sexta-feira, 20 de maio de 2016

Quem ama, cuida.

Quando a gente ama, a gente cuida


                   Foi com prazer que ouvi magistrados pensarem o cuidado e o afeto como valores jurídicos na Jornada promovida pela EMERJ (Escola de Magistratura do TJ/RJ), no último dia 29 de setembro. Como não houve oportunidade de colocar algumas questões nesta ocasião, gostaria de expor alguns pontos que são oriundos da conjugação do exercício profissional de mais de 30 anos da minha formação como psicanalista de criança e de adolescente, com a atividade mais recente de assistente técnica de vários processos desta área jurídica, além do trabalho nos últimos 12 anos junto a ABRAPIA, organização não governamental dedicada à proteção de crianças e adolescentes.
                   Conceitos psicológicos fundamentais foram adquiridos nestes, últimos tempos, pelos Advogados, Promotores, e Juízes de Varas da Infância e Juventude e de Família, garantindo às crianças e aos adolescentes o convívio com os elementos familiares essenciais que estão na estrutura de formação da 
mente humana e de sua personalidade.
                   Sabemos hoje que a participação do pai desde o início do desenvolvimento de uma criança tem importância na aquisição de sua identidade de gênero, mesmo quando esta criança é uma menina e ainda é muito pequena. Sabemos também que uma união rompida não deve desfazer os laços familiares entre pais e filhos, e, quando novas uniões destes pais surgem, a justiça tem garantido a permanência destes laços.
                   No entanto, parece que estes conceitos se transformaram em “mitos familiares” que tem ocasionado distorções danosas para o desenvolvimento psicológico de muitas crianças e adolescentes,  comprometendo assim a sua saúde emocional. Refiro-me aqui à consagração dos  conceitos “mãe” e “pai”. O famoso “instinto materno” que justifica a permanência da criança ao lado de “mães” que só tem direito ao título biológico, independente de tê-lo sido por um acidente da natureza ou por excessivo desejo de sê-lo.
                   A maternidade é uma das etapas do “processo de maternalidade” que acompanha a mulher por toda sua vida tendo ela filhos ou não. Este conceito introduzido pelo psicanalista francês Jean-Paul Racamier,  nos auxilia a compreender melhor a constatação de que muitas mulheres não exercem a função de mãe logo depois da maternidade, e algumas, em nenhum momento da vida. Tornar-se mãe não é compulsório, nem instintivo. É uma possibilidade afetiva, e como tal vai depender da experiência vivida como filha e da rede de identificações positivas e construtivas que estruturaram a sua própria afetividade. Além disso, muitas mulheres tentam se sentir “mãe” assumindo a posse do filho através do seu corpo: “saiu de mim, é meu”. E, se escondendo atrás da “explicação” de corretivo, ocupam o primeiro lugar nas estatísticas de denúncias de violência física com o índice de 52% praticada por elas, as mães, contra  24% praticadas pelos pais, 8% por padrastos, 13% por outros parentes e 3% por não-parentes. Como afirmamos no artigo “Violência e Afeto” publicado no editorial do Jornal “O Globo” de 20 de fevereiro de 2006, se acrescentarmos as “palmadas moderadas educativas” a estes índices obtidos com base em denúncias, alcançaremos alarmantes escores de 70% a 80% de mães batendo em seus filhos, exercendo o papel de posse, e não cumprindo a necessária função de mãe. A violência da questão da criança abrigada trazida na Jornada pelo Promotor Sávio Renato Bittencourt (MP/RJ), que, com tanto cuidado e afeto, convocou o judiciário a ter um olhar quantitativa e qualitativamente mais efetivo. Na verdade, há poucos abrigos oficializados, se considerarmos o enorme número de crianças e adolescentes “abrigados” em seus próprios lares, sem nenhuma assistência, cuidado, ou direito, perfazendo dois grandes grupos: os que possuem computador e os que não possuem.
                   A qualidade das relações afetivas intra-familiares vem se degradando e vínculos se tornaram, em grande parte, descartáveis. Quantas vezes nos deparamos com a utilização perversa de uma criança pela sua mãe como arma para vingança pessoal ou como moeda para obtenção de “conforto financeiro” próprio. Seria longa a lista de situações de abuso físico, sexual e psicológico praticado contra a criança e o adolescente. Assim, devemos ter muito cuidado ao afirmarmos, automaticamente, que toda criança precisa ficar com a mãe. Toda criança precisa de mãe, mas nem sempre da sua mãe. Uma mulher pode até ser uma boa mãe operacional, (limpar, alimentar e colocar no berço para dormir), e, no entanto, não conseguir ser uma mãe, saudavelmente, afetiva e cuidadosa. Exercer a função de mãe não é a mesma coisa que executar tarefas. Muitas mulheres não conseguem nem mesmo operacionalizar seu papel de “mãe”. Por exemplo: existem meninas muito danificadas, psiquicamente, pela permanência ao lado da mãe, portadora de distúrbios afetivos graves, porque foram obrigadas a cuidar de suas mães desde a infância, alimentando-as, dando banhos, tentando impor limites às mães, desculpando-as e perdoando-as, numa inversão de papéis, o que determina um enorme custo emocional de muito longo prazo, pois que esta inversão aconteceu durante o período do desenvolvimento. Ou seja, a ausência da proteção necessária junto a uma demanda da função protetora exercida precoce e inadequadamente, antes de haver a menor condição para tal, causando, na maioria das vezes, deformações emocionais e afetivas que as acompanham para sempre.
