sexta-feira, 8 de setembro de 2017

ESCUTA ESPECIAL, sobre a Lei 13.431/2017

ESCUTA ESPECIAL, sobre a Lei 13.431/2017
       A Lei 13.431/2017 aprovada em 04/04/2017 é chamada Lei da Escuta Especial. Pelo seu caráter de proteção, também é conhecida como Lei da Escuta Protegida porque ela vem contemplar as crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. É pela delicadeza e complexidade do momento da tomada de depoimento destas vítimas e testemunhas, que um grupo de estudiosos se dedicou à pesquisa da melhor e mais adequada metodologia para esta oitiva. Este depoimento tem como foco principal a proteção destes sujeitos vítimas, escuta e não inquérito, escuta dentro de ambiente físico agradável, mas tendo como meta a possibilidade de expressão da vítima ou da testemunha de uma violência sexual contra uma criança ou adolescente. E esta mudança para escuta exige mudança de postura daquele que ouve. A Formação Especializada e Permanente faz-se necessário. É crucial que a Equipe de Profissionais Múltiplos deva ser treinada continuada e especificamente para esta escuta especial.
       Elementos físicos que parecem detalhes, também têm sua importância. A ambiência vai para além de paredes que não devem ter motivos infantis, é o respeito à dor de uma revelação de uma violência ou de seu testemunho que mais conta. Se, o olho no olho da posição frontal das cadeiras de quem fala e de que ouve intimida e inibe, como admitir a acareação. Esta fica proibida pela Lei da Escuta Especial. A inadequada e traumatizante acareação, aliás, é a expressão do despreparo de um psicólogo forense numa avaliação onde houve uma queixa de violência sexual. É o acolhimento e o respeito que proporcionarão a perspectiva do resgate do espaço humano que lhe foi violado.
             No Brasil, historicamente, um Juiz do Rio Grande do Sul chamado Daltoé, hoje Desembargador, teve sua atenção cuidadosa despertada para a necessidade de se colocar a criança numa situação em que o dano causado pela revelação judicial, um inquérito da violência, fosse minimizado. Assim o chamou de D.S.D., Depoimento Sem Dano, reconhecendo como o questionamento em condições de acareação era revitimizante para a criança ou adolescente. A sala de depoimento sem dano, DSD, foi então concebida como sendo um ambiente com alguns brinquedos, papel e lápis, e uma parede de espelhos unilaterais. O avaliador que deveria ter formação específica para este tipo de depoimento, mantinha um ponto de áudio com o Juiz e o Promotor, que estavam do outro lado da parede de espelhos, acompanhando a avaliação e pedindo mais esclarecimentos quando se fazia necessário. A evolução foi muito grande porque desta feita o Juiz e o Promotor podiam assistir ao comportamento e às respostas gestuais da criança/adolescente vítima. Mas a falta de registro apesar do juiz assistir, a falta de protocolo, e a falta de vontade dos Operadores de Justiça em se capacitar para tirar desta técnica a confiabilidade que ela oferece, fez com que não progredisse muito nos processos que continham denúncia de abuso sexual. Além disso, os advogados dos pais suspeitos começaram a conseguir que eles assistissem à oitiva junto nesta sala contigua, o que trouxe o retorno da intimidação da criança. Um menino de 6 anos fala no início da apresentação da psicóloga forense: “eu sei que meu pai está aí atrás, ele me disse, agora eu estou morando com ele, depois daqui vou prá casa dele”. A presença do pai/suspeito contaminando o método, e, consequentemente as respostas da vítima. O medo das ameaças faz negar ou não responder, até em gente grande. Era preciso retomar a garantia da segurança para a criança. Era preciso evoluir, e desta necessidade de aprimoramento, foi gerada a Escuta Especial.
