quarta-feira, 15 de junho de 2016

ESTUPROS, PERVERSÃO SOCIAL E ROUSSEAU: A MISÈRIA PSICOLÓGICA

ESTUPROS, PERVERSÃO SOCIAL, E ROUSSEAU: A MISÉRIA PSICOLÓGICA.

       O estupro coletivo desta menina de 16 anos que tanto nos indignou, não é o primeiro, e, infelizmente, não será o último. Adjetivos de cores mais fortes aparecem a toda hora, vindos de muitos cantos da sociedade. Mas também, aplausos e dúvidas, culpabilizações atribuídas a ela. Este é uma reação muito frequente: se o inimigo é muito forte, junte-se a ele. É o chamado mecanismo de defesa da identificação com o agressor. Cada um daqueles estupradores que usou de tanta violência, sozinho, não seria capaz de fazer a mesma atrocidade porque há um fenômeno grupal. E, como o comportamento humano é o objeto de meu estudo e exercício profissional, gostaria de trazer uma observação que não encontrei no noticiário.
       O estupro coletivo fica com uma aura de violência sexual, referida como intenso machismo. Ocorre que é preciso compreender que este é um equívoco. No abatedouro vários homens, talvez 7, 4, 33, 15, em cada sessão de atrocidades, não sabemos ainda o número exato, praticaram o exibicionismo e o vouyerismo, numa vitrine de órgãos sexuais hirtos, tendo como objetivo a penetração de um pedaço de carne inerte, sem beleza, sem sensualidade. O excitante era talvez a visão e a exibição de órgãos sexuais masculinos, que acabavam se revezando na penetração, quando era tocado o outro através do líquido seminal do último, do penúltimo, do antepenúltimo. Ao contrário da impressão de machismo com cara de heterossexualidade, temos no estupro coletivo a evidência de desejos e impulsos de homossexualidade. Não falo de homoafetividade, e sim de homossexualidade em anomalia da sexualidade, travestida de comportamento heterossexual.
       Chamou-me a atenção que surgiram artigos na imprensa que não se restringiam à barbárie da notícia escabrosa, o que garante leitura e interesse. Nosso imortal de muitas vidas, Zuenir Ventura, escreveu novamente sobre uma anomalia de comportamento, desta vez sobre o estupro coletivo. Logo a seguir Ana Paula Brandão, gerente de mobilização comunitária do Canal Futura, escreveu sobre Projeto Crescer Sem Violência, considerando que a exploração sexual de crianças é um problema urgente. Ela cita o dado alarmante: 17. 583 denúncias de abusos sexuais pelo Disque 100, em 2015. Foi divulgado que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Números estratosféricos, mas que, nem de longe são os reais. Estão muito distantes da realidade vivida por crianças, mulheres, de todas as idades, incluindo as idosas, pessoas dos grupos LGBTTT. Todos vulneráveis. Os registros são subnotificados: medo e ameaça, vergonha e culpa, preconceito e desconhecimento. Os números que temos em registros deveriam ser multiplicados por cinco.
       Ana Paula mostrou o que pode e que está sendo feito neste projeto para capacitar melhor nossas crianças diante de convites sedutores feitos a seus corpos ainda pequeninos.
       Zuenir chegou à conclusão que discordava de Jean-Jacques Rousseau que afirmava que o homem nasce bom e a sociedade o estraga, e preferiu ponderar que alguns homens não nascem bons, e que, portanto, já vêm com um defeito de maldade.
       Ambos estão na contramão, alterando as estatísticas que temos. A ANDI, Agência Nacional de Direito da Infância, há anos atrás, fazia um estudo que evidenciava o que experimentávamos na prática. As matérias dedicadas ao abuso sexual, à exploração sexual de crianças, ao estupro, ficavam entre 4.7% a 3.2%/ano das matérias de jornais escritos. A curva era decrescente. E dessa quantidade, menos ainda era dedicada à reflexão. À época, na ABRAPIA, era frequente que marcas recebessem um projeto, elogiassem, mas ao final, recusassem um patrocínio e pedissem desculpas porque não ficava bem ter o nome da marca associada a uma coisa tão feia.
       A Lei Maria da Penha é violada a cada 15 segundos. O marido da Maria da Penha, que ficou paraplégica em consequência das inúmeras vezes que foi vítima de violência doméstica, continuou como professor na Universidade Federal do Ceará. Nada mais eloquente para dizer da impunidade. Mulheres continuam a serem espancadas e assassinadas pelos seus, atuais e ex, maridos, companheiros, namorados.
