sexta-feira, 1 de julho de 2022

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade, a tolerância. Parte X

Torturar uma Criança, a vulnerabilidade, a tolerância. Parte X Tortura física, com marcas visíveis ou invisíveis, com sequelas visíveis ou invisíveis. Tortura psicológica que, geralmente, só mostra suas sequelas muitos anos depois, já cristalizadas como sintomas. Tortura Institucional, a judicialização da infância, fase do desenvolvimento que acaba e que os processos seguem, sem respeito ao tempo que foi perdido pela Criança. Nessa judicialização, em nome do sabor do exercício do Poder, Operadores de Justiça perdem a boa e velha noção básica do bom senso, das necessidades primordiais, e subvertem a ordem da natureza, obrigando Crianças a sufocarem afetos que seriam estruturantes da personalidade e princípios do caráter. Parece que o ato de torturar uma Criança está, diretamente, relacionado com a condição peculiar de dependência e fragilidade, tanto física quanto mental, que compõem o conceito de vulnerabilidade. Este estado provoca em mentes que sofrem de medo e insegurança, a sensação de Poder que auto engana o adulto que não conseguiu se libertar de seus próprios medos infantis, seus antigos sofrimentos em que estava nesse lugar do dominado, do oprimido. Acrescento aqui a hipótese de que a empatia com a dor da Criança foi bloqueada para que, ilusoriamente, não seja invadido pela própria dor, tão bem sepultada em nome da sobrevivência psíquica. Tornar-se seco, insensível, banalizador da dor alheia, é o mecanismo de defesa que sustenta a atitude institucional que viola Direitos Fundamentais de Criança, pretendendo estar a “proteger” de um inimigo imaginário, nestes casos, a mãe. A tolerância da Criança para suportar as mais diferentes situações torturantes está alojada em sua vulnerabilidade, em sua condição da permanente exigência de obediência aos adultos, ela sabe que não tem competência para ter autonomia, ela sabe de sua dependência física e, consequentemente, emocional por esses adultos. “Criança não tem querer”, mas Criança é Sujeito de Direito. O Cuidado é um valor jurídico, mas é o descuidado que frequenta as salas da justiça. Num momento de seu desenvolvimento cognitivo que o único código possível é o “pode” e o “não pode” para suas tentativas de exploração do mundo do seu entorno, a Criança é empurrada na direção de um código ético duplo de um adulto, nos casos de abuso intrafamiliar, grave crime que está cada vez mais acobertado e negado, cuja duplicidade atordoa a mente em formação da Criança. O “não pode” convive com o “pode” só comigo, ou seja, não pode ter comportamento libidinoso e sexualizado com ninguém nem em lugar nenhum, mas aquele adulto pode ter prazer sexual sigiloso com aquela Criança, dentro da casa da família, no ambiente que é de sua necessária referência. Pergunta-se, com frequência, por que a Criança não grita, não fala logo, na negação da condição de vulnerabilidade e de tolerância pela obediência ao adulto. Mas ela grita e não é escutada. Seu grito é silencioso, mas visível para quem tiver coragem de ver. Quantas vezes a Criança chora e grita desesperada, fala as claras palavras “eu não quero ir”, mas é obrigada por uma decisão judicial que nunca escutou esse desespero, e, por facilidade, prefere imaginar que é a mãe que “fez a cabeça do filho”. Em total discordância com o conhecimento científico que afirma que a Criança pensa com o raciocínio concreto, quando a experiência é seu modus operandi até os 12 anos, a mãe é acusada de “programar” a mente da Criança. Em contrapartida, surge uma nova especialidade entre psicólogos que se submetem a essas perversidades pseudocientíficas: Psicólogos Reprogramadores. Sob o olhar da coisificação do Ser Criança, essas pessoas passam a desmontar as lembranças dos abusos dando uma nova interpretação produzida na acusação à mãe. Esse é um projeto que ganha uma facilitação na coincidência do tempo do processo interno de Desistência e no Processo de Retratação que a Criança afastada da mãe e entregue a seu agressor. É essa a questão. A desistência pela repetição revitimizante e que não é escutada pelas pessoas que têm com propósito olhar a Criança Sujeito de Direito, à luz do Princípio do Melhor Interesse da Criança. Ao contrário disso, temos, por exemplo, uma afirmação que não se sabe de onde surgiu, em qual teoria científica de Desenvolvimento Infantil se sustenta, o início do pernoite com o pai a partir dos 6 meses. Totalmente inadequado, totalmente nocivo, porque aos 6 meses a Criança está passando por uma mudança de percepção de mundo que produz uma alteração emocional com uma agudização da dependência pela presença concreta da mãe. René Spitz conceituou essa fase do desenvolvimento motor que tem repercussão na esfera afetiva, mostra um aumento do medo como emoção predominante quando da ausência, mesmo que curta, da mãe no ambiente. A aquisição motora do sentar é de grande importância para a percepção, a mudança das dimensões e tamanhos que surgem a partir do eixo do corpo do bebê sentado ao chão, que passa a ser o ponto zero nessa percepção. Tirar esse bebê de seu ambiente neste momento é desastroso e pode patrocinar sintomas e alterações que podem vir a ser permanentes. Mas, parece, que a roda do ouro dos ganhos de profissionais que já fizeram dessas que, para a simplificação e desvio de corretos propósitos, são chamadas de “disputa de guarda”, em mais uma clara expressão da cleptoepistemologia que assola essa área. Disputa de guarda é quando há discordâncias quanto a posições educacionais, por exemplo. Crime de abuso sexual incestuoso não é disputa de guarda. É uma tentativa, hoje inócua, de proteção pretendida pela mãe cuidadosa. A Igualdade Parental, outra expressão de cleptoepistemologia que faz parte do romance jurídico, deveria estar voltada para a Igualdade de Responsabilidades Parentais, e não na pretensa divisão do tempo da Criança ao meio. Algum de nós suportaria viver em duas casas, carregando na mochila sua vida?

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