sábado, 16 de dezembro de 2023

O Direito da Criança ao MEDO. Parte II

O Direito da Criança ao MEDO. Parte II “Ana, achei o tema fantástico, então, o MEDO é bom para a Criança?” Recebi essa pergunta de um grande amigo, professor de Geopolítica em Escolas Superiores. Respondi o que vou escrever aqui hoje. O Medo cumpre uma função importante na Formação Humana. Assim, ele não deve ser negado, nem tão pouco incentivado, não deve ser um desafio de enfrentamento a qualquer custo, mas deve ser um instrumento de amadurecimento. É o MEDO que detém a chave do alerta de risco. O ser humano sofreu por 4 angústias primitivas que fizeram com que ele buscasse solução descobrindo o conhecimento. A saber: a angústia da fome, a angústia do frio, a angústia da dor, e a angústia do medo. Esta última é a única que não tem solução. Quando o homem se fixou na terra e descobriu o plantio, ele solucionou a fome. Isso não é uma verdade totalizada porque, até hoje, temos pessoas que vivem, em diferentes pontos do planeta em insegurança alimentar, de leve a severa. Para o frio descobrimos as peles dos animais e, logo a seguir, a arte de tecer fios tirados dessas peles. Também falhamos até hoje ao não conseguir contemplar a todos, alguns muitos ainda morrem de frio, mas as razões são outras, aliás, as mesmas da fome que persiste. A dor teve o benefício da Medicina, da Pesquisa Científica, e hoje até da Ciência Específica intitulada Medicina da Dor, com técnicas de alta precisão. Também não alcança todos, mas, não por ignorância que nos subjuga ao incômodo da dor, e, sim, por inacessibilidade para alguns muitos. No entanto, a angústia do MEDO nós não resolvemos e não iremos resolver. Ele é necessário para o desenvolvimento do sistema de alarme que anuncia o perigo a uma das nossas indispensáveis integridades. Aqui cabe a integridade física que zela pela manutenção da vida, a integridade psicológica que alimenta nossa segurança como pessoa, e nossa afetividade. O medo do estranho que surge em torno dos 6, 8 meses, é o primeiro treinamento que fazemos para não cair em mãos erradas. Crianças que não experimentam esse medo se tornam presas mais vulneráveis ainda para pessoas com intenções perversas. O MEDO parece estar ligado ao sistema límbico, sistema cerebral que é responsável por avaliar e dar respostas de defesa diante de ameaças, as mais variadas. A preservação da vida, em todos os seus níveis, portanto, depende do MEDO, do bom e saudável exercício do MEDO. O sentir MEDO aponta para a capacidade de dimensionar todos os estímulos e todas as experiências que uma Criança tem, desde bebê. Ela vem munida de curiosidade, de impulso explorador do mundo ao seu redor. A Criança é, naturalmente, epistemofílica. E essa busca incessante por conhecimento, do mais básico ao mais abstrato depois da adolescência, a empurra para um explorar e descobrir sem parar. À medida que a Criança vai crescendo e se habilitando em novas competências cognitivas, motoras, linguísticas, o MEDO vai deixando de ser concreto, tangível, e vai se fixando em estímulos, ainda concretos, mas menos perceptivos. Uma Criança que é vítima de violência física desenvolve um sistema de alerta pelo Medo sentido, nem sempre associado à figura daquele que o espanca. Para se defender e cumprir o pacto do silêncio exigido pelo agressor, a Criança desvia da figura principal e toma como objeto fobogênico um detalhe do ambiente, um móvel do ambiente, a luminosidade, um som, ou ruído específico. Agressores de Criança muitas vezes querem manter a aparente impressão de que são pessoas boas, “acima de qualquer suspeita”, empurrando, assim a sua vítima para o conluio com ele, fazendo com que ninguém desconfie de seu verdadeiro perfil de violência. E ter MEDO de seu agressor fica proibido por ele. Forçada a não expressar o MEDO daquele agressor, esse MEDO precisa tomar outros caminhos, se deslocar para outros espaços ou figuras que são difíceis de detectar. Pode também acontecer que a Criança tente se autoconvencer de que não tem MEDO de nada, já que não pode sentir MEDO daquele que a agride. Essa Criança passa a ser forte candidata à Criança de alto risco. São aqueles pequenos que estão sempre machucados, fraturados, porque pulam de alturas que estão acima do que poderiam pular, se jogam em cursos d’água sem saber se a altura permite, se aproximam de adultos estranhos, ou seja, são Crianças que não medem os perigos, pois esvaziam o pote de MEDO saudável, enquanto um organizador do auto sistema de proteção. O MEDO do adulto que não viveu, saudavelmente, essa função protetora, pode aparecer exatamente pegando uma carona no MEDO da Criança. Desfazer da emoção de apreensão e temor que a Criança está sentindo é uma das estratégias dos “grandes” camuflarem seu próprio MEDO. Não reconhecer a vulnerabilidade que precisa de apoio e não de deboche ou negação, é contribuir para um adoecimento que poderia ter deixado de existir. A função do MEDO é protetora, mas também não deve ser utilizada por adultos para mostrar Poder sobre pequenos. Esse é um apelo sempre abraçado pelos fracos, tripudiar em cima de um vulnerável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário