quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Luciana Uyeda: A Lei de Alienação parental usada como violência contra as mulheres

Este é o Artigo de LUCIANA UYEDA, publicado no site <jusbrasil.com.br>

A Lei de Alienação parental usada como violência contra as mulheres
O terror imposto sob a égide da Justiça brasileira contra mulheres e seus filhos.

A quem interessa proteger pedófilos?
A quem interessa desmerecer e desqualificar o relato de vítimas de abuso sexual infantil?
A quem interessa desproteger mulheres que já haviam sido favorecidas pelo direito à integridade física e psicológica garantidas na Lei Maria da Penha?
A resposta irrefutável às indagações acima não deixa dúvidas: Interessa aos agressores e muito.
Com o respaldo de que o objetivo da lei 12.318/10 seria resguardar o direito das crianças e adolescentes de conviverem de forma saudável e plena com seus genitores, fossem os pais ou as mães de forma igualitária, a lei de Alienação Parental encontrou no momento de sua apresentação em projeto de lei, inúmeros apoiadores. Naquele momento alguns grupos de estudos feministas e de militantes da Lei Maria da Penha e Direitos das mulheres alertaram as autoridades sob alguns equívocos na lei de Alienação que poderiam futuramente ocasionar no uso da mesma para desqualificar e desmerecer a Lei Maria da Penha desprotegendo e desfavorecendo as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em lides judiciais de guarda de seus filhos, previu-se que poderia a lei de Alienação inclusive ser usada por pedófilos para livrarem-se das acusações de seus crimes, mas o que não puderam prever seriam os resultados catastróficos 7 anos depois.
Seguindo uma espécie de molde, ou padrão de análise forense, as equipes das varas de família ao receberem o menor na condição de criança abusada sexualmente pelo pai cuja denuncia fora feira pela mãe, atuam de forma pré concebida, onde sequer uma escuta especializada é garantida à criança que é levada à exaustão em seus depoimentos e sempre é incitada a dizer que mentiu ou que fora obrigada a mentir pela genitora, numa conduta que pasmem, parece a qualquer técnico ou psicólogo ou ainda à um mero estudioso ou ainda um leigo no assunto, uma sessão de tortura.Tortura imposta às crianças e suas mães que procuraram a justiça em busca de socorro, mas não foram socorridas e sim re vitimizadas.
A cartilha Gardneana.
A primeira vez que me deparei com relatos de vítimas e eu mesma pude conferir, achei estranha e equivocada a abordagem dos especialistas, e questionei se seria fruto de posturas machistas advindas de estudos de Sigmund Freud, ou posturas equivocadas alimentadas pelo machismo tão arraizado na nossa cultura, de um país que lidera o ranking de violência contra mulheres, onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, onde 7 milhões de brasileiras já foram agredidas por seus maridos nos último três anos segundo apontam pesquisas sobre estes crimes e onde 68% dos casos de violência doméstica e familiar acontecem na frente dos filhos, sendo acometida a violência também física em geral contra as crianças pelo homem que violento com a mulher, o é também com os filhos, além da evidente violência psicológica contra as crianças pelo pai agressor, violência que todos sabem, podem deixar sequelas ainda mais graves que a física e para toda a vida. O que não fazia sentido algum porém, passou a fazer sentido mas no prisma do horror, o horror da "cartilha Gardneana" que é a conduta seguida pelos forenses das varas de família após a lei 12.318/10, de alienação parental ser sancionada no Brasil.
Em 25 de maio de 2003 quando o pedófilo Richard Gardner se suicidou ao ter sua casa cercada pelo FBI após longa e fundamentada investigação da unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que investiga crimes contra menores , o psiquiatra americano procurado e investigado por pedofilia e uso inapropriado de teses infundadas nunca aceitas pela O.M.S (Organização Mundial de Saúde), que havia desenvolvido longo estudo como meio para levar uma criança à exaustão em seus relatos, impedindo a coerência na denúncia e abrindo caminhos para a defesa do adulto investigado por crime de pedofilia, conhecida como síndrome de alienação, não poderia imaginar o alcance e aceitação absurdas de seus estudos neste país, o Brasil, porém não para que a sociedade o inquerisse ou o repudiasse, mas sim para que toda uma perversidade fundamentada no machismo e na misoginia alavancasse a tese de alienação contra as mulheres, no caso, as mães das crianças abusadas que viessem a denunciar os abusadores de crianças.
