Desenvolvimento
Afetivo, como nos tornamos humanos.
Parte IV.
Com a ONG Vozes de Anjos, nosso principal
crédito pela importância e extensão da meta de Proteção à Infância e à
Maternidade, pensamos cada vez mais na imensa dimensão da construção do afeto,
esta viga da existência de todos. Pensar o afeto de cada indivíduo em contexto
de coletividade, nas tendências de comportamento de uma sociedade, tem sido um
desafio. O hoje pelo coletivo das crianças, o hoje pelo coletivo dos adultos,
as crianças de ontem, que hoje são os modelos de afeto destas crianças. O afeto
recebido hoje por uma criança/filho será o combustível do afeto que ela
dispensará na vida adulta para a criança/filho que cruzará seu caminho amanhã,
numa cadeia sequencial.
Importante lembrar que a criança precisa
do afeto e dos cuidados da mãe do nascimento aos 7 anos. Entenda-se aqui que a importância da mãe, o
cuidado dela, o olhar dela, o colo dela, durante a primeira infância,
constitui-se o alicerce para o desenvolvimento saudável. Não estou excluindo o
pai, sua importância complementar nas primeiras relações, é inconteste. Mas, o
alimento afeto vem com primazia da função que a mãe exerce. O pai entra na vida
mental como o que traz a lei, o ordenamento. E por isso mesmo, uma criança não
deve ser afastada de sua mãe na primeira infância. O abandono materno quando
ocorre, causa um dano de difícil recuperação. A substituição da função materna
é aceita pela criança porque ela tem noção de sua dependência deste afeto e do
cuidado que precisa para sua sobrevivência. A relação paterno-filial que,
gradualmente é construída, tecerá uma malha de identificações onde o vínculo
será seu eixo. O vínculo não é aparente, não é convivência, não está submetido
à obediência, nem mesmo a existência concreta. Explicando: uma criança pode
desenvolver um ótimo vínculo com a memória do pai já morto. O Vínculo é da
ordem do afeto sentido. E, mesmo que alimentado por expressões reais de afeto,
ele pode também ser construído pelo discurso do ambiente materno que passa uma
figura de referência para a criança.
Dos quatro vetores do desenvolvimento
psicológico da criança, que já abordamos aqui nesta Coluna, o afetivo é o único
que é, essencialmente, receptivo. O desenvolvimento motor, o linguístico, e o
cognitivo, são vetores que mantêm uma dinâmica troca de estímulos-respostas, e
que tem a força da natureza como aliada. A força do processo natural é
determinante e impulsiona o crescimento para sustentar a cabeça, para segurar
um pincel, para articular uma palavra-desejo, para repetir uma ação com a
intenção da obtenção de uma satisfação. Todos, comportamentos proativos.
No entanto, o desenvolvimento afetivo tem
característica, essencialmente, passiva. Melhor dizendo, o afeto, que é
necessário e perpassa todos os outros modos de crescer, é esperado
passivamente. Ele é um vetor de desenvolvimento receptivo, sem muita iniciativa
da criança.
O egoísmo dirigido pela busca ameaçadora
da sobrevivência é a condição comum a todas as crianças nos primeiros meses e
anos de vida. O alimento nutriente traz a angústia da fome pela dependência de
ser alimentado. O alimento afeto é preciso ser garimpado pelo bebê nos olhares,
sorrisos, aconchego, no colo materno, preferencialmente. E seu trabalho para
ser amado começa aqui. E não é difícil imaginar o quanto é árdua essa
construção, da qual ele fará uso por nutrição todos os dias da sua vida. A
incerteza dos afetos que o bebê entrará em contato, tem que se submeter à
experiência. É um aprendizado afetivo, que nem sempre é possível, porque há
afetos que confundem, que esfriam, que destroem.
O alimento afeto aparece de várias formas.
Logo o bebê conseguirá estabelecer uma espécie de compromisso, mesmo dentro de
seu egoísmo, de dar afeto para receber afeto. Mas nesta relação afetiva que vai
sendo construída pela díade mãe-bebê, numa via de dois sentidos, num vai e
volta contínuo, o afeto recebido pelo bebê pode ser saudável, cuidadoso de
qualidade. Pode vir em ausência de afeto. Pode ser um afeto raivoso, agressivo.
Pode ser um afeto dissimulado, ambivalente, hoje amor, amanhã ódio.
Cada tipo de afeto produz, no serzinho em
formação, tipos diferentes de afeto que influenciarão o perfil, influenciando a
saúde ou a doença mental no futuro. Efeitos e estragos vão sendo sedimentados.
Continuaremos o tema na próxima semana,
abordando a carência afetiva, a condição que aprisiona o indivíduo na busca de
relações de dependência, o aniquilamento afetivo, que pode vir acompanhado de perversidade,
ou a desconfiança afetiva que impede a construção de relações saudáveis, numa
tormenta sem fim.
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