quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O sorriso por trás da burca

       Gente indo.Gente vindo. Apressados. Calmos. Disputando uma cadeira perto da entrada do carregador de celular. Muita gente. Mas ninguém está ali. Ninguém olha para o outro. Só quando há uma aproximação maior à bagagem de mão, hoje numerosa e volumosa. 
       Fui para a fila do embarque. Ali perto, sentado, esparramado, um homem. Vestia uma roupa cultural clara, quase branca. Sua posição e sua discreta movimentação de cabeça, indicavam que "controlava" o entorno. Não conversava, respondia, vez por outra, sua mulher, sentada em frente, controlada, também vestida na sua cultura. Preto.
       Túnica preta, meias pretas. Luvas pretas. Burca rigorosa, preta. Um óculos de grau permitia que eu enxergasse um pouco seu olhar. E este único pedacinho à mostra, fazia contato comigo, e disfarçava para o marido. Ela tentava conversar. ele pouco respondia. Não me negava a me comunicar com ela. Pensei nos meus parentes sírios, talvez tenham morrido todos, eram de Holms minha família materna. Eram professores, muitos. Minha mãe, 100 anos, mas em coma há 7 anos. Perdemos o contato. Mas, me dei conta que estava fazendo um contato genuíno com aquela mulher. Pareceu-me jovem, mas não menina. O seu olhar carregava um tempo. Não sei em que momento destes meus pensamentos, ela começou a sorrir para mim. Tinha um burca preta entre nós mas ela sorria. E escondia o sorriso do marido. Sorri com todo o cuidado, duas vezes. Experiência difícil para mim que não tinha uma burca. Não podia causar algum tipo de problema para aquela que tinha me oferecido uns sorrisos tão caros.
       A fila começou a andar. Terminou o nosso tempo de contato, de sorriso. Mas ficou a certeza de que nenhum obstáculo é suficiente quando queremos nos conectar, simples e verdadeiramente, com o outro. Ela não sabe quem eu sou, eu não sei quem é ela, mas, por trás da burca teve sorriso. foi um privilégio. E, respeitando sua burca maior, consegui lhe oferecer dois sorrisos.