Segundo os argumentos de Gardner que vale lembrar , nunca foram reconhecidos pela O.M.S como possível estudo ou sequer como síndrome e foram repudiados pelo governo americano, afirmam que uma criança que mostra horror e repúdio ao agressor, conduta que a vítima sempre apresenta após romper o medo e conseguir denunciar, podem ser "tratados" com a forçada e intencional permanente convivência com o abusador, porém para alguns legisladores brasileiros, esta técnica de tortura imposta às vítimas de terem de conviver com seus abusadores até aceitarem como normal o abuso físicos e sexual, fundamentou-se em lei no que tange à inversão de guarda.
Denunciar o abusador sexual da criança é considerado na lei de alienação delito grave com pena de perda e inversão da guarda para o pai, no caso àquele a quem se deveria investigar, mas a lei garante que investigadas sejam a mãe que denuncia e a criança que demonstra medo e horror ao seu abusador.
Não precisamos lembrar o que aconteceu com a menina Joana, triste morte ocorrida logo no início da vigência da lei, e foram muitas "Joannas" desde então, são mais de 2 mil crianças brasileiras obrigadas a conviver com seus abusadores sexuais desde a origem da lei em 2010 até hoje e segundo estudos sobre o assunto, os números reais são ainda mais alarmantes visto que há uma dificuldade imensa em se conseguir acesso a todos os processos porque correm em "segredo de justiça", os dados apontados são de vítimas que quebraram o silencio e continuaram denunciando mesmo após caladas sob ameaça, a ameaça da perda definitiva da guarda caso insistissem nas denuncias.
A Lei da Mordaça.
Entre as mulheres que nunca aceitaram os abusos cometidos contra seus filhos e acreditaram no poder do judiciário para protegê-los, a lei de alienação é vulgarmente chamada de "a lei da mordaça" , porém, nenhum outro nome poderia fazer mais jus ao que ocorre.
Mais de uma centena de mulheres apenas no Estado de São Paulo já perderam a guarda de seus filhos aos abusadores sexuais dos mesmos após denunciá-los. Ocorre que a pena para acusação de abuso e/ou maus tratos, violência doméstica e exposição da criança em situações perigosas tais como o uso de entorpecentes, alcoolismo ou sadismo com tortura (surras e agressões verbais) sem a prova material dos fatos ocasiona em inversão da guarda. Imediata, com proibição total de contato inclusive por telefone, a criança é levada dos braços da mãe que tentou proteger e entregue aos abusadores/agressores através de força policial, com mandado de segurança que estranhamente em sua maioria, ocorrem logo nas primeiras horas da manhã, ou de madrugada, quando a mãe é surpreendida em sua casa com as crianças dormindo, de pijamas. Imaginar um filho seu sendo arrancado de dentro de casa, na calada da noite e entregue a força sob ordem judicial ao pai pedófilo/abusador/agressor, tem obrigado mulheres a se calarem e não efetuarem a denúncia, daí o termo vulgar mas muito apropriado para tal horror, a "lei da mordaça".
Da materialidade e imaterialidade das provas, como a lei de alienação consegue proteger de forma tão eficaz os abusadores sexuais de crianças na violência sexual intra familiar.