        Há 4 anos a Childhood Brasil lançou em São Paulo uma Publicação do resultado de pesquisa sobre a Escuta Protegida, na qual, entre vasto elenco de conhecimentos comprovados, afirma que aos 4 anos de idade a criança, que sofreu ou sofre uma violência sexual, é, absolutamente, capaz de responder a 3 perguntas: “o que”, “quem”, e “onde”. À escuta de criança aos 5 anos pode-se acrescentar a estas perguntas o “quando”, que não vem em data de calendário ou dia da semana, mas em relação a algum acontecimento ou à sua própria idade. Assim, fica evidente pelas pesquisas realizadas em diversos países referência em respeito ao desenvolvimento cognitivo da criança, a possível confiabilidade de seu relato. A partir desta pesquisa, a Childhood Brasil elaborou, através desta competente equipe, o estudo das metodologias desta escuta especial que se tornou lei pela importância da meta do estudo: a geração de uma nova ética da oitiva. Passou de inquirição, onde sempre transparecia o descrédito, percebido pela criança, para escuta, onde não pesa sobre a criança a obrigação de provar ali o que está dizendo.
              Benedito Rodrigues dos Santos, Vanessa Nascimento Viana, Itamar Batista Gonçalves, com a participação de Paola Barros Barbieri e Maria Gorete Vasconcelos, escreveram “CRIANÇAS e ADOLESCENTES VÍTIMAS ou TESTEMUNHAS de VIOLÊNCIA SEXUAL: METODOLOGIAS PARA TOMADA DE DEPOIMENTO ESPECIA”. Este livro é fruto de 4 anos de pesquisas nas experiências de 28 países já citados pela Childhood Brasil como países referência em testemunho de crianças e adolescentes vítimas em sistema de segurança e justiça.
       As técnicas de tomada de depoimento da escuta especial tem como foco principal a capacidade da criança de revelar uma violência sofrida ou testemunhada. O espaço jurídico para o instituto testemunha, que não havia, é de suma importância porque reconhece na voz de quem testemunhou uma violência, o Direito de ser sujeito. Na amostra pesquisada, 26 dos 28 países operaram mudanças nos seus Códigos Penais para contemplar alternativas de escuta de crianças e adolescentes testemunhas que incluem sistema de proteção, abrangendo também técnicos, peritos, professores, psicólogos, que testemunhem indicando os indícios da violência sofrida. Hoje, temos a prática de “Backlash”, termo que define a retaliação de Processos, nas áreas profissional e financeira dos técnicos que fazem laudos ou testemunham mostrando estes indícios de abusos sexuais intrafamiliares. A frequência de Backlash, já conhecida desde os anos 90, tem afastado profissionais de qualidade do exercício deste trabalho por perseguição processual em seus Conselhos de Classe, ou por medo de vir a tê-los.  
       O retorno do foco para a criança ou adolescente vítima de violência sexual promove uma mudança de objeto de estudo, e inaugura uma nova ética na oitiva. O compromisso com a criança e a adequação da escuta à sua faixa etária, ao seu desenvolvimento cognitivo, trazem a garantia dos Direitos Fundamentais.
       A Lei 13.431/2017, a Lei da Escuta Especial, estabelece que a ambiência deve ser asseguradora. É escuta e não inquirição. A posição de lateralidade das cadeiras de examinador e vítima visa respeitar o espaço emocional da vítima, ao retirar o “olho no olho” intimidatório da acareação. Para que esta receptividade acolhedora da revelação de um fato traumático, porquanto, o abuso sexual intrafamiliar é praticado por um adulto que a criança ama e obedece, é preciso que haja uma Formação Permanente dos profissionais para que este afeto da criança pelo seu abusador não seja mal interpretado como vem sendo, entendido, inclusive, como “prova” de que não houve abuso. Equívoco grosseiro. O respeito à necessidade de proteção após uma oitiva em que há revelação de abuso, é o respeito pela vulnerabilidade da criança ou adolescente.
