sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Infanticídio: quem ama, cuida.

Infanticídio: quem ama, cuida


         A inclusão do afeto e do cuidado como valores jurídicos é de fundamental importância para a saúde de nossas crianças e vem juntar-se ao Projeto de Lei nº 2654-03 sobre a interdição da punição física de crianças e adolescentes.
         Conceitos psicológicos fundamentais foram adquiridos nestes, últimos tempos, pelos Advogados, Promotores, e Juízes de Varas de Família, garantindo às crianças e aos adolescentes o convívio com os elementos familiares essenciais que estão na estrutura de formação da mente humana. Sabemos hoje que a participação do pai desde o início da vida de uma criança tem importância para seu desenvolvimento. Sabemos também que uma união rompida não deve desfazer os laços familiares entre pais e filhos, e, quando novas uniões destes pais surgem, a justiça tem garantido a permanência destes laços.
         No entanto, parece que estes conceitos se transformaram em “mitos familiares” que tem ocasionado distorções danosas para o desenvolvimento psicológico de muitas crianças e adolescentes, comprometendo assim a sua saúde física e emocional. Refiro-me aqui à consagração dos  conceitos “mãe” e “pai”. O famoso “instinto materno” que justifica a permanência da criança ao lado de “mães” que só tem o título biológico. Tornar-se mãe não é compulsório, nem instintivo. É uma possibilidade afetiva, e como tal vai depender da experiência vivida como filha e da rede de identificações positivas e construtivas que estruturaram a sua afetividade. Muitas mulheres tentam se sentir “mãe” assumindo a posse do filho através do seu corpo: “saiu de mim, é meu”. E, se escondendo atrás da “explicação” de corretivo, ocupam o primeiro lugar nas estatísticas de denúncias de violência física com o índice de 52% praticada por elas, as mães, contra 24% praticadas pelos pais, 8% por padrastos. Temos 84% num triste total. Como afirmamos no artigo “Violência e Afeto”, publicado em fevereiro de 2006, se acrescentarmos as “palmadas moderadas educativas” a estes índices baseados em denúncias, alcançaremos alarmantes escores. Todo espancamento começou por uma palmada.
      A qualidade das relações afetivas intra-familiares se degradaram e vínculos se tornaram, em grande parte, descartáveis. Devemos ter muito cuidado ao afirmarmos, automaticamente, que toda criança precisa ficar com a mãe. Toda criança precisa de mãe, mas nem sempre da sua mãe.
         O mito de que a presença do pai é indispensável para o desenvolvimento da criança, nos coloca diante de outra distorção: pais que abusaram sexualmente de um filho ou filha tem um convívio garantido judicialmente pela visita supervisionada. É preciso pensar que a importância do pai, aquele que assim se comporta, no desenvolvimento da criança está correta, mas um pai que usou o corpo de seu filho/a para obter um prazer sexual, abriu mão de sua função de pai, atacou e destruiu a mente da criança através de posse do corpo dela para satisfação concreta de sua perversão. A agressão física como desculpa educativa não passa da busca do prazer infantil de um pequeno poder em relação a um mais fraco. A compulsão à repetição é selada pela aquisição da relação algoz-vítima que se inverterá na idade adulta: negligenciado hoje, negligente amanhã, abusado hoje, abusador amanhã, espancado hoje, espancador amanhã.
       A sobrevivência psíquica transborda compromissos pecuniários de sobrevivência corporal. O homem nasce muito frágil e com inúmeras dependências de um adulto que lhe seja especial. O leite e o afeto que lhe são oferecidos através dos cuidados básicos, são sua única possibilidade de continuar existindo. O afeto é a fonte fundamental de coesão e estruturação mental saudável e da saúde como um todo. E o cuidado é a expressão deste afeto de qualidade.
        O infanticídio foi tolerado até o século XVII.  Mas temos que reconhecer que hoje praticamos o infanticídio psicológico quando pais espancam seus filhos, meninas ficam presas em cela com detidos adultos, crianças se prostituem em nossas orlas, meninos são aliciados por sites de pedofilia, meninas são torturadas pela “mãe”, menino é esquartejado pelas ruas sem lei, crianças são jogadas pela janela, bebês são jogados contra a parede ou afogados em lagoas ou morrem de dengue, situações perversas de abandono, negligência e violência, de descuido e desafeto, que nós, pais, professores, políticos, instituições, mídia, permitimos com nossas omissões, com a obediência a mitos, com a falta de tempo e de responsabilidade. Porque se um morre, fica o medo de ser o próximo.
       Citando a poesia de Débora Duarte diante de sua primeira maternidade:           
                            ...  “ Entre espanto e medo         
                                        Me irrito e enterneço ante tua dependência passiva...
                                    Te desejo

                                    Tenho medo do poder de te matar”...     

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