terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Atrasada, mas ainda na validade, transcrevo o convite do Lançamento da Coleção Direito UERJ 80 anos. Em 11 volumes o Direito da UERJ foi comemorado.
No volume dedicado ao DECA - Direito Especial da Criança e do Adolescente - tive a honra de contribuir com o Capítulo: "Os 18 anos do DECA no ECA".
A festa da noite de autógrafos foi aberta com o canto do Coral da UERJ que nos brindou com uma música indígena da colheita da mandioca. Mesa composta pelas autoridades  daquela casa de saber e estudo. As origens, a universidade. Um raro momento regado a muita chuva do céu.

PEDOFILIA NÃO É DOENÇA,

PEDOFILIA É CRIME!

 

       A Pedofilia, comportamento aberrante do adulto que elege a criança como objeto sexual, tem sido, cada vez mais, tolerada entre nós. A tentativa de encaixá-la como doença psicológica, passível de tratamento, aponta na direção deste movimento de aumentar seu espaço de tolerância, de banalização, e de desculpabilização.

       Faz-se necessário definir e distinguir dolos, culpas, negligências, quando estamos tratando de um comportamento sexual praticado por um adulto em uma criança. A proposta, a iniciativa, a repetição são da autoria do adulto. O pacto de segredo e a sedução e/ou intimidação também são da autoria deste adulto. Onde fica a doença? Se doente, não se importaria com o segredo, até publicaria como fazem os doentes mentais graves quando têm acessos sexuais com uma criança, pois ignoram as regras sociais, as interdições. Como explicar que um doente tenha tamanho cuidado em cometer este crime às escuras com toda uma sofisticação de cuidados de não deixar rastro, de se comportar tão bem fora da cena do abuso, chegando a gozar de prestígio e de conceito moral impecável? A doença mental grave não se esconde.

       O pedófilo intrafamiliar, aquele pai que abusa sexualmente de um filho ou de uma filha, é, extremamente, meticuloso no seu disfarce. Inteligente, sedutor, convincente de suas qualidades morais, falsifica e engana. Este é o seu verdadeiro gozo. Enganar a todos. Como um matador de aluguel que toma todos os cuidados depois do assassinato para apagar as pistas e indícios, ele trabalha a aliança da criança para que ela o proteja sempre, seja através de ameaças, seja através de privilégios e presentes. Rompendo a interdição do incesto, marco civilizatório da humanidade, o pedófilo intrafamiliar vem ganhando terreno na Justiça. A criminalização da Alienação Parental tem sido amplamente usada e abusada pelos pais abusadores de filhos e filhas. Invertendo os lugares de vítima e algoz, capacidade especial dos psicopatas, dos perversos, os abusadores sexuais intrafamiliares têm todo o êxito. Alojados sob o manto da Justiça, seguem tatuando a ferro a alma de seus filhos e filhas, enquanto as mães são mantidas engessadas, mumificadas, e são criminalizadas ao se debaterem em busca da proteção daquele filho ou filha que revelam o abuso. Por sua vez, a criança que denuncia o pai, é vista como mentirosa, como repetidora de texto da mãe, como fantasiosa. É aberrante pensar que uma criança de 04 anos fantasiou um relato de prática sexual anal, com detalhes que não tem possibilidade alguma de caber em seu desenvolvimento cognitivo desta faixa etária, quando o 4raciocínio é concreto, ou seja, se dá pela experiência e pela realidade vista. É como se pudéssemos afirmar que um menino de 04 anos diz à sua mãe que lhe dará um helicóptero de presente de Natal porque pegou suas moedas do cofrinho e comprou ações Preferenciais da Vale, antes do desastre da Samarco, e ganhou um bom dinheiro. Aos 04 anos ele só pode fantasiar que vai dar um helicóptero para a mãe com as moedinhas do seu cofrinho porque, para ele, se são muitas moedas, então, é muito dinheiro. Não há como ele saber da bolsa de valores, assim como, não há como ele saber que adultos usam o bumbum do outro em busca de prazer sexual, porque assim como as moedinhas, ele não possui este conhecimento, e só atribui a função excretora para sua região anal. Portanto, se a criança descreve uma atividade sexual promovida por um adulto no seu corpo, e o técnico tem competência qualificada para distinguir um texto decorado de um texto vivido, a proteção da criança é a primeira coisa a ser garantida, ou melhor, obedecido o E.C.A. nos artigos que rezam esta garantia do Direito Fundamental de Vulnerável.  

       E sobre a romântica ilusão de “tratamento psicológico para o pedófilo”, é preciso ter honestidade profissional. Ninguém é Deus. Psicopatas, pedófilos o são, não sentem empatia, têm frieza de afetos, são compulsivos no desvio de caráter, e não se propõem a mudar nada em si mesmos. Onipotentes, projetam toda a responsabilidade do seu comportamento aberrante na criança, na mãe, na sociedade, menos neles mesmos. Se fossem doentes, sofreriam. Para entender um pouco a dimensão do determinismo deste impulso anômalo, ter atração sexual pelo corpo, ou parte dele, de um bebê de poucos meses, de um menino de pouca idade, de uma menina antes do aparecimento dos caracteres sexuais secundários, sugiro que assistam ao filme “O Lenhador”, antigo, que mostra a força que um pedófilo faz para se conter depois de sair da prisão por longa condenação por abuso sexual de crianças.