Imaterialidade surge via contrária às provas , ou seja, quando não existe materialidade, materialidade das provas são as provas tais como sêmen, dilaceração anal, rompimento de hímen, fraturas, sangue, DNA, das quais não se duvidará porém, são estas provas inexistentes nos casos de violência sexual e abuso intra familiar. Neste tipo de crime que ocorre dentro do lar, de forma camuflada, onde o pedófilo faz uso de lubrificantes veterinários para proteger a região anal da criança de dilacerações e usam camisinha para não deixar vestígios e onde os pais pedófilos de meninas não rompem o hímen de suas pequenas vítimas antes dos aproximadamente 9/10 anos de idade e alguns tem o sádico cuidado de o fazer apenas na adolescência, e alguns jamais o fazem, obrigando suas vítimas ao coito anal e ao sexo oral e masturbação para não deixarem provas, e desta forma não se encontra materialidade do crime, apenas a suspeita que ocorreu, por isso há que se investigar a materialidade indireta, que deve acontecer quando o acusado ou suspeito do crime que fora denunciado deve ser investigado, contudo, são as crianças vítimas desprovidas de escuta especializada as investigadas, são expostas a fadiga, ao medo e incertezas em inúmeras sessões impostas pelas varas de família onde os psicólogos forenses não buscam vestígios que se investiga na perícia que indiretamente leva a uma conclusão, sequer o depoimento das vítimas é priorizado. Na lei de alienação, não é o acusado do crime de pedofilia o investigado e sim a mãe denunciante que logo no início da perícia já é precocemente e prematuramente investigada como alienadora que mente sobre o abuso.
Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, sem os elementos materiais da prova não se pode atribuir responsabilidade penal a ninguém, In dubio pro reo é uma expressão latina que significa literalmente: Na dúvida, a favor do réu. Trata -se do princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em casos de dúvida, ou seja, de insuficiência de provas, se favorecerá o réu ainda que haja indícios do crime, ainda que o crime tenha de fato ocorrido. Mas e o valor da palavra da criança? E os Direitos da criança e do adolescente garantidos na ECA? Sabe-se que a palavra da vítima de abuso sexual tem valor comprobatório de prova quando não restam vestígios materiais da ocorrência do delito, o que geralmente ocorre por ocasião do exame de corpo delito nem sempre ser realizado de imediato o que ocorre em perda de provas materiais ou como nos casos de abuso/estupro infantil intra familiar já acima mencionados, são inexistentes diante de suas particularidades e dificuldades na coleta de provas pelo ato em si e da forma como é cometido. Mas e a Lei Maria da Penha que garante medidas protetivas para as meninas e adolescentes? E a mesma lei também garante proteção aos filhos meninos de mulheres que tenham denunciado violência doméstica e estejam sob a proteção das medidas protetivas, porém... nada alcançará as vítimas para protegê-las quando após a denúncia as vítimas são tratadas como alienadoras, acusadas como forma de defesa pelos abusadores/ agressores, que encontram neste mecanismo legal a afastabilidade de investigação por suas condutas criminosas e a garantia de punição para suas vítimas.
Consequencias catástroficas
É preocupante a ausência de previsão legal para a oitiva da criança de forma sensível e que ocorra sem leva-la à exaustão e mais traumas, com escuta especializada e sem desmerecê-la, fortalecendo-a a relatar e não desencorajando-a como ocorre. É descabido e estranho que se faça no Brasil o uso dos argumentos de investigação baseados no formato proposto pelo pedófilo Richard Gardner , o psiquiatra monstro que fazia experiências sexuais em crianças e buscava formas cientificas segundo ele, para acostumar a criança a pratica sexual para uma convivência saudável com o seu abusador, estudos estes jamais aceitos pela Organização Mundial de Saúde-O.M.S, cujo tema trouxe inclusive ao FBI indícios para que Gardner fosse investigado e tão logo comprovado seus crimes foi procurado como criminoso por pedofilia. Tratar a criança como possível mentirosa é no mínimo cruel e chamamos a isso de violência institucional que faz a vítima já tão sofrida, vítima novamente.
Retirar crianças de seus lares onde sentiram-se protegidas o suficiente para relatar os abusos sofridos com força policial é no mínimo um ato insano. Esta ação garantida pela lei de alienação parental de separar as crianças de suas mães em quem confiavam e levadas à força a conviver justamente com os abusadores contra quem tiveram coragem de denunciar quebrando o silencio trará à estas crianças no futuro sequelas inimagináveis, é sabido que crianças que sofreram abuso sexual e/ou violência doméstica além de adultos inseguros e/ou agressivos, podem mesmo na infância ou adolescência desenvolver tendencia ao suicídio e auto flagelação/mutilação além de vários transtornos de personalidade.
