quarta-feira, 23 de agosto de 2017


Transcrevo aqui este precioso texto da Psicóloga Suely Pavan Zanella:

RELATÓRIOS PSICOLÓGICOS NOS PROCESSOS DE GUARDA
Suely Pavan Zanella
Em 1998 quando criei o primeiro curso de Laudos Estratégicos para Seleção e Avaliação de Potencial, fui pesquisar o tema e a única coisa que encontrei na época foram laudos destinados aos processos de guarda de filhos. Lembro-me bem de um artigo de um jornal de psicologia que dizia que os juízes, na maioria dos casos, ficavam confusos ao deparar-se com os laudos psicológicos, pois nunca sabiam para quem de fato seria recomendável entregar o filho, se para o pai ou para a mãe. O motivo na época era a total falta de objetividade desses laudos que mais confundiam os juízes do que os esclareciam. Embora na época o tema de meu interesse fosse o contexto empresarial sentia a mesma insegurança dos juízes quando contratava agencias de emprego ou consultorias de renome para cargos executivos. Nestes laudos ou pareceres, encontrava repetições de termos, todos os laudos eram semelhantes, havia excessos de “me parece que”, além de uma linguagem excessivamente “psi”. Conversei com meus clientes da época em que trabalhei na DINAP do Grupo Abril e eles me falaram que sentiam a mesma dificuldade, e disseram que os laudos enviados por estas agencias de emprego e consultorias não serviam absolutamente para nada. Não davam diretrizes psicológicas mínimas, e muito menos mostravam do ponto de vista relacional como esses gestores deveriam tratar, no contexto da empresa, estes novos funcionários visando o seu desenvolvimento.
Criei o curso, divulguei e muita gente foi treinada nele, foi um sucesso, até que passou a ser copiado inadvertidamente e sem a minha autorização. Ao notar um baixo interesse em fazer os laudos por parte do pessoal de RH, já que dá trabalho e é uma atividade bastante técnica calcada em dados e instrumentos científicos da psicologia, alem de clientes de empresas mais focados nos aspectos técnicos dos cargos do que nos comportamentais, resolvi parar de ministrar o curso.
E há, sem dúvida alguma, um empirismo do tipo “gosto ou não gosto” na hora da contratação tanto por parte dos RHs, como das empresas, além da pressa, da preguiça e das coisas feitas de qualquer jeito, que dá até desgosto para profissionais com anos de experiência como eu continuar a ministrar cursos deste tipo.
Minha surpresa atual advém de outra demanda a dos Relatórios Psicológicos nos processos de Guarda, que parece crescer em função das Leis de Guarda Compartilhada e Alienação Parental.
Isso, à primeiro vista, parece ser ótimo, já que finalmente o judiciário começa a dar valor à opinião dos psicólogos clínicos. Opinião essa advinda de especialistas em comportamento humano e não de opiniismos ou psicologismos tão comuns ao meio empresarial.
Mas, a realidade não é essa, e é até ingênuo pensar deste modo.
Há alguns anos tive a oportunidade de ler um laudo psicológico advindo do próprio judiciário e que compunha o relatório psicossocial, aquele que é feito tanto por uma psicóloga quanto por uma assistente social, ambas funcionárias do judiciário. Quase cai de costas!
No relatório da assistente social era possível ler um contexto, ou seja, a criança na situação de guarda tanto com o pai e tanto com a mãe. No da psicóloga vi apenas uma transcrição da entrevista feita com a mãe e com o pai. Qualquer escrivão ou gravador poderia ter dado conta do serviço.
Se juízes de fato lerem estes relatórios psicossociais devem ficar tão confusos como seus antecessores em 1998.
Óbvio, que aqui estou escrevendo apenas sobre um caso, e espero sinceramente que o que li seja uma exceção. Mas, acredito que laudos ou relatórios psicológicos devem servir para alguma coisa, senão, são absolutamente inócuos.
Outro problema contemporâneo é assustador: São os relatórios psicológicos feitos por e-mail (sem que o psicólogo faça um diagnóstico decente e presencial) através de informações deturpadas dadas por um dos pais. Estes relatórios visam a mudança de guarda, ou a mudança da guarda unilateral por compartilhada. Geralmente, e estranhamente é solicitado por um dos pais como forma de refutar uma decisão judicial. Recentemente fui procurada via e-mail por um pai que solicitava “a toque de caixa” este relatório psicológico. Estranhei o prazo absurdo que ele me pedia ( uma semana) para fazer o tal relatório e indaguei o motivo e de quem viera a solicitação. Todo e qualquer relatório psicológico se baseia em um diagnóstico que demora. Nenhum profissional de psicologia idôneo consegue avaliar o pai, a mãe e a criança e suas inter-relações em apenas uma semana e depois confeccionar o relatório. Mas, infelizmente, depois tomei conhecimento de que psicólogos inescrupulosos têm feito este tipo de trabalho sujo. O resultado disso é que crianças têm sido destinadas à guarda compartilhada ou a reversão de guarda em função do mercantilismo de psicólogos que deveriam ter seus registros cassados em minha opinião.
Afinal, é a vida de uma criança que está em jogo. Mas parece que ninguém está preocupado com isso nos tempos de Guarda Compartilhada à força e de se chamar a torto e a direito um dos genitores de alienador, palavra que virou uma espécie de palavrão.
Um psicólogo não pode ter preferências por este ou aquele genitor. Seu foco ao fazer este diagnóstico é descobrir em qual contexto a criança será mais bem desenvolvida e educada.
Sempre recomendo para que os pais separados busquem uma psicoterapia antes de brigarem de forma insana pela guarda das crianças. Os pais, que são adultos, devem ter equilíbrio emocional suficiente para criar os filhos, e muitos, ainda confundem a ex ou o ex como maternidade ou paternidade.
Nos tempos atuais, infelizmente, as redes sociais têm mostrado formas de burlar processos como estes. A psicologia parece esquecida aqui no Brasil. Um psicólogo judicial nada mais é do que um psicólogo clínico que usa de instrumentos científicos para fazer relatórios psicológicos para o sistema legal. Não se baseia em achismos, em opiniões, e muito menos em psicologismos de quinta categoria.
Portanto, não transformemos a psicologia clínica nesse amontoado de “gosto ou não gosto” em que se transformaram os psicólogos das empresas, calcados em pseudos testes psicológicos, e, em teorias que nada têm de científicas.

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