sexta-feira, 14 de julho de 2023

Ideias de pseudociência, por que é tão fácil vendê-las em nosso país? Parte IV

Ideias de pseudociência, por que é tão fácil vendê-las em nosso país? Parte IV Ontem tivemos a oportunidade de participar da 187ª Audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, CIDH-OEA, sobre Alienação Parental. Foram algumas tentativas com o desejo de retomar o diálogo que se iniciou em 2016, na 164ª Audiência da CIDH, em Montevideo, após as primeiras denúncias, no ano anterior. Depois fomos à 167ª Audiência da CIDH, em Bogotá. Nessa ocasião, conseguimos uma Audiência Privada com a Comissionada Esmeralda Arrosemena que em 10 minutos de escuta, lançou um comentário, mostrando que tinha captado o problema. Ela falou: “o problema no Brasil está nas perícias que induzem os juízes ao erro”. Hoje, alguns anos passados, penso que os equívocos recheados de preconceitos e pseudociência contaminaram grande parte do judiciário e da população. Achar que sabe o que é alienação parental é o engano que muitos cometem. Se, por um lado, é evidente o despreparo dos Operadores de Justiça que seguem, dogmaticamente, esta seita, por outro lado, há uma intencionalidade bem distante da ignorância que rende a metamorfose de lágrimas em gotas de ouro. A 187ª Audiência da CIDH-OEA nos trouxe uma gratíssima surpresa. Éramos 8 Representantes de Organizações Civis que tiveram Voz. Fomos escutados! E seguindo nossas falas, escutamos os Representantes do Estado Brasileiro. Ouvimos o pronunciamento da Representante do Ministério da Mulher, do Representante da Secretaria de Direitos da Criança e do Adolescente, do Representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, da Representante do Ministério da Saúde, e, todos, uníssonos defenderam, com fundamentação, a Revogação da Lei de Alienação Parental. Foi bonito. Foi compensador escutar o que falamos há anos. Estamos falando da ideia de pseudociência, inventada por um médico generalista, que defendia, abertamente, a pedofilia incestuosa, em armadilha protagonizada pela “alienação parental”. Esse termo solapou os sintomas decorrentes do abuso sexual como sendo decorrentes da tal alienação parental, sem nenhum rigor científico. Copiar /colar é uma técnica que carece de seriedade. Necessário se faz sublinhar que são situações muito distintas. Uma o abuso sexual intrafamiliar é traumático porquanto é uma violação do corpo, em suas diversas formas de expressão. É violação uma penetração peniana, uma penetração digital, uma masturbação, e uma “lambidinha na pepeca” como nomeou uma psicóloga querendo desqualificar essa forma de Estupro de Vulnerável. As pessoas que se dizem “especialistas em alienação parental” precisam estudar para saber que todas as formas de carícias, palavras, imagens, toques, todos são Estupro de Vulnerável porque são violações do corpo ou do sentimento de corpo. Já tivemos condenações por Estupro Virtual de Vulnerável. Essa modalidade, o estupro virtual goza de mais facilidade de aquisição da definição porque ela não é incestuosa, não é intrafamiliar. Esse é um tabu que está cada vez mais arraigado. A negação que se estabeleceu do rompimento com a Interdição do Incesto, que é o Marco Civilizatório da Espécie Humana, talvez pelo horror insuportável de imaginar que um genitor, um avô, um tio, um irmão, violam um descendente e repetem, repetem, essa invasão do corpo de um pequeno ou pequena, tem proporcionado a sedimentação dessa invenção fraudulenta. A definição desse termo, alienação parental, fala de uma campanha de hostilidade e desvalorização de um genitor em desfavor do outro. É da ordem do conflito. Não é trauma. Mas, encontramos acusação e condenação por alienação parental em situações de crianças de colo, durante a amamentação, e, até mesmo, em criança ainda no útero, em feto. Não há lógica que dê sustentação para uma separação entre mãe e filho para se vingar de uma campanha verbal que anteceda a aquisição da linguagem e da capacidade de compreensão semântica. Volto a abordar o conceito de Ferenczi sobre a confusão de línguas. Conceitos de Ciências são usurpadas para dar uma maquiagem ao que não tem consistência. Refiro-me à observação do uso, sem cerimônia, de termos que nomeiam pontos consolidados e comprovados em áreas do Conhecimento, e que dão um ar de familiaridade que engana a todos. Essa é uma estratégia que contempla o modo superficial de aquisição de informação que estamos, cada vez mais, adotando, em detrimento da aquisição do conhecimento. Essa estratégia, não é por acaso, facilita o deslizamento de pessoas que mudam de posição teórica. A alienação parental é um bom exemplo que evidencia esse escorregar de um lado para o outro, sem que isso precise ser explicitado e justificado. Não me causa mais espanto encontrar pessoas que fazem questão de buscar destaque em posições contrárias às que possuíam, sem dar nenhuma explicação que tanta riqueza traria para todos. É rico poder acompanhar o caminho de uma mudança de pensamento que contem o contraditório. Além desse termo engendrado, alienação parental, outra aberração segue incólume, a implantação de falsas memórias. O uso desse termo, também sem nenhuma comprovação científica, é destemido ao afirmar que uma criança é teleguiada pela mãe, operando memorizações que antecedem sua capacitação para tal. É como se fosse possível uma criança de 3 meses de idade fosse capaz de descer do berço e saísse andando até a mãe. Se o desenvolvimento motor aos 3 meses não permite que a marcha seja adquirida, assim também aos 4 anos, por exemplo, uma criança não memoriza um abuso sexual, com detalhes e com a descrição de ereção e ejaculação, se ela não tiver experimentado esse abuso. Muito mais impossível é que ela, por “implantação de falsas memórias”, desenhe figuras e cenas onde órgãos sexuais masculinos em ereção, de maneira explícita. Ou ainda, que uma criança brinque com bonecos encenando sexualidade. O abuso sexual incestuoso é muito difícil de ser cogitado quando uma criança o relata. No entanto, não podemos abandoná-la para que ela esqueça ou “se vire” sozinha com esse horror. Por que tentar escapar desse momento de tanta destruição culpando a vítima, ou a mãe? É mentira que criança mente. Criança nega a autoria de uma bobagem, mas ela não pode ser desqualificada quando ela está descrevendo sua dor enorme por ser oprimido em seu corpo e em sua mente.

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