       O abuso sexual intrafamiliar é alvo de campanhas em que a Secretaria de Direitos Humanos diz que ter conhecimento e não denunciar é praticar também violência contra a criança. Mas há a Lei da Alienação Parental, instituto sem sustentação científica, para abrigar e inocentar todos os pais/abusadores, invertendo os papéis e passando a vítimas de mães loucas. Tramita no Congresso uma criminalização que prevê pena de reclusão de 03 meses a 03 anos para mães, familiares e qualquer pessoa que denunciar e não provar o abuso, tipificado como crime às escuras. Denuncia e vai para a prisão ou cala?
       O Projeto Crescer sem Violência convive com a “Medalha de Ouro” do primeiro lugar na América Latina de Exploração Sexual de Crianças, ocupado pelo Brasil.
       Permito-me discordar do Zuenir, e mais ainda do Rousseau. Um atrevimento. Estudos apontam para o comportamento agressivo e insensível do início da vida. Entre eles, um vídeo é bem ilustrativo: uma sala de creche com crianças entre 01 e 02 anos. Uma criança tem seu brinquedo tomado por outra criança. Sentado no chão, ele começa a chorar. Todos olham em sua direção, continuam onde estão e um a um, todos vão até o que está chorando e batem, empurram, puxam o cabelo, chutam aquele que chora. Este estudo, que afirma ser a agressividade congênita ou inata, diria necessária para nascer e sobreviver impondo suas necessidades de cuidado, vem de encontro com a constatação da aquisição da capacidade de empatia, que é estimulado pela mãe, e substitutos. É a mãe suficientemente boa, no conceito do Winnicott, que emprestará este se colocar no lugar do outro quando pega o brinquedo ou o amiguinho que sofreu um ataque da criança e o consola, aconchega, pede desculpas, fala do dodói que lhe foi causado. Nascemos todos com muita agressividade, necessária para nascer, necessária para nos mantermos vivos, e precisamos aprender a humanicidade pela capacidade de empatia, função materna. Na ausência desta capacitação, a criança não adquire a empatia, a solidariedade, a cidadania, ou fica com estas funções precárias.
       Apesar de todo o avanço tecnológico, de todo o avanço no conhecimento, o Homem é um Projeto que não melhorou, até hoje tem comportamentos sub animais, como o estupro coletivo, a Humanidade não tem dado certo.  
       O estupro sempre fez parte da história das mulheres brasileiras. Temos outra medalha vergonhosa quando somos equiparados à Índia e ao Paquistão neste item de patologia social. Historicamente, não se divulga isto, nossa Imperatriz teve inúmeros abortos consequentes aos espancamentos que sofria do Imperador, e ela acabou morrendo de sífilis, tendo sido monogâmica por toda a vida. Hoje, além da sífilis que voltou, esposas monogâmicas são contaminadas por seus maridos pelo HIV, e morrem. Esta é mais uma forma de violência contra a mulher. Há muitos abatedouros dentro dos chamados lares.
       Em meio a onda de indignação com o noticiário da barbárie, surge mais uma notícia de horror. Um menino de 10 anos e seu amigo de 11 anos, furtam um carro dentro de um condomínio e o garoto de 10 anos ao volante acaba recebendo uma bala na cabeça na perseguição policial. Este garoto morto era filho de um pai apenado e de uma mãe recalcitrante, furtos, e gostava de jogar vídeo game na lan house da favela onde morava em parte da sua vida. Trouxe o seu game favorito, uma perseguição em que dirigia um carro e matava para ganhar, para a vida real, e morreu na sociedade cenográfica em que vivia. O menino de 11 anos é recuperado na delegacia por sua mãe. A imagem me impressionou e foi eloquente. Caminhando na noite, ela na frente, mãe franzina, com um agasalho amarelinho da seleção brasileira de futebol, pirata possivelmente, ele tentando acompanhá-la no passo. Amarelo, a cor da sorte nas copas de futebol, escrito “Brasil” em verde. Como o estupro coletivo, como a criminalização do uso destorcido de alegação de Alienação Parental, como a Exploração Sexual de Crianças, como a Misoginia reinante, coma Cegueira Deliberada endêmica, doeu muito. A vulnerabilidade está cada vez mais vulnerável.

       Game over. 

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