quarta-feira, 9 de novembro de 2016

 PRICÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
E O PRINCIPIO DA PERVERSÃO
       Como? Uma criança de 07 anos relatou para sua mãe, com detalhes e explicações que não caberiam em seu desenvolvimento cognitivo, os abusos sexuais que seu pai praticava nele. Foi seguida a cartilha daquele Gardner, a guarda foi tornada compartilhada, a mãe continuou insistindo que o menino continuava a queixar dos abusos do pai. Passou a culpa-la, para o menino a mãe sabia, não fazia nada, e ainda o entregava na mão do pai para ficar uma semana com ele sendo abusado. Tudo era transformado em “prova de síndrome de alienação parental”, síndrome que não é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde por não ter comprovação científica de sua existência, e logo o pai foi novamente atendido em mais uma petição com seu pedido de afastamento da mãe.
       Aqui há o nascedouro de uma coisa, no mínimo, intrigante. Nossa cultura recursal ad eternum, desaparece como por encanto. Em se tratando de suspeita de abuso sexual intrafamiliar, a criança é imediatamente retirada da mãe, sem nenhuma preocupação com a criança. O que poderia causar na criança de tão deformante, uma eventual e temporária dificuldade justificada ou injustificada do novo modelo de convívio PA/filho, mãe/filho? Não há estudos que apontem sequelas tão terríveis que justificassem este corte abrupto da mãe na vida de uma criança pequena. A razão para isso reside em outro território, a violência de gênero. Não por acaso, em geral estes mandados de busca e apreensão, são executados na calada da noite. Como pacotes de drogas ou material digital, a criança é arrancada, literalmente do colo da mãe. Agarradas ao pescoço da pessoa referência, em choros desesperados, os pacotes são levados para as garras de seu algoz. São pacotes em desespero, que gritam seu medo, suas razões para não quererem sair da segurança da mãe e serem novamente abusadas.
        Como exercício, proponho que nos coloquemos no lugar desta criança do vídeo, uma menina de 05 anos incompletos, que é levada à noite por uma Oficial de Justiça, para a casa do pai, acusado por ela, menina, de praticar abusos sexuais, que teve seu pedido atendido pelo Juiz por alegar que a mãe era Soro+, tinha HIV. Sem precisar de nenhum Princípio do Contraditório, tão consagrado em outras áreas do Direito, e nada nesta área do crime continuado contra a criança, o Juiz, exibindo seu preconceito e discriminação, ordenou a retirada da menina, em horário que evitou até o testemunho de vizinhos. O resultado da Sorologia veio negativo para HIV. Mas, mesmo que estivesse positivo, talvez ela, a mãe, tivesse sido contaminada pelo ex-marido até, ser soro positivo não desqualifica a qualidade, aqui explícita pela menina, da maternagem. O estrago já foi feito. A  Oficial de Justiça tentava seduzir a menina apavorada, aos prantos, com passear de carro, tomar sorvete, sei lá mais o que, a menina agarrada ao pescoço da mãe gritando, pedindo para não ir, para, finalmente, do lado de fora da casa, no escuro da noite a instrução é para a mãe deixa-la no chão, exausta, em crise de pânico que beira o surto psicótico, ao que a moça da Justiça segura e a leva à força. Já teve a Joanna, a Isabella, o Bernardo, a menina de Olinda, de 01 ano de idade, o menino, 05anos, numa sala de um fórum, os dois meninos arrancados também à noite da mãe, que gritam para quem quiser ouvir porque não querem sair do lado da mãe,acusada de alienação parentalporque deu voz a seu filho ou filha e buscou a Justiça. Buscou mas não encontrou. A lista dos menores de 07 anos não acabaria. À exceção do Bernardo, 11 anos, ele mesmo foi à Promotoria de sua cidade, e o Juiz deu uma chance ao seu pai...
