sexta-feira, 27 de maio de 2022

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte V

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte V A tortura institucional contra a Criança tem sido aplicada a céu aberto. Logo que pensamos nesse ponto, nos lembramos das sessões de tortura perpetradas por autoridades arbitrárias e cruéis para obtenção de confissões que não importam a veracidade. Só importa que “o preso confessou”, dizem. Mas existe uma tortura praticada contra a Criança em nome de uma falácia de “revinculação”. Não conseguimos imaginar onde está ancorado esse tipo de pensamento sem fundamento e equivocado. Baseado em crueldade e ignorância teórica, a Criança é forçada a convívio em visitas monitoradas ou ao convívio por guarda compartilhada sem considerar o Melhor Interesse da Criança. Obrigar uma Criança a “amar” um pai que é seu agressor? É possível obrigar a gostar? Parece que estamos voltando à idade da pedra. Em que se fundamenta uma tese cruel e desumana de que o título de pai estaria acima de qualquer circunstância? Até pais estupradores, condenados por tal, têm hoje em sua defesa a obrigatoriedade judicial do convívio com a Criança vítima de seus estupros. Forçar a convivência não resulta em afeto positivo. Pode, no entanto, fomentar rejeição, repúdio, ódio. A exposição continuada à pessoa, que independente de qualquer título que possua, o de pai, por exemplo, é um trauma continuado. A Criança não “se acostuma”, ela sucumbe, desiste e sofre as repercussões disso. É descabido e cruel se aproveitar de um Poder que deveria ser a garantia de Proteção e que se torna uma arma contra a vulnerabilidade da Criança. A falácia da “revinculação” evidencia o total desconhecimento do conceito de vínculo afetivo. Segundo Bowlby, o comportamento de apego tem seu lugar na Natureza. Está em várias espécies de animais. O que faz com que os filhotes recém chocados em seus ovos, reconheçam sua mãe desde o primeiro momento de seus primeiros passos? A busca por sobrevivência encontra no impulso natural do cuidado o encaixe que abre espaço para a maternagem. Algumas espécies têm a participação, em algumas tarefas, do pai na criação das crias. Mas, Bowlby afirma em seu livro “Apego” que compõe a trilogia Apego, Separação e Perda: “na maioria das espécies, os jovens mostram mais de um tipo de comportamento que resulta em proximidade entre eles e a mãe”. É preciso entender que o comportamento de apego mesmo sendo manifestado pelos pequenos, é uma via de mão dupla, ou seja, a criança se apega e estimula àquele que lhe garante a continuidade da vida, atribuindo, reciprocamente, uma especificidade particularizada. Apego e cuidado andam inseparáveis para promover o desenvolvimento dos filhotes da maioria das as espécies. O homem está entre elas. Interromper esse processo natural de crescimento é comprometer a saúde mental das Crianças. E imaginar que obrigar uma Criança a conviver com quem lhe maltrata fará com que ela passe a amar essa pessoa, é uma insensatez completa. O vínculo é formado e alimentado por apego e cuidado em reciprocidade entre uma dupla mãe-bebê, especialmente entre os mamíferos. A amamentação do início da vida caracteriza a vinculação preferencial. Se conseguimos compreender a definição do conceito de vínculo, facilmente, constatamos que essa tese da “revinculação” é insustentável e maliciosa. Laplanche e Pontalis, no dicionário de Psicanálise definem o vínculo como “o ato de eleger uma pessoa ou um tipo de pessoa como objeto de amor.” Para esses autores “trata-se de uma inter-relação, isto é, não é apenasda forma como o sujeito constitui os seus objetos, mas também a forma como estes modelam a sua atividade”. E continuam: “o vínculo afetivo está no comportamento do cuidador na relação com a criança”. Forçar uma criança ao convívio com seu agressor/abusador é encobrir, intencionalmente, crimes contra a Criança, é