                   Por outro lado, o mito de que a presença do pai é indispensável para o desenvolvimento da criança, nos coloca diante de outra distorção: pais que abusaram sexualmente de um filho ou filha tem um convívio garantido judicialmente pela visita supervisionada. É preciso pensar que a importância do pai, aquele que assim se comporta, no desenvolvimento da criança está correta, mas um pai que usou o corpo de seu filho/a para obter prazer sexual de qualquer tipo, abriu mão de sua função de pai, atacou e destruiu a mente da criança através da ilusão de posse do corpo dela para satisfação concreta de sua perversão. Sua simples presença no ambiente, é imensamente perturbadora para a criança e a empurra à dolorosa revitimização, pois, não tendo sido protegida de sua perversão, não confia em nenhum adulto como protetor até que seja restaurado o vasto estrago psicológico causado pelo abuso ocorrido. Poderia também listar as dores e desesperos de crianças e mães ou pais na luta pela não visitação supervisionada, até que a própria criança se sinta capaz de estar no mesmo ambiente que o abusador/a. Em alguns casos, o desespero é tamanho que se tornar “fugitivas”, criança e mãe, foi a decisão tomada diante da impotência de serem ouvidas, principalmente, no pânico produzido pela determinação judicial da visitação supervisionada. A destituição do Poder Familiar é outro ponto mitológico. Processos se arrastam por quase 10 anos, com a vítima sendo chamada em audiências repetitivas para contar tudo de novo, porque agora elas já cresceram. Mas a criança logo aprende ao longo desta saga que não adianta repetir aquela história para vários Juízes porque não vai haver a condenação por crime de abuso sexual, e perde a esperança nos adultos e em sua justiça. Prisões também são muito raras, não encontramos seus registros, porque parece haver um medo do judiciário de condenação à “pena de morte”, já que este é um crime não tolerado pela população carcerária e suas “leis”. Então, desta maneira, é, unicamente, a criança e o adolescente que custeiam este adiamento ad eternum do julgamento de um fato que povoa sua mente assaltada na sua necessidade cotidiana de paz pela dor do medo e da impotência, e pela raiva da impunidade. Portanto, estamos colaborando para mais uma deformação psicológica, porquanto não podemos esperar que a vitimização e suas conseqüentes revitimizações neste cenário, venham a produzir mentes saudáveis. Abusado ontem, abusador hoje ou amanhã. Este é um risco já demonstrado por estudos e pesquisas, vide o processo por pedofilia de Angers, França, em julgamento público em maio de 2005, talvez o maior que se tenha notícia, com 45 vítimas de 6 meses a 12 anos, abusadas por pais, mães, irmãos mais velhos, tios, primos, que por sua vez tinham sido abusados pelos avôs e tios-avôs, formando uma enorme rede de compulsão à repetição.
                   Por tudo isso, nós temos certeza que podemos e devemos comemorar, a primeira sentença que contemplou recentemente a visitação de um pai sócio-afetivo, atestando assim a capacidade de um entendimento da importância do vínculo afetivo no desenvolvimento de uma criança. Este é um marco muito importante porque a sobrevivência psíquica transborda compromissos pecuniários de sobrevivência corporal, igualmente importante. O homem nasce muito frágil e com inúmeras dependências de um adulto que lhe seja especial. A sua necessidade de alimento, leite e afeto que lhe são oferecidos através dos cuidados básicos, é a sua única possibilidade de continuar existindo. O quadro de hospitalismo, descrito por René Spitz, comprova que a privação de afeto pode levar um bebê atendido em suas necessidades básicas, do ponto de vista da alimentação e higiene, à morte, como o autor bem observou. O Apego, comportamento teorizado por John Bowlby, pode ser observado no comportamento dos bebês de se agarrar e escalar o corpo do adulto quando são segurados no colo. A segurança vem do amparo físico e do aconchego recebidos. O afeto, também necessidade básica para o bebê, é a fonte fundamental de coesão e estruturação mental saudável. O cuidado é, pois, a expressão deste afeto de qualidade. 
                   Considerando, pois, a prática acumulada durante todos estes anos, trabalhando com os danos causados pela privação maior ou menor de cuidado e afeto, numa espécie de oficina da arte de restaurar o mundo interno, de tantos pacientinhos, e somando a experiência mais recente de acompanhar processos como assistente técnica, infelizmente, posso afirmar que, se o infanticídio foi tolerado até o século XVII, temos que reconhecer que hoje há uma espécie de infanticídio psicológico que todos permitimos com nossas omissões, com a obediência a mitos, enfim, com a deficiência e a falta de cuidado com nossas crianças e adolescentes. Por isto, do meu prazer de ouvir magistrados, numa sexta-feira, pensarem o cuidado e o afeto como valores jurídicos.
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2006.
Ana Maria Iencarelli.

