sábado, 19 de setembro de 2020

Respeitar o brincar da criança, é fundamental - Parte I

Respeitar o brincar da criança, é fundamental. – Parte I

     Não damos importância ao brincar da criança. É preciso conhecer melhor o mundo infantil, e sua função no desenvolvimento e na estruturação da personalidade que está sendo construída. Parece que esquecemos o que era viajar no imaginário. Como era forte a sensação de que não existia mais nada ao redor. Podia ser no quarto, na sala de casa, na sala do pediatra, no parquinho ou no recreio na escola. Podia acontecer com um colega, mas não era indispensável, podia ser sozinho. Aliás, esta era a melhor condição para o brincar de faz de conta. Sozinho.

     Não era preciso nem companhia, nem brinquedos estruturados. Na ausência das miniaturas do mundo, bonecas, carrinhos, mobiliário da casa ou da escola, um lápis pode se tornar uma pessoa que conversa com outra pessoa-lápis. Ou ainda, na ausência maior, o gestual é o suficiente, e uma criança pode servir uma fatia de bolo invisível, que vem numa mãozinha cuidadosa para não cair. Alguns adultos demonstram dificuldade de se deixar levar e partilhar um pouco dessa viagem ao imaginário. Afinal, o adulto já vive preocupado com o medo da crítica do outro, já tem medo do ridículo que o outro pode lhe atribuir ao ser observado em comportamentos que só tem a lógica infantil do faz de conta.

     Para a criança, estas excursões ao seu mudo de fantasia, são de fácil acesso. No entanto já aos 3 anos, ela é capaz de distinguir a fantasia da realidade. Este é o momento que a criança aprende a sublinhar o que é real, dizendo “verdade verdadeira”. Assim, ela afirma, de maneira simples, mas firme, que conhece a realidade. Esta capacidade não tem sido respeitada. Muito frequentemente, quando se faz necessário por interesse de um adulto, a criança é desqualificada nesta capacitação. O fato de ter facilidade de acessar o imaginário, não quer dizer que a criança não tenha os recursos para fazer esta diferenciação.

     À medida que o desenvolvimento avança, a criança vai adquirindo a vergonha do seu imaginário, o medo da crítica do outro. Um pequeno faz um rabisco, quase um círculo amassado e aberto, e puxa dois riscos de tamanhos diferentes, as pernas, e diz que é uma pessoa. Se tiver uns espetos na pretendida cabeça, vai dizer que é a mãe. É o cabelo. Mas esta liberdade de expressão irá perdendo espaço. A atividade imaginária vai sendo guardada, muitas vezes, reprimida. É muito comum que ela seja associada à loucura. Isto é uma ameaça que ronda a todos. Perder o domínio sobre a mente é muito assustador, sim. Mas a atividade imaginária não é loucura. Este medo, quando exacerbado, opera uma inibição do imaginar, e da consequente criatividade. Esta inibição conduz ao apego excessivo ao concreto, causando, por vezes, um empobrecimento da possibilidade de criar, que está em vários momentos da nossa vida adulta. A criatividade não é exclusividade das artes. A criatividade está também em todas as atividades humanas, e é responsável pela evolução das Ciências, até das Ciências Exatas, do Conhecimento de todas as ordens.

     O brincar é coisa séria. E é o alicerce da nossa subjetividade. Mas é visto como coisa menor, que deve preencher as horas vagas. Muitos pais têm a tendência a encher todos os horários das crianças, pensando, equivocamente, que vão fazer os filhos saírem na frente dos outros na competitividade social. Outro equívoco é pensar que criança não pode ficar parada, que criança parada é criança doente. A vida imaginária, tão essencial, é alimentada pelos momentos parados, pelos momentos solitários, pelos momentos de sussurros ou de silêncios da criança.

     Inventar um objeto, um sistema, uma teoria, é um desdobramento deste brincar imaginário, livre. A capacidade de viver a liberdade é tanto maior quanto mais vivida foi a atividade imaginária na tenra infância. Para tal, não há necessidade de espaço físico, de quantidades. A criança vai solidificando este libertar-se. A liberdade é uma construção das sucessivas experiências de conexão com o mundo imaginário subjetivo, conexão com o mundo interno sem medo.

     O faz de conta na infância é saudável. Na infância. Respeitar esta atividade é colaborar com a boa saúde mental da criança. Deixá-la consigo mesma para que conviva, calmamente, com seu imaginário, favorece sua autoconfiança.            

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