domingo, 17 de maio de 2020


Desenvolvimento Afetivo, como nos tornamos humanos.  Parte IV.
     Com a ONG Vozes de Anjos, nosso principal crédito pela importância e extensão da meta de Proteção à Infância e à Maternidade, pensamos cada vez mais na imensa dimensão da construção do afeto, esta viga da existência de todos. Pensar o afeto de cada indivíduo em contexto de coletividade, nas tendências de comportamento de uma sociedade, tem sido um desafio. O hoje pelo coletivo das crianças, o hoje pelo coletivo dos adultos, as crianças de ontem, que hoje são os modelos de afeto destas crianças. O afeto recebido hoje por uma criança/filho será o combustível do afeto que ela dispensará na vida adulta para a criança/filho que cruzará seu caminho amanhã, numa cadeia sequencial.
     Importante lembrar que a criança precisa do afeto e dos cuidados da mãe do nascimento aos 7 anos.  Entenda-se aqui que a importância da mãe, o cuidado dela, o olhar dela, o colo dela, durante a primeira infância, constitui-se o alicerce para o desenvolvimento saudável. Não estou excluindo o pai, sua importância complementar nas primeiras relações, é inconteste. Mas, o alimento afeto vem com primazia da função que a mãe exerce. O pai entra na vida mental como o que traz a lei, o ordenamento. E por isso mesmo, uma criança não deve ser afastada de sua mãe na primeira infância. O abandono materno quando ocorre, causa um dano de difícil recuperação. A substituição da função materna é aceita pela criança porque ela tem noção de sua dependência deste afeto e do cuidado que precisa para sua sobrevivência. A relação paterno-filial que, gradualmente é construída, tecerá uma malha de identificações onde o vínculo será seu eixo. O vínculo não é aparente, não é convivência, não está submetido à obediência, nem mesmo a existência concreta. Explicando: uma criança pode desenvolver um ótimo vínculo com a memória do pai já morto. O Vínculo é da ordem do afeto sentido. E, mesmo que alimentado por expressões reais de afeto, ele pode também ser construído pelo discurso do ambiente materno que passa uma figura de referência para a criança.  
     Dos quatro vetores do desenvolvimento psicológico da criança, que já abordamos aqui nesta Coluna, o afetivo é o único que é, essencialmente, receptivo. O desenvolvimento motor, o linguístico, e o cognitivo, são vetores que mantêm uma dinâmica troca de estímulos-respostas, e que tem a força da natureza como aliada. A força do processo natural é determinante e impulsiona o crescimento para sustentar a cabeça, para segurar um pincel, para articular uma palavra-desejo, para repetir uma ação com a intenção da obtenção de uma satisfação. Todos, comportamentos proativos.
     No entanto, o desenvolvimento afetivo tem característica, essencialmente, passiva. Melhor dizendo, o afeto, que é necessário e perpassa todos os outros modos de crescer, é esperado passivamente. Ele é um vetor de desenvolvimento receptivo, sem muita iniciativa da criança.  
     O egoísmo dirigido pela busca ameaçadora da sobrevivência é a condição comum a todas as crianças nos primeiros meses e anos de vida. O alimento nutriente traz a angústia da fome pela dependência de ser alimentado. O alimento afeto é preciso ser garimpado pelo bebê nos olhares, sorrisos, aconchego, no colo materno, preferencialmente. E seu trabalho para ser amado começa aqui. E não é difícil imaginar o quanto é árdua essa construção, da qual ele fará uso por nutrição todos os dias da sua vida. A incerteza dos afetos que o bebê entrará em contato, tem que se submeter à experiência. É um aprendizado afetivo, que nem sempre é possível, porque há afetos que confundem, que esfriam, que destroem.
     O alimento afeto aparece de várias formas. Logo o bebê conseguirá estabelecer uma espécie de compromisso, mesmo dentro de seu egoísmo, de dar afeto para receber afeto. Mas nesta relação afetiva que vai sendo construída pela díade mãe-bebê, numa via de dois sentidos, num vai e volta contínuo, o afeto recebido pelo bebê pode ser saudável, cuidadoso de qualidade. Pode vir em ausência de afeto. Pode ser um afeto raivoso, agressivo. Pode ser um afeto dissimulado, ambivalente, hoje amor, amanhã ódio.
     Cada tipo de afeto produz, no serzinho em formação, tipos diferentes de afeto que influenciarão o perfil, influenciando a saúde ou a doença mental no futuro. Efeitos e estragos vão sendo sedimentados.
     Continuaremos o tema na próxima semana, abordando a carência afetiva, a condição que aprisiona o indivíduo na busca de relações de dependência, o aniquilamento afetivo, que pode vir acompanhado de perversidade, ou a desconfiança afetiva que impede a construção de relações saudáveis, numa tormenta sem fim.

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