violência institucional. Usando mais um argumento insustentável, a Igualdade Parental, desvia-se o foco das RESPONSABILIDADES PARENTAIS, (excelente título de obra da Juíza Clara Sottomayor), que importam para a formação da Criança, para uma espécie de romance jurídico que pretende dividir a criança ao meio, quase literalmente, como se possível e saudável fosse. “Revincular” à força é torturar. O “Comunicado de Prensa: una justicia cruel, inhumana y degradante” traz uma denúncia internacional contra uma juíza e dois advogados pelo maltrato aberrante de uma menina de 6 anos que aos 3 anos relatou abusos sexuais por parte de seu pai, quando esses operadores de justiça insistem em “revincular” essa menina ao pai, submetendo-a a tratamento cruel, inhumano e degradante. A denúncia criminal é assinada pelo Juiz Carlos Rozanski, argentino, (AEVAS), Bettina Calvi, Dora Barrancos, Liliana Hendel, Diana Maffía, Telma Fardin, Enrique Stola (Médico Psiquiatra), Nora Schulman (CASACIDN), María Müller (Salud Activa), Sonia Vaccaro (Perita Internacional, España), Isabel Quadros Colômbia). Se já se divulga que os pais não devem forçar a Criança a dar abraço e beijinho naquelas pessoas que ela se recusa, dentro da prevenção e proteção dela, por que a justiça insiste em forçar a Criança a amar quem ela não quer. Alguém da justiça imagina que também aqui pode haver um motivo para a recusa? Até quando Crianças vão ser arrastadas aos prantos e gritos de terror para serem entregues para conviver com seus agressores? Perdemos o bom senso?

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte IV

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte IV Muitas pessoas se horrorizaram com a perversidade triunfante de agressores de Crianças. A Vulnerabilidade é uma atração para essas mentes anômalas. Não são apedeutas, muito pelo contrário, usam com maestria a inteligência, em boa quantidade, para camuflar as práticas da maldade. A Vulnerabilidade da Criança vem sendo objeto de estudos para que a garantia dos Direitos Fundamentais seja efetivada. Uma série de livros já foram editados, em parceria Brasil-Portugal, tendo à frente a Prof. De Direito da UERJ, Dra. Tânia Silva Pereira e o Prof. Guilherme de Oliveira da Universidade de Coimbra. É longa a lista de títulos dessa série sobre o Cuidado. Com muita honra, integramos a equipe de profissionais que subscrevem os capítulos dessa Série de livros: Cuidado e Responsabilidade, Cuidado e Afetividade, Cuidado e Direito de Ser, Cuidado e Cidadania, Cuidado e Solidariedade, esse lançado em março de 2022, são alguns dos títulos. Em “Cuidado e Vulnerabilidade”, Editado no Brasil e em Portugal em 2009, no capítulo que subscrevemos, chamamos a atenção para o instituto do cuidado enquanto expressão de afeto, essencial para a sobrevivência de cada bebê. A ausência ou a má qualidade do afeto/cuidado causam alterações e doenças mentais ao longo do desenvolvimento. Essa é mais uma forma de torturar Bebê e Criança: sonegar o afeto cuidadoso. Para torturar um bebê, não é preciso fazer marcas em seu corpo, existem marcas na mente que se tornam por vezes tatuagens inapagáveis. Apontamos, no último artigo desse jornal, mais um nascedouro da legalização de uma tortura contra bebês, a afirmação de que o pernoite do bebê com o pai pode ser pedido, e concedido, a partir de seus 6 meses de idade. Em breve, essa afirmação infundada e insalubre estará reinando nas Varas de Família, como se uma verdade fosse. É muito fácil plantar uma perversidade dessas. Há uma competência de marketing, uma repetição continuada da falácia baseada na desconsideração pelo Melhor Interesse da Criança, uma irresponsabilidade social, que sustentam a sub-reptícia sensação de prazer do torturar um bebê. Como não desconfiar de que um bebê precisa do asseguramento da mãe e da ambiência materna? Onde se aloca esse prazer de um Poder sobre um bebê e sua