P.S. Antigo, mas atual. É a qualidade do afeto que patrocina o bom cuidado. Lamentável que esta qualidade do afeto institucional esteja se perdendo em nome de conceitos não científicos que passaram a ser dogmáticos.



quinta-feira, 19 de maio de 2016

Ontem foi o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Ontem foi o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

      Ontem 18 de maio de 2016 pensei em escrever aqui. Mas preferi deixar para hoje, o dia depois da data. Data que tem muito mais a lamentar seu motivo. Hoje me deparei com um dado alarmante: 76% dos pedófilos do mundo, é brasileiro. Não posso garantir este dado, mas é difícil suspeitar de uma imprecisão. O conjunto formado por ausência de uma política pública consistente e consequente, o primeiro indicador, seguido pelo instituto dogmático da Alienação Parental misógina, a cultura recursal, a cultura da transgressão que tem como ícone o jeitinho, garantem a impunidade. Este é um cenário muito favorável à pedofilia, a perversão que deixa sequelas graves e permanentes.
       O irmão do Woody Allen, cineasta de sucesso, casado com uma enteada, acusado por uma filha natural de abuso sexual, de lobby fortíssimo, como é a regra dos pedófilos, divulgou uma carta onde pede desculpas pela sua omissão, pelo seu medo, pela vergonha que sente do irmão. Durante este tempo em que sua sobrinha vem sendo alvo de severas hostilidades, se manteve calado, mas agora, ao ver mais uma vez a impunidade triunfando, confirma o que a ela disse.
       Um Juiz, em nossa Federação, absolve um delegado de polícia que havia estuprado sua própria neta de 16 anos. Justificativa: consentimento dela. Não se sabe como um juiz de Vara de Família desconhece que não é possível entender como consentimento um congelamento diante do avô, a ascendência afetiva e de autoridade, ainda mais sendo um policial, e que termina por ordenar que o que ali se passou, fica ali, nada se fala. Ela obedeceu. Mas tempos depois foi encontrada com uma arma na mão que apontava para sua própria cabeça. Neste momento último de vida, ela acabou por revelar o que a atormentava a ponto de preferir a morte. Mas, o Juiz absolve porque ela consentiu. Consentiu? Quando é adolescente este argumento para sentenciar a favor do pedófilo. O que acha o Juiz do comportamento de um homem que tem relação sexual com a neta? É homem, então é normal? Ou foi ela que o seduziu? Coitadinho! E se é criança que relata um abuso intrafamiliar é logo taxado de mentira, fantasia, construção cognitiva, falsa memória implantada pela mãe histérica, é sempre Alienação Parental. O machismo entranhado nestas posições, agora protagonizadas pela Alienação Parental, vem matando a alma de nossas crianças e adolescentes.
       Uma jovem de menos de 30 anos recebeu a autorização para o procedimento de eutanásia. Ela tinha sido estuprada dos 05 aos 15 anos. Esta repetição do estupro intrafamiliar por toda a sua infância e adolescência deixou nela a tatuagem infeccionada em sua alma. Sofria de estresse pós-traumático, de anorexia severa, de depressão crônica e de alucinações. Todas, doenças e distúrbios causados pelos 10 anos de estupro. Uma junta médica fez 03 avaliações e constatou que ela estava em pleno uso de suas faculdades mentais.  A dor diuturna profunda e silenciosa que desenhava seu sofrimento na deformação do corpo pela anorexia, que sentia a tristeza do holocausto subjetivo, e que alucinava retornando à cena da opressão dos abusos, foi insuportável durante toda a sua curta vida. Exatamente o que temos afirmado há anos pela experiência clínica com inúmeros sobreviventes do incesto e do abuso intrafamiliar. A dor psicológica, pela primeira vez, foi dimensionada respeitando-se os limites humanos, e foi reconhecida pelos médicos como tão insuportável quanto uma dor neoplásica de um paciente terminal que fundamenta as autorizações deste procedimento nos países em países onde a eutanásia é legalizada.