No desespero de proteger os filhos muitas mães tem buscado como alternativa fugir de cidade, acreditando que na troca de endereço poderiam manter seus filhos longe dos abusadores, porém, até mesmo para esta tentativa de proteção a lei de alienação está preparada, ocorrendo o fato, o suposto abusador/agressor, ao acusar a mãe de seus filhos de alienadora por troca de endereço na tentativa de dificultar-lhe o contato com a criança, ganha ele a guarda dos filhos com direito a inclusive viajar para fora do país, visto os casos de pais que após denunciarem as mães de alienadoras ganharam legalmente, assinados por juízes a autorização de viajar para o exterior com os filhos.
Por estas e tantas outras situações onde a mulher vem sendo sistematicamente punida através da lei de alienação que além de "a lei da mordaça" a mesma lei tem sido chamada entre as frentes Feministas que lutam pelos Direitos das Mulheres de "a lei que quebrou Maria da Penha" ou ainda "a lei machista que mata crianças brasileiras", lembrando que muitas mortes são na verdade a morte em vida, de crianças inocentes obrigadas a conviver com o abuso, sob a égide da justiça brasileira.
Arte educadora, diretora de teatro e dança,estudante de Direito. Desenvolvo projetos de inclusão social através da Arte, participei da CPMI de investigação do descaso às vítimas de agressão doméstica, coordeno atividades de Arte Terapia no projeto de minha autoria ¨Mulheres¨, com ações de auto estima, valorização da mulher e conscientização das mulheres sobre seus Direitos, sou autora da peça de teatro dança ¨Mulheres¨ que aborda a Lei Maria da Penha.


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A Materialidade do Inconsciente

A Materialidade do Inconsciente
              Como se sustenta o Direito que vem sendo pensado e exercido em cima de desejos de vingança? Condenações baseadas também em desejos inconscientes de vingança? Desejo de vingança conjugada no futuro do verbo. Nem nós Psicanalistas, que temos o conceito de inconsciente fazendo parte do nosso objeto de Ciência e de tratamento psíquico, não podemos atribuir tamanha materialidade a este conceito psicanalítico.
              Há um mosaico: a alienação parental e projeto de lei de sua criminalização, a guarda compartilhada como punição por alegação de alienação parental, e sua presunção de benefício para a criança. O criador deste conceito de alienação parental também escreve que a pedofilia é benéfica para a criança porque a torna mais sexualizada, o que redundará em aumento da procriação e garantia de preservação da espécie.  E, a pior das peças, a constelação familiar, uma espécie do antigo psicodrama selvagem de Moreno, praticada por não advogados nem psicólogos, que tenta inibir emoções pela via de grande constrangimento pela exposição não criteriosa, que lança mão inclusive de reencarnação de ancestrais e superstição que inclui finalizar a sessão milagrosa dando 3 pulinhos.
          O que é estarrecedor é que a Justiça está dando credibilidade a esta encenação desgovernada de afetos e emoções por “atores” e “atrizes” que seguem um script do seu próprio inconsciente. Isto é gravíssimo.
          Como na alusão dogmática de Alienação Parental, a chamada Constelação Familiar, ceifa o princípio do contraditório, essência do exercício do Direito. Qualquer contestação ao que lhe é atribuído, transforma-se, imediatamente, em “prova” absoluta de alienação ou de reencarnação porque é taxado como resistência. O sofisma é de circuito fechado e inquestionável.