       O cuidado com a linguagem usada pela criança é o cuidado com a averiguação de uma possível contaminação de um discurso adultiforme, alheio a sua capacidade e conhecimento compatível com sua idade. A boa formação especializada de um profissional examinador lhe permite detectar, com segurança, falas extracorpóreas. A mentira não é praticada pela criança pequena, que tem sinceridade por vezes até inconveniente, pois para ela a verdade prevalece acima de tudo. Em queixas de abuso são encontradas cerca de 5% de mentira dita por púberes e adolescentes, pois ela só aparece em idade acima de 11 anos, por motivo de uma vantagem, em geral, ligada a burlar uma visita para obter um programa mais interessante. (ABRAPIA).
       Como as avaliações psicológicas seguiam o guia de orientação para defesa de pais agressores/abusadores da autoria do médico pedófilo que defendia a pedofilia, Gardner, que se baseava numa síndrome por ele inventada, a síndrome da alienação parental, os laudos eram subjetivos e interpretativos. Esta síndrome da alienação parental não foi reconhecida, em nenhum momento, pelas associações científicas internacionais médicas e psicológicas. Assim, não seria possível padronizar, como é devido em Ciência, o produto da avaliação. O elemento descritivo que universaliza, não existe, só a interpretação subjetiva de cada pessoa que avalia a comunicação da criança. Assim a criança segue durante anos e anos a repetir seu relato desvalorizado e desacreditado judicialmente, promovendo a revitimização. Vale ressaltar que Gardner pregava (páginas 540 e seguintes de seu livro “True and False Accusations of Child Sex Abuse”), que a criança vítima de abuso sexual deveria ter repetido o fato, exaustivamente, e exposto inclusive em vídeos assistidos pela criança junto com o “terapeuta”, para fazer desaparecer o trauma. Portanto, para este autor que cunhou o conceito contido na Lei da Alienação Parental, a revitimização tem como meta a naturalização do abuso incestuoso, cumprindo assim uma função de minimizar e normalizar a pedofilia por ele defendida como benéfica à criança e garantia da preservação da espécie humana. (páginas 24 e 25 do mesmo livro).
       A preocupação com o dano causado à criança e ao adolescente pelo abuso sexual intrafamiliar está no cuidado da Lei 13.431/2017 com relação à revitimização e seus danos irreparáveis. Para tanto a Escuta Especial tem o registro audiovisual da oitiva, que é da responsabilidade do Juiz da Vara, onde é possível ver e ouvir, ao vivo e não por relato interpretativo de terceiro, como foi relatado o abuso durante a oitiva, e para além da verbalização, é possível observar as respostas gestuais que a criança comunicou. Este registro é único, evitando a repetição “gardineriana” que acaba por calar a criança pela exaustão.
       Nesta mesma perspectiva de respeito à criança e cientificidade, a Lei 13.431/2017 estabelece o Protocolo da oitiva. Esta é uma norma que traz a universalidade do que é feito em Ciência, com a objetividade que é comum a procedimentos criteriosos, o que permite pesquisa e contestação, com respeito ao princípio do contraditório, inexistente na lei de alienação parental e nos laudos subjetivos.

       Diante do exposto, à luz do Direito à Saúde Física e Mental, como rezam todos os Artigos de Proteção do E.C.A., do Marco Legal da Primeira Infância e da Constituição Federal, e respeitados os Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, toda criança deve ter respeitado o seu direito à Escuta Especial, Lei 13.431/2017, e, como proíbe esta Lei, não se deve permitir que seja cometida nenhuma revitimização em avaliação torturante realizada por pessoas despreparadas. Quando há uma suspeita de abuso sexual intrafamiliar, deve ser este o objeto da avaliação e não o gatilho de travestir ato libidinoso incestuoso em alienação parental, como instruía Gardner. A revitimização por avaliações que não sigam o padrão científico contido na Lei 13.431/2017, já aprovada, é o crime institucional contra a criança que denuncia um abuso sexual intrafamiliar.                   

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