mãe? “Vai chorar no começo, mas depois acostuma”. Quanto custa, psicologicamente, esse “se acostumar”, equivalente de um desistir? O desenvolvimento psicomotor tem, em torno dos 6 meses, uma mudança qualitativa dos mecanismos perceptivos de mundo. No momento em que o bebê começa a sentar, o mundo muda de dimensões, muda de imagens. Até então ela não tinha nenhum controle sobre a visão de mundo que a circundava. No colo dos adultos, que decidiam sobre a direção em que se movimentavam, ela tinha uma percepção equivocada dos tamanhos. Estava situada no meio do ar, numa altura que não tinha nenhum ponto de início de uma medição. Desde sempre o ser humano tem uma postura, diria, científica, ou seja, ele precisa ter uma única variável para experimentar. Mesmo não sabendo ainda formular uma hipótese, os bebês repetem, exaustivamente, cada movimento para que consigam alcançar e reter cada pequena aquisição motora. Para o bebê se faz necessário que ele tenha a experiência motora repetida até que possa obter e coletar dados que serão armazenados como uma habilidade. J. Piaget, que estudou e teorizou, de maneira exemplar, o desenvolvimento cognitivo humano, em seu livro “Les mécanismes perceptifs”, 1975, a 2ª Edição, conceitua o que chamou de “Ilusões Primárias”, equívocos sistemáticos de todos os tipos, espaciais, temporais, etc, causados pela percepção deformada, restrita à partir da precariedade do desenvolvimento, como um todo. Piaget nos ensina que é numa repetição motora de movimentos espasmódicos aleatórios, que a mãozinha do bebê esbarra em algo, por exemplo, um chocalho, que produz sensações com o som e o contato, fazendo com que a curiosidade por esta experiência busque, intencionalmente, aquele som. É a intenção que marca o nascimento da inteligência. Intenção de repetir, depois, intenção de usar um objeto, como extensão da mão, para alcançar outro objeto, e, assim, combinando ações motoras para alcançar objetivos de satisfação. Encontramos esse comportamento em alguns primatas, como quando utilizam um graveto para introduzir num pequeno orifício de um caule de árvore e trazer mel na ponta do graveto. Os animais não vão muito além disso. Alguns treinados, até conseguem dar respostas mais complexas. No homem, esses comportamentos vão se multiplicando e sendo acrescidos pelo desenvolvimento linguístico. São muitos os comportamentos que desenvolvem a cognição, sempre auxiliada pela percepção. A mudança trazida pela aquisição psicomotora do sentar vai tornar o mundo gigantesco. É o seu corpo sentado que passa a ser o ponto zero de um novo critério, agora bem menos ilusório do que o colo anterior. O eixo formado pela coluna vertebral que está erguida do solo pode girar e apreender os diversos cenários de uma mesma sala. E, principalmente, seguir a mãe de longe, e quando se sente inseguro buscar ficar perto. É uma aquisição motora de maturação neuronal da coluna, que tem uma grande repercussão psicológica, incluindo inseguranças e medos. Propor um acréscimo de insegurança e medo nessa fase, o famoso e nefasto “chora, mas acostuma”, evidencia a negligência com a saúde psicológica do bebê. É proposta de tortura. O desenvolvimento infantil, em suas 4 principais plataformas, a psicomotora, a cognitiva, a linguística e a afetiva, que se entrelaçam, de maneira indissolúvel, como uma rede bem tecida. É como uma Filarmônica tocando um Concerto depois de muitos ensaios. A complexidade do funcionamento dos diversos sistemas do corpo humano, seja em desenvolvimento, seja na vida adulta, não pode, absolutamente, ser reduzido a uma “programação”, como se um robô fosse, em sistema binário. Ou seja, os profissionais que pretendem trabalhar pela Proteção Integral da Criança e do Adolescente, pagos por quem quer que seja, com dinheiro público ou privado, não podem “plantar” falácias pseudo-científicas, que adoecem Crianças. Não deveriam. Por que desrespeitar o processo natural de desenvolvimento em nome de uma judicialização que satisfaz um adulto? Por que fazer um bebê chorar por horas, até cansar, para garantir a satisfação narcísica de um adulto? Por que atropelar um bebê antecipando uma carga que ele não está apto a administrar? Separar um bebê de 6 meses de sua ambiência materna, não estamos falando só da mãe, falamos de todo o espaço que ele começou a ter conhecimento, e que precisa repetir muito e muito sua experiência no mesmo lugar, é promover algum grau de adoecimento mental. Para que? Temos o mesmo Conselho de Justiça que emite duas orientações díspares sobre a mesma coisa. Bebês não devem ser separados de suas mães quando elas estão apenadas. Bebês devem ser separados, totalmente, de suas mães quando lhe conferem a alcunha de “alienadoras”, (termo inventado por um médico pedófilo, que defendia pedófilos, e a Pedofilia como benéfica para a Criança). Afinal, faz mal ou não faz mal a Privação Materna Judicial? Vivemos num país em que a impunidade é visível por todos os lados. Impunidade de crimes hediondos contra Bebês, Crianças, e Adolescentes, que ocorrem a céu aberto. Evidentemente, que não temos o “romantismo” ingênuo de que pessoas com essa intencionalidade serão responsabilizadas. Soltar mentiras de todos os tipos e formatos se tornou, quase, uma modalidade esportiva da informalidade, mas que busca, com afinco, sua legalização, sempre tentando a sombra da Ciência. Ela tem sido insultada quando nos deparamos, por exemplo, com afirmações dessa ordem, infundadas, nocivas.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte III

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte III A vulnerabilidade de uma Criança para ser submetida a algum tipo de tortura, a lista é infinita, advém de sua quase total incapacidade de defesa diante de um adulto. E, consequente disso, a tolerância é do tamanho da vulnerabilidade. Mas, não consigo ver com clareza a tolerância dos outros adultos em relação à tortura de uma Criança. Se ela é muito escancarada e aparece com um tom, ou um som, de crueldade, a tortura se torna objeto de repugnância, de revolta popular, alimentada pela mídia em seu tempo de “audiência”. Mas, não raro, ocorre uma espécie de identificação com o agressor, com a imposição praticada por ele de uma dominação, e a culpa passa a ser da mãe que não estava cuidando bem. E mais, na dúvida, “deve ser bobagem da minha cabeça”, “uma mãe não faz isso”, “um pai não faz isso”. Há uns 10 anos atrás, Paloma morreu de espancamento aos 8 meses. Era a 9ª vez que a mãe a levava num Serviço de Urgência Pediátrica, porque “caiu do berço”. A mãe de Paloma, solo, não repetia o Hospital. Mas 9 profissionais, pelo menos, constataram machucados na bebê. As Faculdades de Medicina não têm em sua grade curricular essa especificidade, a violência física e sexual contra a Criança. E, pelo lobby dos agressores, os médicos pensam que vão arranjar problema, que vão ser chamados pela justiça toda hora, e que serão alvo de retaliação do agressor. Então fazem de conta que não viram. O médico plantonista que atendeu Paloma na 9ª entrada em Urgência, desconfiou e internou a Criança, para fazer outros exames. Mas, já era tarde, ela morreu poucas horas depois. Estava com uma hemorragia cerebral por contusão. Há alguns meses, tomamos conhecimento de caso semelhante com um menino de 4 anos. Na Pediatria há conhecimento de tipos e idades de fraturas, de hematomas, de cicatrizações diversas, característicos de resultado de violência sofrida, que poderiam interromper uma tortura continuada. Mas não se ensina, por exemplo, que a fratura do fêmur em criança de 2 anos fica na altura do chute do adulto, ou as fraturas da tíbia e do perônio de Criança de 4 anos ficam na altura desses chutes. Não se ensina, por exemplo que as fraturas de base de crânio em bebês de meses, são resultado da parede onde eles