           Se, ao fazer uma denúncia de abuso sexual intrafamiliar é exigido provas materiais, sabendo-se, ou presumindo-se que é do conhecimento de Operadores do Direito, que este é um crime às escuras, praticado por alguém que a criança ama e obedece, que é meticuloso em não deixar nenhum rastro da prática libidinosa, a acusação à mãe de prática de alienação parental ou de reencarnação de um ancestral que tinha raiva do cônjuge, não há nenhuma necessidade de provas materiais. Não raro, na acusação de alienação parental o laudo, pleno de subjetividade, é feito à distância, mediante pagamento. Esclarecendo: laudo à distância quer dizer que não é preciso que a psicóloga, “especialista em alienação parental’, tenha um contato, um encontro com a mãe. Ela faz a avaliação, muitas vezes lhe atribuindo doenças mentais graves, invalidando sua capacidade de maternar, e emite o laudo baseada nas palavras do pai. E este é um laudo sentencial, que enseja o afastamento parcial ou total da mãe. Aquela que tinha ido buscar proteção para seu filho ou filha.

              Mães e crianças estão sendo condenadas à privação materna sumária.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

ESCUTA ESPECIAL, sobre a Lei 13.431/2017

ESCUTA ESPECIAL, sobre a Lei 13.431/2017
       A Lei 13.431/2017 aprovada em 04/04/2017 é chamada Lei da Escuta Especial. Pelo seu caráter de proteção, também é conhecida como Lei da Escuta Protegida porque ela vem contemplar as crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. É pela delicadeza e complexidade do momento da tomada de depoimento destas vítimas e testemunhas, que um grupo de estudiosos se dedicou à pesquisa da melhor e mais adequada metodologia para esta oitiva. Este depoimento tem como foco principal a proteção destes sujeitos vítimas, escuta e não inquérito, escuta dentro de ambiente físico agradável, mas tendo como meta a possibilidade de expressão da vítima ou da testemunha de uma violência sexual contra uma criança ou adolescente. E esta mudança para escuta exige mudança de postura daquele que ouve. A Formação Especializada e Permanente faz-se necessário. É crucial que a Equipe de Profissionais Múltiplos deva ser treinada continuada e especificamente para esta escuta especial.
       Elementos físicos que parecem detalhes, também têm sua importância. A ambiência vai para além de paredes que não devem ter motivos infantis, é o respeito à dor de uma revelação de uma violência ou de seu testemunho que mais conta. Se, o olho no olho da posição frontal das cadeiras de quem fala e de que ouve intimida e inibe, como admitir a acareação. Esta fica proibida pela Lei da Escuta Especial. A inadequada e traumatizante acareação, aliás, é a expressão do despreparo de um psicólogo forense numa avaliação onde houve uma queixa de violência sexual. É o acolhimento e o respeito que proporcionarão a perspectiva do resgate do espaço humano que lhe foi violado.
             No Brasil, historicamente, um Juiz do Rio Grande do Sul chamado Daltoé, hoje Desembargador, teve sua atenção cuidadosa despertada para a necessidade de se colocar a criança numa situação em que o dano causado pela revelação judicial, um inquérito da violência, fosse minimizado. Assim o chamou de D.S.D., Depoimento Sem Dano, reconhecendo como o questionamento em condições de acareação era revitimizante para a criança ou adolescente. A sala de depoimento sem dano, DSD, foi então concebida como sendo um ambiente com alguns brinquedos, papel e lápis, e uma parede de espelhos unilaterais. O avaliador que deveria ter formação específica para este tipo de depoimento, mantinha um ponto de áudio com o Juiz e o Promotor, que estavam do outro lado da parede de espelhos, acompanhando a avaliação e pedindo mais esclarecimentos quando se fazia necessário. A evolução foi muito grande porque desta feita o Juiz e o Promotor podiam assistir ao comportamento e às respostas gestuais da criança/adolescente vítima. Mas a falta de registro apesar do juiz assistir, a falta de protocolo, e a falta de vontade dos Operadores de Justiça em se capacitar para tirar desta técnica a confiabilidade que ela oferece, fez com que não progredisse muito nos processos que continham denúncia de abuso sexual. Além disso, os advogados dos pais suspeitos começaram a conseguir que eles assistissem à oitiva junto nesta sala contigua, o que trouxe o retorno da intimidação da criança. Um menino de 6 anos fala no início da apresentação da psicóloga forense: “eu sei que meu pai está aí atrás, ele me disse, agora eu estou morando com ele, depois daqui vou prá casa dele”. A presença do pai/suspeito contaminando o método, e, consequentemente as respostas da vítima. O medo das ameaças faz negar ou não responder, até em gente grande. Era preciso retomar a garantia da segurança para a criança. Era preciso evoluir, e desta necessidade de aprimoramento, foi gerada a Escuta Especial.
