quarta-feira, 25 de setembro de 2024

O nosso Apartheid, a guerra urbana, e os efeitos psicológicos nas crianças

O nosso Apartheid, a guerra urbana, e os efeitos psicológicos nas crianças. Há alguns dias li um texto do Dr. Siro Darlan, ótimo, sobre os prejuízos escolares das crianças nas áreas deflagradas. Prejuízos incontestáveis, escolas fechadas a cada confronto de traficantes x traficantes, traficantes x milicianos, milicianos x policiais, policiais x traficantes das 3 principais facções conhecidas, uma por vez. Similar a um “campeonato”, todo mundo joga contra todo mundo. Só que falamos de “partidas” a bala de fuzil. Não ir para a escola ou, se já estiver lá, não poder sair dela, e ter um lugar pintado no chão do corredor, onde devem se amontoar na esperança de não serem achados por um desses inúmeros tiros, por horas. Evidente que os prejuízos na aprendizagem da escolaridade se fazem logo visíveis. Atrasos das aquisições cognitivas, defasagem de desempenho intelectual em sua faixa etária. Facilmente, comprováveis. Mas, e os prejuízos psicológicos? A adaptação ao estresse é uma saída de defesa psíquica contra o caráter traumático dos episódios sucessivos. Banalizar, fazer de conta que não é atingido, é tanto mais danoso quanto mais insensibilidade demonstra. A aparente adaptação nada mais é que a negação do medo sentido. Na outra ponta fica o pavor que transborda, carreando sintomas de pânico que são, muitas vezes, invalidantes. Paralisam, provocam sintomas psicossomáticos severos. E o adoecimento prolifera semelhante aos quadros da antiga “neurose de guerra’ que acometeu tantos soldados que tinham estado na guerra. Não temos instrumentos de aferição dessas sequelas. Não temos nem mesmo a quantificação das crianças e adolescentes acometidos. E aqui, nos deparamos com a invisibilidade do Apartheid em que vivemos. Silencioso, e, também, só escutado pelas crianças que moram em comunidades/favelas, ele se instalou, e não tem previsão para acabar. Tornou-se um modus operandi das forças de segurança e das forças criminais. É uma guerra urbana. Está sendo naturalizada porque é diuturna. Mas, silenciosa e invisível, parece que não importa ao outro lado da cidade. E como se não bastasse toda a carência e a precariedade das condições de vida dessas crianças, elas estão sendo submetidas à opressão de doenças psicológicas consequentes aos tiros, às mortes. Uma Cultura da Violência promovida por todos nós, uns por ação, outros por omissão, mas todos estão implicados.

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