foram arremessados por um adulto irritado com o seu choro. A ruptura de órgãos maciços, como fígado e baço, também tem ocorrência frequente nas torturas intrafamiliares de Crianças. Na Cartilha Maus-tratos contra Crianças e Adolescentes – Proteção e Prevenção, Guia de Orientação para Profissionais de Saúde, da ABRAPIA, 1997, encontramos: “As lesões do crânio são reconhecidas como principal causa de morbidade e mortalidade. Os lactentes somam o maior risco, com 90% das lesões identificadas antes dos 2 anos de idade.” Além da tortura intrafamiliar praticada por mãe e pais, principalmente, escondida em falso discurso de disciplina, a Criança sofre a tortura institucional, praticada por substitutos parentais, em especial, substitutas da mãe, como no caso da creche que veio à tona há algumas semanas, ainda sob a falsa desculpa disciplinar. Por vezes, toma-se a forma de Tortura Vicária. Uma nova forma de tortura de Crianças pequenas está embutida na afirmação, já circulante, como se fundamentada fosse, de que o bebê de 6 meses já pode pernoitar com o pai separado. A pseudo justificativa é que aos 6 meses o leite materno pode ser substituído por leite artificial na mamadeira. Essa enorme e desastrosa redução da amamentação materna como um simplório “nutriente”, cancelando o todo do ato de acolhimento e de troca de olhares, escuta do batimento cardíaco da mãe, contato pele a pele, pousar a mãozinha no peito da mãe ou agarrar o dedo indicador dela enquanto suga, detalhes que compõem o conjunto essencial ao desenvolvimento saudável, garantido pela Recomendação da Organização Mundial da Saúde. O aleitamento materno está sendo desqualificado porque meia dúzia de advogados vê nessa afirmação sem fundamentação e nociva à Criança, uma monetização, com vistas às alegações de alienação parental. Difícil supor que seria genuíno o desejo de pernoitar com um bebê que vai chorar, vai fazer xixi e cocô durante a madrugada, que não vai conversar, nem trocar ideias, e que isso seria a “felicidade” para o pai. Por que ele não teria se disponibilizado durante o casamento para que a mãe tivesse um fôlego de tranquilidade? Para além do leite materno e todo seu conjunto de benefícios, ou da mamadeira-nutriente, a Criança aos 6 meses está numa fase de dependência absoluta da mãe, que nesses meses se torna a sua referência de mundo. Segundo René Spitz, teórico do desenvolvimento infantil, a Criança nessa fase começa a sofrer a angústia de separação da mãe, angústia que vai acompanha-la por mais alguns meses. O mundo de referência para a Criança é constituído não só pelo cuidado e contato com a mãe, mas pelos estímulos sonoros, pela voz da mãe, pelos cheiros do quarto, incluindo a roupa de berço, da casa e do corpo da mãe, pela luminosidade do ambiente, quarto e casa, pelos barulhos do ambiente, enfim, tudo fornece um elemento tranquilizador de localização para o bebê, que sente como segurança. É desorganizador da mente infantil a mudança de ambiente nessa idade. Desorganizador. E, portanto, enlouquecedor. Irresponsável, inconsequente, insalubre promover a ruptura da Relação Mãe-Bebê para satisfazer um adulto, atropelando a saúde mental da Criança. Com a frase “vai chorar no começo, mas depois acostuma” é operacionalizada uma tortura para o bebê. Curioso que, no Seminário do Pacto Nacional pela Primeira Infância, Resultados e Avanços do Projeto Justiça Começa na Infância, foram exibidos projetos em operação sobre a permanência da Criança de Zero a 6 anos junto às mães apernadas, condenadas como homicidas, traficantes, etc, que a Justiça se compromete com a manutenção do, indispensável, vínculo materno. Mas se a mãe é alcunhada de “alienadora”, a Criança de zero a 6 anos é arrancada da mãe. É violado seu Direito. Tortura praticada pelo Estado. Seria a “alienadora” muito mais perigosa que a homicida?

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte II.

