quinta-feira, 25 de agosto de 2016

“No meio do caminho tinha uma pedra”
Opeadores de Justiça: despreparo, negligência ou intenção?







       A frase do maravilhoso Poema de Carlos Drummond de Andrade nos empresta a função da poesia na nossa vida: tirar-nos da realidade e colocar-nos dentro da realidade. Aqui, o poeta usa um tempo indefinido e anônimo. A frase é fenomenológica. A pedra está no caminho. Quem, por que, para que, não importa na poesia.
       No entanto, quando é ouvida uma frase no imperativo, vinda do judiciário,“ vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que se passou com sua criança”, soa muito incoerente. A ordem no início da frase deixa claro a necessidade de uma crucial sentença oral e não escrita como deveria. Num futuro próximo, talvez imediato. Por que? Deixa claro também o desconhecimento das sequelas permanentes, a tatuagem na alma de meninos e meninas. É, estamos falando de abuso sexual intrafamiliar. Pedra em cima do assunto falado ou reclamado nos tribunais? Para que? Será que existiria alguma pedra para a dor psicológica de uma criança que foi abusada pelo pai? E, se existisse, como seria sua aplicação? Não dá muito certo colocar na frente do túmulo.
       “Vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que aconteceu com sua criança”. Fica claro também que o Operador de Justiça aqui tem conhecimento do que aconteceu. Ou seja, ele sabe que a criança sofreu um abuso sexual intrafamiliar que ensejou sua queixa à mãe. Esta é a maneira mais frequente de vir à tona.
       “Vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que aconteceu com sua criança.” Outro desconhecimento se evidencia aqui. O abusador é um perverso compulsivo. Portanto ele nunca deixará de abusar de seu filho ou filha, mesmo durante e depois de um processo em que está sendo acusado. Como será a vida da mãe, do pai abusador e da criança a partir desta instrução autoritária. A pedra vai impedir de sentir? A pedra vai impedir de pensar? Ou a pedra vai instituir a mentira de ser?
       “Vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que aconteceu com sua criança”. Parece que esta frase foi decorada por inúmeros Operadores de Justiça. Diferente desta só uma “Convida seu ex-marido para passear e leva o filho de vocês, ele vai ver que vocês são amigos e vai parar de falar disso” (isso era abuso), dita, em meio a um segundo processo criminal, por um Operador de Justiça.

       “Vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que aconteceu com sua criança”. Apesar de nos remeter ao poema, a frase é infeliz. Evidencia a falência da Lei. O Operador de Justiça fracassou. E, a criança, que tem em seu Estatuto vários artigos que rezam pela sua proteção, pela não opressão, pela sua dignidade, e pela sua integridade física, psicológica e moral, que está sob o Princípio do Melhor Interesse dela, a criança continuará embaixo da pedra.
          "Vocês vão ter que botar uma pedra sobre o que aconteceu com sua criança". Matar é crime, roubar é crime, abusar sexualmente de uma criança não é crime, bota uma pedra em cima e está tudo resolvido.
           Em cima de onde?
                                          "Tinha uma pedra no meio do caminho" 

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