segunda-feira, 4 de janeiro de 2016


PROJETO CUIDADO COM A CRIANÇA

          Gostaria de agradecer mais esta honra de participar, dentro do “Projeto Cuidado”, de mais uma Obra escrita a várias mãos, organizada pela Professora de Direito Especial de Criança e Adolescente, Dra. Tânia da Silva Pereira, e pelo Professor Guilhermo Oliveira da Universidade de Coimbra. Este novo livro será sobre “Cuidado e Afetividade”, e, como os outros dois livros deste Projeto, “Cuidado e Vulnerabilidade” e “Cuidado e Responsabilidade”, editados em 2009 e 2011, respectivamente, será editado e distribuído no Brasil e em Portugal.

          Escrever em várias mãos é uma experiência riquíssima, pois permite que especialistas de olhares diversos possam estar juntos numa mesma obra, proporcionando ao leitor e à ciência a oportunidade de complementar, confrontar, questionar, enfim, pensar. Participei, também, de uma obra de raro valor humanístico sobre a morte e o morrer, “Vida, Morte e Dignidade Humana”, onde o Direito à dignidade foi olhado por vários ângulos, por vários especialistas de diversas áreas.

          Aproveito a oportunidade para agradecer minha participação a convite das Professoras Rosângela Zagaglia e Tatiana Seixas, ambas do Departamento de Direito Especial da Criança e do Adolescente da UERJ, para contribuir com um capítulo no 11º Volume da Coleção Comemorativa dos 80 anos do Direito da UERJ. O lançamento com autógrafos, com mesa de autoridades jurídicas, foi embalado pelo Coral desta Universidade que abriu com canção indígena de festa da colheita da mandioca, as raízes em tão vasta obra dos vários direitos ali ensinados.

          A frustração pela extinção da ABRAPIA, Organização Não Governamental que cuidava de todas as formas de violação de Direitos da criança e do adolescente, castigo físico, abuso físico, sexual, psicológico, bullying, exploração sexual, pornografia infantil, tráfico de crianças e adolescentes, turismo sexual infanto-juvenil, trabalho infantil, a qual eu presidi por dois mandatos, não nos fez parar. Doeu. Funcionava. É lamentável que um bom trabalho tenha se perdido. A rede formada e bem articulada em todo o Brasil. A estrutura de conexões abrangia Ministério Público, Conselhos Tutelares, Polícia Federal Especializada, Casas de Acolhimento, Centros de defesa da Criança e do Adolescente. Tudo interligado pelo número 0800 990500, instalado pelo Ministério da Justiça na ABRAPIA, pelo então Ministro José Gregori. Foram mais de 5 milhões de denúncias nos anos que a ABRAPIA se responsabilizou pelo 0800, em parceria com a Word Childhood Foundation, W.C.F., e o Ministério da Justiça. Foram refeitas novas redes, e instituído o Disque 100 pelo Ministério da Secretaria de Direitos Humanos, que funciona muito bem no acolhimento de denúncias de violação de Direitos da Criança e Adolescente. Mas a judicialização das questões intrafamiliares, tomou caminho diverso, desvirtuado, e lamentável.

          A frustração da não realização do Projeto de tratamento para crianças e adolescentes que sofreram violência sexual, que me foi diretamente pedido pela Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, que pretendia fazer política pública para crianças e adolescentes, também doeu. A Ministra saiu da pasta. As gavetas do Planalto guardam muitas coisas.

          Na Letra da Lei somos exímios protetores de crianças e adolescentes. Mas, na verdade, só no E.C.A. a criança tem direitos fundamentais. Mas a efetividade do que está escrito não acontece. As campanhas de denúncias são ilusórias porque não garantem a interrupção das violações, e acabam por proteger o adulto violador. Têm sido invertidas as posições de vítima e algoz, sendo penalizada e criminalizada a mãe que busca proteção para o filho ou filha que revela, por exemplo, um abuso sexual intrafamiliar.

          Esta minha trajetória tem sido penosa. A luta é inglória. Quando se tem um perverso, e todos que praticam a violação e exploração do corpo de uma criança ou adolescente, com o objetivo de saciar uma compulsão ou de ganhar dinheiro, estão no exercício de uma perversão, é muito difícil o combate. E, facilmente, pelo horror que causa ao outro, constatamos que Operadores de Justiça usam, amplamente, o mecanismo de defesa do ego definido como “a identificação com o agressor”: se o inimigo é muito forte e monstruoso, junte-se a ele. E o Princípio do Melhor Interesse da Criança, desce em banguela.

          “Cuidado e Afetividade” já começou a ser escrito. O afeto é pouco entendido em sua extensão e em sua responsabilidade com o desenvolvimento saudável da criança. Muito confundido com carinho, com a própria carência do adulto que se ilude com um comportamento gliscóide, uma pegajosidade que, muitas vezes, sufoca o bebê. O afeto é para além do enternecimento, do aconchego, necessários e importantes, mas não suficientes. O afeto está inscrito na responsabilidade.  É da qualidade do cuidado que se conceitua o afeto. Como bem canta a música do Peninha, “quando a gente ama é claro que a gente cuida”.