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade e a tolerância. Parte II São muitos e variados os documentos, leis, planos, projetos, no papel. Hoje nos computadores e páginas virtuais, temos uma infinidade de “regras” e “leis” que, dizem, garantir a Proteção Integral da Criança, como reza o ECA. Mas, falta a Cultura do Respeito a Vulneráveis, entre eles, as Crianças. No entanto, continuamos a nos deparar com o horror da barbárie contra Crianças. Há quase 12 anos, morria Joanna Marcenal, a 1ª vítima letal da alegação de alienação parental, vítima de práticas de torturas continuadas. Até hoje, ninguém foi julgado pelos crimes cometidos contra a menina de 5 anos. Há alguns meses, morreu o Henry, vítima de tortura continuada intrafamiliar, também. Há processos criminais do caso em andamento. O caso das Crianças torturadas na creche, divulgada em grandes mídias, está em investigação. Tudo indica que foi praticado por mulheres. Mulheres/mães ou mulheres substitutas das mães das Crianças. Portanto, em função materna. Quando batalhávamos pela lei de proibição da palmada, éramos ABRAPIA, encaminhamos o PL 5265/1995, se minha memória não está falhando, peço desculpas desde já, mas não prosperou. Veio outro PL, alguns anos depois, ampliado, para além da palmada, que se tornou a Lei da proibição aos castigos físicos, fazendo a iniciação da diferença entre educar e exercer poder com dor e medo, a iniciação de que a dor física não educa. Nessa época, foi publicado no jornal O Globo, coluna do Zuenir Ventura, um artigo meu, “quem ama, cuida”, sobre esse tema da palmada camuflada de disciplina, mas que abriga o obscuro, diversificado e ilimitado prazer do Poder sobre um pequeno. Torturas como as sofridas pelo Henry e pela Joanna, apesar de serem constatáveis, ainda assim, são defendidas em longos processos, e poucas vezes os autores são punidos, mesmo que a materialidade de hematomas, hemorragias, contusões variadas, sejam afirmadas pelos médicos legistas. No caso das Crianças da creche, as autoras tinham a crueldade refinada de amarrá-los com panos, executando uma “contenção mecânica” numa etapa em que a criança ainda não separa a parte do corpo que vai usar para expressar dor ou alegria. Os bebês sorriem com o corpo inteiro, e choram com o corpo inteiro. É só observar suas manifestações emocionais. A coordenação motora ainda é muito precária, o corpo é como um bloco. Mesmo sem marcas visíveis, a tecnologia junto com o mal-estar de alguma funcionária, trouxe para fora daquele banheiro, a câmara de tortura de bebês, essa barbárie sem rastro. Inútil perguntar para os bebês porque, como expliquei no último artigo, a Criança tem uma mistura de vulnerabilidade extrema e tolerância com o adulto, o que torna, inclusive, possível a inexistência de resistência, rechaço ou repúdio pela creche, por parte dos pequenos. Não há nenhuma referência a um choro maior, que chamasse a atenção dos pais na entrada da creche. É do conhecimento de especialistas que estudam esse comportamento de adultos cruéis com bebês, eles ainda oferecem a incapacidade de se expressar por palavras, o que acaba sendo mais um abrigo para os cruéis torturadores, que há muitos deles entre os profissionais que prestam serviço de maternagem para suprir a necessidade das mães, quando chega o momento de retornar ao trabalho. Muitas vezes já vimos vídeos de câmaras instaladas pela casa após uma suspeita tirada de um comportamento de rejeição da Criança pela babá, por exemplo. Mas, como no caso da creche, as Crianças, e, principalmente, os bebês são presas fáceis de sedução e nem sempre conseguem construir uma indicação de maus tratos. Ainda no período da ABRAPIA, constatamos que, pelos estudos da época, em nome da disciplina, a mãe batia mais vezes, e o pai batia mais forte. De fácil compreensão, porquanto nessa época ainda havia o modelo de ser tarefa da mulher, criar os filhos. Todas as tarefas referentes aos cuidados, alimentação, higiene, sono, pediatra, etc, cabiam à mãe, que já começava a se inserir no mercado de trabalho profissional. Portanto, às mulheres a dedicação total. Mas, a violência da força física masculina fazia mais estragos. Em 1986, numa das enfermarias da