        Há 4 anos a Childhood Brasil lançou em São Paulo uma Publicação do resultado de pesquisa sobre a Escuta Protegida, na qual, entre vasto elenco de conhecimentos comprovados, afirma que aos 4 anos de idade a criança, que sofreu ou sofre uma violência sexual, é, absolutamente, capaz de responder a 3 perguntas: “o que”, “quem”, e “onde”. À escuta de criança aos 5 anos pode-se acrescentar a estas perguntas o “quando”, que não vem em data de calendário ou dia da semana, mas em relação a algum acontecimento ou à sua própria idade. Assim, fica evidente pelas pesquisas realizadas em diversos países referência em respeito ao desenvolvimento cognitivo da criança, a possível confiabilidade de seu relato. A partir desta pesquisa, a Childhood Brasil elaborou, através desta competente equipe, o estudo das metodologias desta escuta especial que se tornou lei pela importância da meta do estudo: a geração de uma nova ética da oitiva. Passou de inquirição, onde sempre transparecia o descrédito, percebido pela criança, para escuta, onde não pesa sobre a criança a obrigação de provar ali o que está dizendo.
              Benedito Rodrigues dos Santos, Vanessa Nascimento Viana, Itamar Batista Gonçalves, com a participação de Paola Barros Barbieri e Maria Gorete Vasconcelos, escreveram “CRIANÇAS e ADOLESCENTES VÍTIMAS ou TESTEMUNHAS de VIOLÊNCIA SEXUAL: METODOLOGIAS PARA TOMADA DE DEPOIMENTO ESPECIA”. Este livro é fruto de 4 anos de pesquisas nas experiências de 28 países já citados pela Childhood Brasil como países referência em testemunho de crianças e adolescentes vítimas em sistema de segurança e justiça.
       As técnicas de tomada de depoimento da escuta especial tem como foco principal a capacidade da criança de revelar uma violência sofrida ou testemunhada. O espaço jurídico para o instituto testemunha, que não havia, é de suma importância porque reconhece na voz de quem testemunhou uma violência, o Direito de ser sujeito. Na amostra pesquisada, 26 dos 28 países operaram mudanças nos seus Códigos Penais para contemplar alternativas de escuta de crianças e adolescentes testemunhas que incluem sistema de proteção, abrangendo também técnicos, peritos, professores, psicólogos, que testemunhem indicando os indícios da violência sofrida. Hoje, temos a prática de “Backlash”, termo que define a retaliação de Processos, nas áreas profissional e financeira dos técnicos que fazem laudos ou testemunham mostrando estes indícios de abusos sexuais intrafamiliares. A frequência de Backlash, já conhecida desde os anos 90, tem afastado profissionais de qualidade do exercício deste trabalho por perseguição processual em seus Conselhos de Classe, ou por medo de vir a tê-los.  
       O retorno do foco para a criança ou adolescente vítima de violência sexual promove uma mudança de objeto de estudo, e inaugura uma nova ética na oitiva. O compromisso com a criança e a adequação da escuta à sua faixa etária, ao seu desenvolvimento cognitivo, trazem a garantia dos Direitos Fundamentais.