       É também aberrante o despreparo dos Operadores de Justiça para lidar com esta questão. Não se sabe para que tanta campanha sobre a denúncia, sobre, até mesmo, a conivência de ter conhecimento de um abuso e não denunciar, implicando pais, professores, médicos, profissionais que tenham contato com a criança abusada, se os Promotores e Juízes continuam a buscar provas concretas para o abuso. O E.C.A. em sua prescrição de proteção: art.3º, art.4º, art.5º, art.7º, art.13, art.15, art.98, art.240, art.241, art.245, e o art. 227 da Constituição Federal. Na realidade, por falta de qualificação específica, a palavra da criança é desqualificada e distorcida. Ouvida em sistema de acareação, na presença do suposto abusador, profissionais confeccionam laudos inconclusivos de achismos. A argumentação usada é sempre que se você não viu, se não tem dilaceração vaginal ou anal com presença de esperma, e com o devido DNA, você não pode afirmar que houve abuso. Mas, por que é afirmado que não houve abuso? Isso pode. Como “provar” que não houve abuso? Os Processos Calvarianos estão repletos desta afirmação textual, não houve abuso, e a então inversão perversa de transformar tudo em Alienação Parental da mãe. Punição imediata, a começar pela perda da Guarda e afastamento total dela. Joana, 05 anos, teve a guarda dada ao pai e o afastamento total da mãe por 90 dias. Foi morta pouco tempo depois desta decisão judicial.

       As Salas de Depoimento Sem Dano, D.S.D., são recusadas por Operadores de Justiça, e são referidas como “pura besteira”. O Centro de Acolhimento do Adolescente e da Criança, C.A.A.C., com pessoal qualificado, preenchimento de protocolo, e registro áudio visual da oitiva da criança ou adolescente, é sub, subutilizado. O instrumento de aferição é o “olhômetro” de profissionais que rejeitam teoria e método adequado e científico. O “olhômetro”, em sessões de acareação que muito lembram os vergonhosos porões de inquéritos fraudulentos, afirma por interpretações rasas que não houve abuso. Basta a criança aceitar sentar no colo daquele pai que isto já é a garantia da afirmação de não abuso, mostrando o desconhecimento de conceitos como o impulso à cavidade primária, o apego, a dependência afetiva, a sedução, a síndrome de Estocolmo. Crianças pequenas abusadas pelo pai, amam este pai. As mulheres adultas espancadas pelo marido também amam este marido agressor, assim como muitas vítimas de tortura e privação grave passam a amar o torturador. Complexo, mas real. Mas, as Varas de Família só tem uma sentença: Alienação Parental. O autor deste conceito, R. Gardner, escreve em seu livro “True and False Accusations of Child Sex Abuse”, págs. 24-25, “as atividades sexuais entre adultos e crianças são parte do repertório natural da atividade sexual humana, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia estimula sexualmente a criança, torna-a muito sexualizada e a faz ansiar pelas experiências sexuais que redundarão num aumento da procriação”. Para ele “o incesto não é danoso para as crianças, mas é, antes, o pensamento que o torna lesivo”, pág. 549, porque “nossa sociedade ocidental assumiu uma posição muito punitiva e moralista sobre encontros sexuais entre adultos e crianças”, pág. 593. Este é o autor  que copiamos e colamos, sem ler nem buscar de onde veio o conceito de Alienação Parental. Consumimos e já até criminalizamos, quando países recuaram na adoção deste conceito como verdade suprema. Também não tem prova concreta de Alienação Parental, mas este conceito, forjado por Richard Gardner que o lançou quando defendia pais agressores e abusadores sexuais, sua simples alegação, sentencia 100% dos processos de abuso, como declarou uma Juíza de Vara de Família. Todas as denúncias de abuso sexual são Alienação Parental. Todas? O abuso sexual acabou? Mágica?

       Que pessoas leigas usem o mecanismo de defesa da negação é compreensível. Diante da monstruosidade é plausível. Mas Operadores de Justiça e Profissionais da Saúde Psicológica da criança, por mais doloroso que seja, deveriam colocar o Princípio do Melhor Interesse da Criança antes de suas dificuldades pessoais e desconhecimentos técnicos. É mais fácil pensar que não existe uma coisa tão ruim como esta. Temos Leis, temos discurso de Criança Sujeito de Direito, mas não temos coragem nem responsabilidade para enfrentar a complexidade desta sombra social. Então, não nos comprometemos. Bernardo, Isabela, Paola, Joana, Sophia, e tantos outros, tiveram negados seus pedidos de proteção pela Justiça e pelo entorno familiar e social. A proteção foi conferida, judicialmente, aos pais, seus algozes.

       E seguimos fazendo de conta. Somos uma sociedade cenográfica que privilegia o parecer e se distancia cada vez mais do ser. Condenamos todos os dias milhares de crianças à submissão da tortura sexual de que são vítimas. Preferimos alimentar a fantasia da propaganda de margarina no café da manhã de sábado, a família feliz. Porque o calo social impera: pai é pai.

       Natal e Ano Novo! E as crianças que serão abusadas segurando o presente de Papai Noel e em muitos e muitos dias do Ana Novo?