       Deveríamos estar comemorando o Estatuto da Primeira Infância, o cuidado, o afeto alçado a instituto jurídico, os 1000 primeiros dias de proteção e atenção. Ainda que este fosse um caso isolado, não é possível comemorar um avanço que parece pisar na lama seca de minério que engana, não é chão, é areia movediça. Mariana, o maior desastre ambiental que produzimos destruiu vidas, histórias, identidades, pessoas. Hoje vemos a crueldade da perversão humana: as vítimas são as culpadas porque estão como sanguessugas arrasando a mineradora, coitadinha, por receber um aluguel social e uma ajuda de um salário mínimo. É fácil fomentar a inveja por alguém que está sendo, minimamente, ressarcido, na morte de sua vida até o momento da lama.
       Somos muito complacentes com o crime. É igual quando se trata de abuso sexual intrafamiliar. Assim como também acontece com a questão do caixa 2. Talvez o argumento de que “vai pegar todo mundo” de que não tinham ainda tipificado o crime, e mais um monte de argumentos que defendem o crime, o criminoso e a impunidade, brotem como limo onde não bate a luz do sol. Já tivemos a luta pela anistia à perseguição de portadores ideias, hoje, estamos assistindo a manobras na calada da noite para anistiar um crime de Lesa Pátria? Que vergonha! Elio Gaspari, jornalista, anuncia a festa da anistia do Caixa 2.
       “O trauma nosso de cada dia”, título de excelente artigo do colega Miguel Calmon, que dividiu a página com o outro excelente artigo “Aqui, como na Síria”, do meu amigo Zuenir Ventura, compartilhavam espaço de pensadores da tragédia humana que insistimos em continuar na nossa cegueira deliberada em nosso faz de conta de nossa sociedade cenográfica.
       O psicanalista explica o trauma cumulativo, aquele que não lhe foi dado o tempo de ter tempo de regeneração do tecido psíquico, o imortal nos mostra números maiores de mortes violentas aqui que na guerra da Síria. Lá as crianças de 07 anos sendo violentadas pelos monstros do Estado  Islâmico, aqui, crianças de 03, 05, 07 anos sendo violentadas por pais, padrastos, avôs, tios, dentro da família, sob o manto da Justiça enganada. Ambos os autores chamam a nossa atenção para a falha na solidariedade, na seriedade. E nossas crianças seguem sem que tenhamos a responsabilidade empática com o sofrimento delas.
       Para o Presidente da Associação de Magistrados, o juiz João Ricardo dos Santos Costa há, em curso, uma intenção de esvaziar as funções do sistema judicial, há posturas “no Congresso que põem em sério risco nosso sistema de Justiça”. Ele está se referindo à corrupção sistêmica, banalizada e, mais do que, tolerada. Ouso acrescentar que não sofremos apenas de corrupção financeira. Sofremos de corrupção intelectual, mais difícil ainda de ser investigada. A troca de favores, o não compromisso com a criança, a pouca leitura de autos que, propositalmente, são inchados por perversos para aumentar mais ainda a preguiça de ler e de pensar nas 2, 3, 5 mil páginas de um só processo que inclui abuso sexual intrafamiliar. Até receita de pamonha já foi colocada para provar uma suspeita. Já bem afirmado pelo Desembargador Daltoé, o despreparo de Varas que entraram nas famílias com ranços antigos, em crime às escuras, e que exige provas materiais, de preferência vídeo do abuso, autorizado pelo Juiz, e, portanto, do conhecimento do suspeito, que não se detém diante de nada. Laudos são feitos, por indicação de despotismo oculto, ditas, avaliações da criança em acareação, transformando este delicado momento revitimizante em tortura para a criança. São produzidos parágrafos de achismos onde é proibido afirmar que houve abuso, mas é corriqueiro afirmar que não houve abuso sexual intrafamiliar contra a criança. Quantos crimes com cadáveres concretos não são provados? Então eles nunca aconteceram? A voz da criança não é respeitada. A Escuta Protegida, método científico comprovado como fidedigno, cuidadoso e qualificado como a melhor possibilidade de executar o Princípio do Melhor Interesse da Criança, com pessoal gabaritado para tal, sala que segue padrões simples, mas adequados, Protocolo e Registro audiovisual, esta técnica é rechaçada como bobagem. O despreparo de