rumo à abolição das violências domésticas, e institucionais, em prol de um desenvolvimento humano sustentável, onde haja o exercício da cidadania e preponderância da não violação dos direitos humanos? Uma cultura não etnocêntrica? Almejamos seres humanos saudáveis ou seres humanos doentes neste território? Os mais de cinco milhões de euros financiados pelo PO ISE para 123 projectos, na área da violência doméstica contra mulheres, serão de facto bem aplicados? Os projectos escolhidos contemplam a autonomização e o empoderamento das mulheres vítimas de violências domésticas, de modo a que não precisem sair fugidas das suas casas para se instalarem em centros de acolhimentos? Contemplam uma educação de qualidade onde o direito das crianças às suas famílias biológicas seja uma prioridade? Contemplam a manutenção das crianças com as suas principais figuras de referências afetivas, mulheres/mães vítimas de violências domésticas? Contemplam uma transparência cidadã através do INE, sobre quantas crianças, e sobre quem são as crianças (se nacionais, se migrantes) que têm sido retiradas indevidamente dos cuidados maternos, de suas mães, vítimas de violências domésticas? Contemplam o desenvolvimento de um programa nacional de justiça restaurativa voltado para uma reestruturação de homens agressores, o mais longe possível das suas vítimas? Ou continuaremos a dar continuidade ao desenvolvimento de um sistema assistencialista, com a utilização de coacções de mediações familiares, entre vítimas e agressores, um sistema potencializador da reprodução das violências domésticas, e institucionais, e invisibilizador de desigualdades sociais? Contemplam a extinção da ideologia norte-americana da alienação parental, em território português? Uma ideologia perniciosa, que sustenta uma síndrome não existente, e que têm corroborado para a desigualdade de género, através das violências domésticas, e para violências sexuais contra crianças? No sul do Brasil, centenas de milhares de mulheres estão neste momento sem seus filhos e filhas, após terem tido a coragem de denunciar violências domésticas e, abusos sexuais contra suas crianças. Violências estas, que ao não serem devidamente averiguadas e, admitidas pelos tribunais brasileiros, têm sido legitimadas através da lei de “Alienação Parental”, que desfere sobre mulheres e crianças, vítimas de violências domésticas/género, e de abusos sexuais contra menores, as mais cruéis torturas. Contemplam ações de consciencialização de que crianças são seres humanos, sujeitos detentores de direitos, e vítimas diretas das violências domésticas/de género, contra as mulheres, suas mães? Contemplam um dos princípios essenciais subjacentes à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: “não deixar ninguém para trás”? Esperemos que sim, que venham pela frente novas diretrizes que possam fazer face às heranças patriarcais, escravocratas, colonialistas, machistas, misóginas e, capitalistas que carregamos nas nossas costas tornando impossível a concretização dos ideais democráticos firmados na Constituição da República Portuguesa, na Convenção de Istambul, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Internacional Contra Todas as Formas de Discriminação Racial, no Tratado da União Europeia - Tratado de Lisboa, no Tratado de Amizade entre Brasil e Portugal, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW). Crianças Vítimas de Violências domésticas, e de Violências Institucionais: que futuro?