     E hoje, depois da “Data”, qual o combate que estamos praticando? O cartaz do Disque 100 da SDH diz: QUEM NÃO DENUNCIA, TAMBEM VIOLENTA. Já ouvi muita gente desabafar: “mas para que denunciar se o abuso tem que ser provado e não acontece nada com o abusador”.  Na Cegueira Deliberada que vigora, logo no início do processo, o Abuso é transformado em Alienação Parental.

       Precisamos ter escuta para esta dor psicológica. Torcemos para que a sensibilidade e a responsabilidade, de todos, cuidem destes sobreviventes da tortura do abuso sexual. Nosso tributo à menina que nos mostrou com a vida a dimensão insuportável desta dor.

terça-feira, 10 de maio de 2016

MÃE!

MÃE!
MAMÃE,
MÃINHA!!!
MÃIÊ?
MOM,
MINHA MÃE!
MOMMY...
MAMAN.
        Não importa como lhe chamamos, ela nos atende, ela nos zela, ela nos protege, ela é a única que defende diante de uma ameaça.
       A Claudia escreveu:
       “Mas eis que um dia, finalmente, ela começou a ceder. Reconheceu, com o peito muito doído, a existência da maldade humana. E aí, em lugar de ficar aliviada, eu tremi nas bases. Descobri, estupefata, que a grandeza de minha mãe não tinha nada a ver com a crença na bondade humana. Minha mãe era especial porque fazia do verbo "acreditar" o seu lema. Aquela pessoa que se dizia sem religião cultivava uma fé inabalável nas pessoas e no potencial de cada uma delas para alcançar a paz e a felicidade. E, com o seu jeito manso, diplomático, cuidadoso e carinhoso, ela adoçou a vida de muita gente. Se hoje sou uma pessoa relativamente razoável e capaz de controlar as minhas crises de desespero e de fúria é porque fui abençoada por ter justamente essa pessoa como minha mãe.
       Hoje ela procura um caminho do meio entre a aceitação da maldade e a crença na bondade dos homens. Tenho certeza de que a fé de minha mãe ganhará ricos contornos com a chegada do paradoxo. Como ela vai fazer, eu não sei, mas creio na extraordinária capacidade de se reinventar dessa pessoa que, com muito orgulho, chamo de "mãe".”. Trecho de uma página literária e viva de Claudia Marcanth.
       A escritora conseguiu arrumar as letrinhas certas de tal forma que sentimos o que é ser mãe. Quase poesia. A beleza da verdade. Aceitar a maldade e acreditar na bondade dos homens. Fábrica de força. Conseguir lidar com estes dois elementos, alimentando o abrir os olhos e alimentando a fé nos homens de boa vontade, é ter responsabilidade empática pelas crias.
       A todas as mães que abriram mão da prioridade narcisista para se responsabilizar pelo desenvolvimento de uma coisinha tão frágil em uma pessoa pensante, minha homenagem.
       Hoje, Dia das Mães, em especial, penso nas mães guerreiras, que lutam pela proteção de seus pequenos , as que não se dobram, as que são punidas injustamente, as que perderam a guarda dos filhos por falsas alegações, dor que rasga. As nossas invisíveis mães de maio que nem usam lenços brancos na cabeça, mas que rodam em círculos infinitos sem chegar a lugar nenhum. Desesperadas mas não histéricas como querem caracterizá-las. Nossas crianças estão sendo torturadas e assassinadas em sua infância. Para estas fortes, a minha admiração pela fé na verdade e no amor, acreditem em seus filhos e, continuem! Acreditem sim! Vai valer a pena!