Pediatria, o Dr. Lauro Monteiro Filho observou um bebê de 3 meses de idade, pendurado em tração por causa de uma fratura do fêmur esquerdo. E, 3 meses depois, estava lá o mesmo bebê pendurado em tração por fratura do fêmur direito. Na entrada do Hospital, nas duas vezes, a mãe atribuía à queda do berço. Um bebê de 3 meses não consegue ainda se virar, mudar de posição no berço que é sempre munido de grades. O “caiu do berço” é tão alegado nas fraturas de bebês quanto o “caí da escada” de mulheres que chegam com o olho roxo. Na Cartilha que produzimos nessa época, pela ABRAPIA, as informações sobre as formas e os locais que mais machucavam as Crianças, os estudos, as pesquisas e suas fontes. A variabilidade de formas de tortura de Crianças é imensa. Há “lençóis” invisíveis, que deformam e mutilam a mente dos pequenos. Deparamo-nos com uma forma de tortura de bebês, muito característica nas mães muito estressadas, irritadas, com problemas severos de ansiedade, que estavam em esgotamento, sem possuírem um respaldo familiar que lhes desse um suporte. A Síndrome do Bebê Sacudido se manifesta nos momentos em que o bebê não para de chorar, a mãe já tentou tudo que já funcionou antes, e ele continua chorando, a mãe então, em desespero, pega o bebê por baixo de seus bracinhos e reclama com ele, manda parar, e sacode o bebê. Os movimentos desse sacudir que ela provoca, chicoteiam a cabecinha dele, e a ineficiência do sustentar da cabeça, a imaturidade da coluna cervical, acabam por produzir múltiplas micro hemorragias cerebrais, o que promove um estado de leve sonolência que interrompe seu choro. Molinho, ele dorme por algumas horas. Um bebê, e mesmo uma criança pequena é muito vulnerável. E não possuem a capacidade de se expressar com palavras. Um “convite” para adultos falarem por eles. Muitas vezes de maneira muito equivocada. Se uma Criança chora, desagradada de alguma situação, aparece sempre alguém para dizer que “vai chorar no começo, mas depois acostuma”. Quantas vezes essa frase esconde uma tortura que a Criança acaba por se adaptar. Para ela, é uma questão de sobrevivência, então ela se acostuma. Mas, isso tem um preço muito alto em seu desenvolvimento. Continuo devendo a afirmação desprovida de qualquer fundamento teórico de que, em caso de separação dos pais, o bebê pode pernoitar com o pai a partir de 6 meses de idade. Esta afirmação já circulando em meios jurídicos, fere, frontalmente, o Princípio do Melhor Interesse da Criança porquanto não tem nenhum respaldo científico, por ser contrário à garantia de Saúde Mental do bebê. Esse é um nascedouro de tortura de bebês. Na próxima semana, abordaremos essa perversidade.

Torturar uma Criança, vulnerabilidade e tolerância. Parte I.

Torturar uma Criança, vulnerabilidade e tolerância. Parte I A vulnerabilidade de uma Criança, sua fragilidade, sua dependência dos adultos, seu ainda precário desenvolvimento cognitivo, são facilitadores de submissão a mentes cruéis que se comprazem com a tortura. O termo “tortura” nos remete, facilmente, a situações de dores físicas causadas por espancamentos violentos em alguém amarrado que não consegue se defender, alicates a arrancar unhas, choques elétricos em órgãos genitais, práticas de produção de dor em meio à total impotência. Essas são práticas que deixam marcas. Mas nem sempre é assim que se tortura alguém. Existem as práticas invisíveis, aquelas que causam dores psicológicas, igualmente destrutivas. Há pouco tempo tivemos os noticiários invadidos pelo terror de vídeos que mostravam bebês amarrados num banheiro, dentro de uma creche. O objetivo dito era o de que teriam que parar de chorar. Mas, no entanto, o objetivo era o prazer de alguém que se deliciava com uma sensação de poder absoluto, incluindo a dissimulação da prática de tortura que não era detectada. Poder sobre os pequenos indefesos, poder de enganar aos grandes que acreditavam estarem comprando um serviço de cuidado e proteção de seus bebês. Amarrados por lençóis em cadeirinhas no chão de um banheiro da creche ao lado da sala da diretora, choravam até cansar, e, possivelmente, dormir de exaustão. Mas, no dia seguinte, eram novamente entregues, pelos pais ignorantes da situação, àquelas pessoas que os torturavam. Nenhuma referência à rejeição por parte dos bebês à creche ou às pessoas que os recebiam. E tudo se repetia, todo o ritual macabro, de maneira, tremendamente, monótona. Ninguém estranhou esse fato. As Crianças não expressavam repúdio nem rejeição pelo local da tortura, a creche. Porque são, facilmente, enganadas. Ou seja, uma criança pequena não tem ainda um código moral formado, sua compreensão cognitiva para ligar pontos e se antecipar ao perigo, ainda é precária, a confiança nos adultos é total, porque deles ela depende para viver. Mesmo que não saiba, intelectualmente, dessa dependência ela se comporta sempre de maneira a garantir sua sobrevivência, se entregando ao adulto que oferece um colo ou uma mão para guia-la. Essa, aliás, talvez seja a maior das sequelas que aquelas crianças vão carregar, sem nem localizar, exatamente, o foco do trauma: não terão confiança no outro. A vulnerabilidade parece ser um atrativo de muita força, porquanto facilitador da opressão buscada pelo adulto torturador. Ele não se nega a misturar a crueldade com uma sedução por mimos e privilégios que conseguem enganar os pequenos. Essa tática da mistura é muito usada com Crianças para fazê-las submissas. É, exatamente, a mesma usada entre adultos que têm relações abusivas. Não é por falta de memória, por ter esquecido o que aconteceu no dia anterior, que a Criança não se opõe frontalmente a entrar em sua “câmara de tortura”. Mas, antes de tudo, é porque acredita que não acontecerá hoje o que foi ontem. A Criança acredita que “acabou”, como quando chora pelo ralado do joelho ao cair e a mãe lhe ampara e diz “já passou”. A Criança vai operar um mecanismo de defesa, o recalcamento, para sua sobrevivência psíquica, sepultando o fato traumático. Mas ele não evaporará. Como ocorre com nossas imagens mnêmicas que se excederam ao razoável quantum de estímulo cabível na mente, essas memórias restarão soltas, flutuantes, em formato de marcas sensoriais do tipo de cores, luminosidade, cheiros, posições do corpo contido, formatos diversos do que ficará como registro de alerta para a chegada de uma nova situação de perigo, um novo possível trauma. Assim, um sistema de alarme é construído para tentar evitar nova ameaça e buscar proteção. Esse alarme passa a ser acionado cada vez que um estímulo se aproxima por contiguidade ou semelhança, ao registro mnêmico deixado pelo trauma. Essa é uma situação psicológica muito desgastante e, muitas vezes, produtora de adoecimento psicológico. Qualquer dos bebês, vítimas das práticas de tortura executadas naquela creche, tornariam a se entregar ao colo daquelas pessoas. Além de tortura-los, elas lhes davam comida, brincavam, prometiam proteção em seus gestos diante de seus pais, na entrada e na saída do horário. A invisibilidade das marcas, que foram tatuadas em suas mentes, colaborou apenas para a manutenção da desorganização de seus entendimentos de mundo. Para todos os bebês, o mundo é enigmático, é desconhecido, e, o esforço, que fazem para descobrir o mundo entorno, vem de par com o crescimento e desenvolvimento de suas capacidades, a motora, a linguística, a cognitiva e a afetiva. Por isso a acareação não serve como critério se aconteceu ou não aconteceu uma agressão a uma Criança. Ela fica apenas na ordem da revitimização. Tanto no caso das Crianças torturadas dessa creche, quanto no caso das Crianças torturadas por abusos incestuosos, o tipificado estupro de vulnerável, não se pode imaginar que ao ver uma Criança que aceita se sentar no colo do pai numa sala de uma psicóloga, dá a ela a possibilidade de, tornando o sentar no colo um critério, afirmar que não houve abuso. Essa é mais uma violência institucional, é mais um exemplo do conhecimento que se torna uma arma contra Crianças. Continuaremos nesse tema para evidenciar a leviandade profissional de pessoas inescrupulosas, que usam títulos como armamento. Tocaremos também em outro exemplo de irresponsabilidade que chegou, e já se espalha, da afirmação de que a partir dos 6 meses o bebê pode pernoitar com o pai, em outro ambiente, que não é o de sua referência. De onde teria saído tamanha inadequação com o Princípio do Melhor Interesse da Criança?