       A Lei 13.431/2017, a Lei da Escuta Especial, estabelece que a ambiência deve ser asseguradora. É escuta e não inquirição. A posição de lateralidade das cadeiras de examinador e vítima visa respeitar o espaço emocional da vítima, ao retirar o “olho no olho” intimidatório da acareação. Para que esta receptividade acolhedora da revelação de um fato traumático, porquanto, o abuso sexual intrafamiliar é praticado por um adulto que a criança ama e obedece, é preciso que haja uma Formação Permanente dos profissionais para que este afeto da criança pelo seu abusador não seja mal interpretado como vem sendo, entendido, inclusive, como “prova” de que não houve abuso. Equívoco grosseiro. O respeito à necessidade de proteção após uma oitiva em que há revelação de abuso, é o respeito pela vulnerabilidade da criança ou adolescente.
       O cuidado com a linguagem usada pela criança é o cuidado com a averiguação de uma possível contaminação de um discurso adultiforme, alheio a sua capacidade e conhecimento compatível com sua idade. A boa formação especializada de um profissional examinador lhe permite detectar, com segurança, falas extracorpóreas. A mentira não é praticada pela criança pequena, que tem sinceridade por vezes até inconveniente, pois para ela a verdade prevalece acima de tudo. Em queixas de abuso são encontradas cerca de 5% de mentira dita por púberes e adolescentes, pois ela só aparece em idade acima de 11 anos, por motivo de uma vantagem, em geral, ligada a burlar uma visita para obter um programa mais interessante. (ABRAPIA).
       Como as avaliações psicológicas seguiam o guia de orientação para defesa de pais agressores/abusadores da autoria do médico pedófilo que defendia a pedofilia, Gardner, que se baseava numa síndrome por ele inventada, a síndrome da alienação parental, os laudos eram subjetivos e interpretativos. Esta síndrome da alienação parental não foi reconhecida, em nenhum momento, pelas associações científicas internacionais médicas e psicológicas. Assim, não seria possível padronizar, como é devido em Ciência, o produto da avaliação. O elemento descritivo que universaliza, não existe, só a interpretação subjetiva de cada pessoa que avalia a comunicação da criança. Assim a criança segue durante anos e anos a repetir seu relato desvalorizado e desacreditado judicialmente, promovendo a revitimização. Vale ressaltar que Gardner pregava (páginas 540 e seguintes de seu livro “True and False Accusations of Child Sex Abuse”), que a criança vítima de abuso sexual deveria ter repetido o fato, exaustivamente, e exposto inclusive em vídeos assistidos pela criança junto com o “terapeuta”, para fazer desaparecer o trauma. Portanto, para este autor que cunhou o conceito contido na Lei da Alienação Parental, a revitimização tem como meta a naturalização do abuso incestuoso, cumprindo assim uma função de minimizar e normalizar a pedofilia por ele defendida como benéfica à criança e garantia da preservação da espécie humana. (páginas 24 e 25 do mesmo livro).
       A preocupação com o dano causado à criança e ao adolescente pelo abuso sexual intrafamiliar está no cuidado da Lei 13.431/2017 com relação à revitimização e seus danos irreparáveis. Para tanto a Escuta Especial tem o registro audiovisual da oitiva, que é da responsabilidade do Juiz da Vara, onde é possível ver e ouvir, ao vivo e não por relato interpretativo de terceiro, como foi relatado o abuso durante a oitiva, e para além da verbalização, é possível observar as respostas gestuais que a criança comunicou. Este registro é único, evitando a repetição “gardineriana” que acaba por calar a criança pela exaustão.
       Nesta mesma perspectiva de respeito à criança e cientificidade, a Lei 13.431/2017 estabelece o Protocolo da oitiva. Esta é uma norma que traz a universalidade do que é feito em Ciência, com a objetividade que é comum a procedimentos criteriosos, o que permite pesquisa e contestação, com respeito ao princípio do contraditório, inexistente na lei de alienação parental e nos laudos subjetivos.

       Diante do exposto, à luz do Direito à Saúde Física e Mental, como rezam todos os Artigos de Proteção do E.C.A., do Marco Legal da Primeira Infância e da Constituição Federal, e respeitados os Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, toda criança deve ter respeitado o seu direito à Escuta Especial, Lei 13.431/2017, e, como proíbe esta Lei, não se deve permitir que seja cometida nenhuma revitimização em avaliação torturante realizada por pessoas despreparadas. Quando há uma suspeita de abuso sexual intrafamiliar, deve ser este o objeto da avaliação e não o gatilho de travestir ato libidinoso incestuoso em alienação parental, como instruía Gardner. A revitimização por avaliações que não sigam o padrão científico contido na Lei 13.431/2017, já aprovada, é o crime institucional contra a criança que denuncia um abuso sexual intrafamiliar.                   

