segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NO ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR TAMBÉM HÁ UM SEGREDO ASSASSINO

      O Promotor Sávio Bittencourt, brilhantemente, escreveu o artigo “O Segredo Assassino”, publicado pelo Jornal O Globo de 27/11/16. Dedicado e genuinamente, como poucos o são, comprometido com a criança abrigada, o Dr. Sávio, que fundou a ONG Quintal de Ana, expõe uma chaga aberta até as vísceras quando conclui a partir de números que não parecem ter lógica, que o segredo de Justiça serve para acobertar a realidade do assassinato da infância destas crianças abrigadas. Operadores de Justiça e equipes técnicas ficam enredados em ideologias, a da vez é a biológica, segundo ele, que vão se sucedendo para que a fila da adoção não ande, e o preconceito não seja incomodado.
      Como bem disse o Promotor, as pessoas deviam passar uma noite em um abrigo, devíamos colocar nossos filhos para ter esta experiência, talvez. Acordar à noite de um pesadelo e não ter a quem pedir ajuda para ser reassegurado e dormir de novo. Desconfio que, ao cabo de algum tempo, uma criança abrigada não mais sonha, nem mesmo tem pesadelo. Pela razão óbvia.
      Com o abuso sexual intrafamiliar também os números não tem uma lógica. Aliás, pouco se conta, mesmo que numericamente. Também são enganosas as raras estatísticas dos casos de abuso: é unânime a presunção de subnotificação. Alguém imagina como é dormir com seu abusador por ordem judicial? Faço minhas as palavras do Promotor Sávio: devíamos fazer um exercício dormindo com um estuprador. Talvez assim, conseguíssemos dimensionar o esforço de adaptação que as crianças vítimas têm que fazer todos os dias, e que marcas tatuadas na pele psíquica ficam permanentes.

      O Segredo de Justiça só interessa ao adulto abusador. Não se pode conhecer o sofrimento de crianças pequenas que relatam com detalhes práticas sexuais que só adultos executam, o choro do desespero de serem arrancadas do colo da mãe por agentes da justiça na calada da noite, porque isso é de praxe para garantir o silêncio da mãe protetora, a devastação perpetrada à mãe, devastação afetiva, devastação financeira, maior garantia da mumificação a elas imposta. Aqui também, para as crianças sem esperança de Justiça e sem garantia de seus Direitos, o Direito do pai abusador é mais valorizado do que o Princípio do Melhor Interesse da Criança, sob o manto do segredo, é assassina a infância de nossas crianças, matando a capacidade do vir a ser cidadão.  

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