quarta-feira, 4 de maio de 2016

12 anos de estupros de crianças, advogado, professora, creche: NOSSA CEGUEIRA DELIBARADA

12 anos de estupros de crianças, advogado, professora, creche:
NOSSA CEGUEIRA DELIBERADA.

       É incrível esta hedionda notícia! Há, pelo menos 12 anos, uma professora aliciava crianças de uma creche em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, para servir ao seu colega de perversão, um advogado, casado, pai de 2 filhos, sócio de um escritório no centro do Rio.
       Não vou cair na bobagem de tentar explicar este comportamento subanimal da pedofilia. Não há sentido possível, não se explica pela sexualidade. O prazer de um pedófilo está na Síndrome do Pequeno Poder. Este é o único objetivo deste comportamento perverso. Sentir-se poderoso em subjugar um vulnerável, indefeso, impotente, incapaz de lhe negar esta potência, a do poder absoluto. E enganar a todos como parecendo uma pessoa acima de qualquer suspeita, característica de todos os pedófilos. Nada, além disso. Prazer sexual está ausente nesta perversão, aparecendo apenas na criança que tem sensações prazerosas provocadas intencionalmente pelos pedófilos, para amordaçá-la com a culpa.
       Gostaria de perguntar algumas coisas.
1 - Como se passaram DOZE ANOS de pedofilia sendo usadas crianças pequenas de uma creche?  
2 – Como esta professora abusava frequentemente destas crianças dentro da creche? Com fotos e atos libidinosos.
3 – Como esta professora saía com uma criança escolhida para levar para o advogado? O outro pedófilo.
4 – Como estas crianças entravam em motéis?
5 – Como havia um farto material fotográfico, em vídeos, até calcinha na casa do advogado?
6 – Será que nenhuma destas crianças nunca falou nada para ninguém? Será que a eficácia da professora e do advogado em calar estas crianças foi tão completa por 12 anos?
7 – Por que as denúncias de pedofilia intrafamiliar não dão em nada?
8 – Como uma denúncia anônima é tão fácil de ser averiguada, mas 12 anos depois?
9 – Por que a investigação policial é tão desqualificada nos processos judiciais?