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

IMPUNIDADES, por Kaká Wedoy

Transcrevo texto de Kaká Wedoy

IMPUNIDADES:
"Há uns meses atrás fui avisada que um homem estava invadindo uma casa desocupada que pertence a minha família.
Rapidamente cheguei ao local,liguei para a polícia e fiquei aguardando.Dois policiais entraram na casa e saíram caminhando, normalmente, ao lado do bandido.
Para minha surpresa o bandido foi liberado na hora, sem ao menos revistá-lo para verificar se levava nossos pertences.O policial me explica que ele não cometeu nenhum crime e que não faria a ocorrência. Insisti muito até que a autoridade finalmente pega um papel. Perguntei: qual o nome do sujeito? Ele respondeu: não sei, não pegamos os dados dele. O BO era para o fantasminha.
fui em bora muito frustrada. Minutos depois recebo uma ligação que o cara não só tinha voltado para casa, como tinha ameaçado o lojista ao lado para não contar que estava ali.
Mais uma vez me dirigi para o local. Fiquei mais de 3 horas esperando a polícia. A demora foi porque na troca de turnos alguém "esqueceu" de passar meu chamado. O bandido não estava mais na casa (ou estava nos fundos do terrenoonde a polícia não quis ir porque estava escuro). Mas certamente ele estava morando lá porque encontramos azeite, sal, roupas, papel higiênico, tudo para sua sobrevivência.
Todos os dias acontecem os mais diversos tipos de crime no Brasil. E a cada vez que um bandido sai pela porta da frente dos tribunais ele se sente mais forte. Ele recebe o aval de que tudo bem ele continuar. E ele não só continua. Ele evolui, afinal ele tem certeza da impunidade.
E quem perde o sono? Nós. Porque não vemos uma mudança de mindset de uma sociedade que aceita. E de que a parcela que não aceita é punida pela morosidade e injustiça. Ou pelos próprios bandidos que voltam para a vingança.
Minha insônia vem de olhar para um sistema tão complexo que não sei nem por onde começar a mudar.
O bandido? Ahhh, ele dorme super bem com o chá da impunidade...
Por que quando falamos do Juiz da semana passada que "não viu constrangimento", esquecemos que antes dele tiveram no mínimo 16 juízes que liberaram o bandido da mesma forma? Que houveram promotores, policiais, delegados de polícia envolvidos em todas essas ocorrências? Tiveram políticos que pensaram nas leis que os juízes "seguem"? Tiveram testemunhas que colocaram sua vida em risco para lutar por justiça ou por um país melhor. E qual o resultado?
Por que o bandido não foi julgado ainda pelas 17 ocorrências? O que aconteceu com os processos criminais que abriram contra ele? O que aconteceu afinal? Está muito difícil de entender.
Parecemos um bando de atores "atuando no nosso papel de otários" para uma peça teatral que já sabemos o desfecho...
Isso que estou falando de violência. Imagina se fossem problemas "menos graves" que os cidadãos precisassem do Estado.
Enquanto isso o sistema funciona que é uma beleza... Para propagar a violência, extorquir dinheiro da gente e tudo que tire nossa dignidade...
Sim... essa semana recebi o indeferimento de mais uma multa por dirigir com uma mão só. Detalhe: sou deficiente física e, segundo o detran, tenho que dirigir com uma mão só. A regra é deles, se você segue, é punido. E se você reclama não tem uma explicação.
e aí... adianta ir atrás dos seus direitos? Vai lutar contra a grande República Corrupta do Brasil?
Sento e choro.
Cansei. E só tenho 35 anos."

Kaká Wedoy.