quarta-feira, 18 de outubro de 2023

A vulnerabilidade negada é a violência naturalizada. Parte II

A vulnerabilidade negada é a violência naturalizada. Parte II Muito me arranha e sangra constatar impotente o esforço de certos dias “comemorativos”. Sei que é preciso marcar o dia das mães, o dia dos pais, o dia dos namorados, o dia do Natal, o dia do ano-novo, o Dia da Criança. Todos se mobilizam, todos tomam um banho de bondade para homenagear o “título” daquele dia. São algumas horas, muitas vezes com preparação de muitos dias, embebida nas mais variadas emoções. Todos temos conhecimento do apelo comercial dessas datas. A publicidade investe pesado. Mesmo assim o brilho da alegria reluz! E todos nos esforçamos, de uma maneira ou de outra, para homenagear o “dono do dia”. Estamos no Dia da Criança. Pedidos ou doações, as Crianças esperam seu presente. E, mesmo pouco visível, essa expectativa cumpre uma função no desenvolvimento saudável da Criança. A aquisição da noção de temporalidade, tão complexa para os pequenos, se processa em várias facetas. Como uma ideia ainda fluida, pouco delimitada, até o controle pelo calendário com boa noção de tempo, a Criança consegue aproveitar esse estímulo a essa aquisição tão necessária para a vida. Assim também, o presente traz um parâmetro afetivo que muitas vezes escapa ao olhar do adulto que está presenteando. Esse é um momento em que a Criança pode experimentar uma grande satisfação ao receber uma coisa simples, que preenche seu desejo longe de valores altos, tendo em mãos um punhado de guloseimas sempre negadas no cotidiano dela. A imaturidade da Criança, por vezes, a leva a se perder em desejos infindáveis que acabam por tocar a frustração, trazendo a insatisfação. Essa imaturidade também está presente em adultos que transformam essas datas comemorativas numa espécie de “salvação”, quando tudo vai se resolver. Essa ilusão é muito frequente na passagem do Ano-Novo, quando algumas pessoas depositam uma expectativa ilusória de felicidade. Como se a mudança de ano fosse resolver tudo, deixando de ser o tempo inexorável, o tempo que não para. Em meio aos brinquedos, às brincadeiras, fomos surpreendidos por mais uma guerra que atinge, principalmente, a vulnerabilidade. Mulheres e Crianças são alvo fácil porque aumentam os números que tomam aspecto de escores de uma competição. Competição estúpida que segue com a humanidade. A Criança é hoje o produto mais rentável de nossa época, tendo ultrapassado o comércio de armas e de drogas. Ela é comercializada, ele é explorada sexualmente em trabalho correlato à escravidão, ela é feita refém de um grupo ou de uma sociedade. Por não responder com uma defesa que a proteja, ela é um atrativo para perversos cruéis. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam mais de 56 mil estupros no ano anterior, dos quais 72% ocorreram dentro de casa, e 44% foram praticados por pais, 10% em crianças de menos de 5 anos. Dados de conhecida e atestada subnotificação. Esse é o retrato da vulnerabilidade. Se, por aqui, vamos comemorar o Dia das Crianças, estamos diante de notícias e imagens de Crianças sendo assassinadas, feridas ou sequestradas. Mancha que suja de sangue o clima que estávamos preparando para nossas Crianças. Mas, nem todas as nossas Crianças estarão habilitadas à comemoração. Quantas entre elas estão sendo mal tratadas, estão sendo espancadas, estão sendo abusadas? E terão apenas direito a um oásis amanhã. As Crianças daqui, as filhas de pai e mãe que cumprem suas funções corretamente, as Crianças que são amordaçadas pelo medo ou pela lei, depreciadas e violadas por quem deveria protege-las, ou as Crianças alvos de mais essa guerra, elas todas são iguais. Todas têm desejos legítimos, e deverias gozar da Garantia de seus Direitos Fundamentais, escritos mas não efetivados. Todas têm Direito à Infância. Ou deveriam ter. Resta, para mim, um conflito doloroso, uma vontade de brincar, de olhar as brincadeiras, mas, também, de chorar. Quando vamos conseguir respeitar a vulnerabilidade? Quando vamos nos indignar com a violência dissimulada contra a Criança?

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