sexta-feira, 16 de junho de 2023

Pai, genitor, padrasto, avô, tio, e suas Crianças. Parte V

Pai, genitor, padrasto, avô, tio, e suas Crianças. Parte V. Perdi alguém. Mais um se foi. O Bola Preta. Também atendia por Bola, Bolota, Bolinha. Quando cheguei com ele, bebê, e ofereci para meu neto, vi um brilho naqueles 4 olhos, que nunca havia visto. Ali começava um amor. O menino se intitulou seu pai e insistia que o Bola era muito parecido com ele. O vínculo afetivo, pai e filho, estava selado. Mas o Bolota tinha aquela coceira nos dentes, e nada de saliências nos móveis sobreviveu. Amadureceu. Foi minha silenciosa companhia quando escrevi meu primeiro livro solo nas noites que varavam as madrugadas. O Bola deitava em cima dos meus pés enquanto escrevia no computador. Parecia entender que eu precisava de companhia, daquela presença silenciosa e calorosa. Como era importante aquele aquecer dos meus pés enquanto eu registrava as geleiras em avalanche dom comportamento de perversidade extrema que faziam parte da minha longa escuta profissional. O Bola parecia saber que me fazia bem. Envelheceu, mas nem tanto. Tornou-se um senhor calmo, fez novos vínculos, mostrando sua enorme capacidade de trocar afetos bons. Foi exemplar em distribuir amor. As Crianças se beneficiam muito desses afetos sem palavras. Os pets cumprem essa função de construir saudáveis vínculos afetivos para a vida toda. Com eles também, as Crianças experimentam as primeiras sensações e os primeiros sentimentos de equivalência dos laços familiares, não consanguíneos, mas muito sólidos. A boa paternidade não carece de título, de “Direitos”, de litígios judiciais. Precisa, primordialmente, de afeto de qualidade, de empatia, de cuidado, de responsabilidade, e de respeito pelo outro. Muito erramos quando atribuímos itens ao vínculo que não pertencem ao mundo dos afetos e não da convivência tornada quase métrica. Nesse momento de luto, penso também no que tem acontecido em nome do dogma judicial da alienação parental, acusação, frequentemente, atribuída às mães. São afastadas como se fossem de alta periculosidade. Quantas Crianças, além da Privação Materna Judicial, determinada por essa lei, sofrem também com a Privação de seus bichinhos de estimação? São entregues aos genitores sem levar nada de suas vidas. Seus afetos em bichinhos, em objetos, em roupas, em cheiros e luminosidade dos espaços da moradia de até então. É uma espécie de “nudez afetiva” a que são obrigadas, o que lhes aprofunda a sensação de desamparo daquele momento que não alcançam a compreensão. É preciso entender que isto tem um objetivo: fazer um corte profundo para que a Criança esqueça tudo que está associado à mãe. Isto é muito cruel com os pequenos. Quem se importa com o sofrimento da Criança quando se estabelece esse terreno pantanoso que prescinde de todas as evidências de uma outra coisa? A mãe é louca, ressentida, tem depressão, esquizofrenia, é mãe narcisista – o mais novo disparate da ignorância conceitual reinante – como se fosse possível essa mistura de diagnósticos. Vemos hoje processos de “guarda compartilhada de pets”, porque as pessoas se lembram que o cachorrinho ou o gatinho sentirá a falta daquele que se separou da casa. Mas ninguém pensa que uma Criança que passa a viver a Privação Materna Judicial, imposta pela lei de alienação parental, perde também esse afeto. O bichinho de estimação carrega grande representação, é fonte de importantes experiências afetivas na infância. É um equívoco basal achar que esse campo afetivo é substituível. Ter duas casas, como é comum ser falado, não é vantagem. Ao contrário. É um estímulo à desorganização interna. A mente da Criança necessita de limites, de repetição das mesmas coisas, de mesmice num determinado perímetro psíquico. Ou seja, ter duas casas é como não ter nenhum lugar seu. Assim podemos avaliar a dimensão do perder a sua casa, suas coisas, seus cheiros, seu bichinho, sua mãe. Perder seu Pet é um luto sem morte. Quantas vezes uma Criança pronuncia a palavra mãe por dia? Abortar, abruptamente, essa necessidade de falar o nome da mãe imprime uma dor calada e não localizada. Mas, profundamente, sentida.

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