       Começando pela última pergunta o impecável trabalho da Delegada da DECAV, Cristiana Bento, a presteza da ação, o cumprimento da lei de proteção a vulneráveis, são irretocáveis. Sabendo de sua competência e dedicação séria, não temos dúvida sobre as respostas do inquérito que ela irá promover.
       O horror não está circunscrito à pedofilia praticada por estas duas pessoas. O horror se estende a todos do entorno destas crianças. Moedas de troca foram usadas. Além do vil metal pago pelo advogado à professora, é evidente que a conjugação da carência de todos os tipos destas crianças, associada ao medo pelas intimidações e ameaças, e aos “presentes” oferecidos às vítimas, tão comuns nesta prática de pedofilia. Balas chocolates e sorvetes, certamente, regaram estes inúmeros episódios de perversão. Presentes também devem ter sido usados para o pacto do segredo. O silêncio das crianças, meninos e meninas, assim comprado. O silêncio dos adultos, trocado pelo não ter trabalho, raiz da omissão escolhida.
       Mas, onde estavam as pessoas do entorno? O pessoal da creche, as famílias destas crianças, a família do advogado que tinha a casa recheada de material produzido com os estupros praticados, as pessoas nas redes sociais, onde estavam? Por que ninguém deu crédito às revelações que, tenho certeza, de alguma forma foram feitas por algumas destas crianças? Fiquei com a impressão que deve ter sido a menina, a de 2007, que hoje com 18 anos fez a denúncia anônima, porque é preciso crescer para ter coragem de denunciar. Mas já surgiu na investigação uma criança de 10 anos em 2004.  
       As mães têm uma mania de recomendar, em tom de perigo, que sua criança não aceite nenhuma bala ou doce de pessoa estranha. Mas não completa o alerta, não esclarece sobre o perigo, e, quando esta criança está fazendo brincadeiras de conteúdo sexual fora de sua faixa etária e de seu conhecimento, esta mesma mãe, finge para ela mesma que não está vendo nem escutando a comunicação da criança, porque ela, mãe, prefere ficar com a aparência “acima de qualquer suspeita” do pedófilo.   
       As crianças falam em brincadeiras e muitas vezes verbalmente, com todas as letras. Mas os adultos surdos, todos, preferem correr para a cegueira deliberada. Nada mais cômodo do que “macaquinho não vê, macaquinho não ouve, macaquinho não fala!” Este é um crime que estamos cometendo. Quando entramos na área da pedofilia intrafamiliar incestuosa a cegueira deliberada se amplia. As denúncias de abuso sexual praticado pelo pai em filhos e filhas é, imediatamente, que é travestido em Alienação Parental da mãe. Pai é pai, diz o calo social vazio de fundamentação, é o argumento pífio. Pai é função, não é título. Protegido o pedófilo pela inversão em vítima, é a mãe que passa a ser a sentenciada com a perda da guarda do filho ou filha, entregue para o pai abusador, e é condenada a pagar multas cada vez que abre a boca para reclamar da injustiça e da desproteção da criança abusada. São inúmeros estes roteiros judiciais, hoje dogmatizados, totalmente nefastos para a criança. No afã de contemplar a ideia de família, é descumprido o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Numerosos Operadores de Justiça, encantados com o conceito sem comprovação científica da dogmática Alienação Parental, criado por Richard Gardner, que defendia a pedofilia como sendo uma prática normal do elenco da sexualidade humana, que beneficiaria a procriação estimulando a criança, escolhem a foto cenográfica de “família feliz”.
       Este é um caso emblemático. Como acreditar que nenhuma criança nunca tenha se referido à saída da creche, como acreditar que nenhuma criança nunca se referiu ao ambiente, absolutamente estranho, escuro dos motéis, como acreditar que nenhum desconforto corporal, machucado, ou “dodói” nunca tenha sido relatado, como acreditar que nenhum menino ou menina tenha se referido a um “tio” que lhe deu um presente? Sem escuta de qualidade, sem olhar cuidadoso, resta à criança vítima de abuso sexual cumprir o pacto do silencia acordado com seu algoz. Este é o cuidado que temos com nossas crianças. Sem qualidade. Esta é a responsabilidade que dispensamos a elas. Sem qualidade. A ausência da responsabilidade empática promoverá danos irreversíveis.
       Jogadas ao abandono intrafamiliar, é o pedófilo que lhes dá importância. É muito provável que o processo de identificação, fundamental pilar da formação da personalidade, se faça tendo o pedófilo e a perversão como modelos para ela.

       A criança, mesmo tendo o título de “Sujeito de Direito”, não tem crédito. O despreparo para a escuta abrange pessoas em todas as funções sociais e afetivas, família, professores, profissionais de saúde, instituições, operadores de justiça, que no aperto, correm para a exigência de materialidade, saída de praxe nos abusos intrafamiliares. Mas, se é um crime às escuras? A cegueira deliberada é o estupro culposo de todos que se aliam aos pedófilos. Muitos e muitos entre nós. E, está assassinando milhares de crianças.