Operadores de Justiça foi protagonizado por aquele Promotor. Acompanhado pelo silêncio que autorizava da Juíza, ele humilhou e ameaçou a adolescente que tinha ficado grávida do próprio pai, acusando-a de ter mentido esquecendo até que já havia um exame de DNA no embrião que comprovava a paternidade do avô. Encontramos a sentença de absolvição por um Juiz Criminal baseada na crença em seu olhômetro no momento da resposta à pergunta “o senhor fez isso com seu filho/a?”, ao que o suspeito, honrando a resposta de todo criminoso, até quando são flagrados de arma na mão e o assassinado estendido no chão, nega. A negação peremptória faz parte, aliás, de indicadores de autoria. Mas os juízes e psicólogas não o sabem e usam o mesmo advérbio, peremptoriamente, para afirmar que não houve abuso. Sentenças são dadas descrevendo o pai abusador como pessoa ilibada, de retidão de caráter, a partir desta observação do olhômetro, desconsiderando o Exame de Corpo de Delito positivo para conjunção carnal diversa, termo técnico para indício de abuso sexual em Medicina Legal, considerando apenas a negação peremptória do suspeito, crendo ser possível detectar um psicopata, crendo que ele use da verdade, crendo que ele tivesse escrúpulos, crendo que ele tivesse medo de alguma autoridade. Com sua frieza de afeto, sua capacidade de manipulação, com seu comportamento, milimetricamente, controlado para enganar, o Juiz empreende a tarefa, se utilizando de  critérios nada fundamentados. E, nada traz o princípio do contraditório nestes processos, porque tudo se transforma, magicamente, em prova contra a criança e a mãe. O abuso sexual intrafamiliar é um crime de violência de gênero, perversão em eleger o corpo de uma criança como objeto de desejo sexual, buscado a qualquer custo para atingir a mãe e destruindo-a em sua única capacidade intangível pelo homem, a maternidade.
       Violar os artigos do E.C.A., do Estatuto da Primeira Infância, o Art. 227 da Constituição Federal, e de todas as Convenções de Direito Fundamental da Criança que o Brasil é signatário, não tem sido levado a sério. A nossa sociedade de faz de conta não está dimensionando o prejuízo humano, do campo afetivo ao campo econômico/produtivo, que teremos dentro de algum tempo. São “danos que a ciência equipara ao estresse pós-traumático sofrido pelas vítimas do Holocausto, e dos veteranos de guerra, de tortura”, fato ressaltado pelos autores Daniel Goleman em “Inteligência Emocional”, e Maria Clara Sottomayor, em “Temas de Direito das Crianças”. Crescidas em imersão de transgressão, da frieza, do desrespeito, do isolamento, do medo, da intimidação, estas crianças são mais susceptíveis à depressão, à psicose, e, à psicopatia, tornando-se, portanto, inválidas sociais. São muitas, e severas, as sequelas dos sobreviventes do incesto. No jogo das identificações e contra identificações, o saldo é a culpa que carregam para sempre.

       Com o advento da internet, surgiram os grupos de adolescentes que praticam a automutilação. Crianças do incesto que nem a família nem o Estado se responsabilizaram. Solidão do segredo que protege um adulto a  quem ama e obedece. O corpo odiado por ser sede de vergonha, nojo e culpa, passa a ser punido como se fora o culpado. O ritual e a sensação  de ser acompanhado por outros que se solidarizam, virtualmente, o que lhes é mais confortável, não confiam no contato com o outro, preenche o deserto vazio, escaldante e gelado de tanta dor continuada. O sangue surge como vida que vem de dentro, morte que vem de fora, em riscados que chegam a ser artísticos. Braços, pernas, são partes que iniciam este ritual. Mas, nem sempre, este confronto vida/morte dura muito. A desesperança, a vontade de se livrar da dor insuportável, já reconhecida como equivalente à dor neoplásica, tem ceifado a vida destas crianças. O suicídio. A música o anuncia. Todas as noites. É a tal da perigosa justiça com as próprias mãos, que vem no vácuo institucional. Nossa responsabilidade. O choro de desespero tem que despertar a vontade política, a pública e a de cada um de nós. Urge uma postura política de todos com consistência, consequência e persistência.,

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