quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

A barbárie com as Crianças Ianomamis, e outras. Parte I

A barbárie com as Crianças e Adolescentes Ianomamis, e outras. Parte I Elas não choram. Elas não emitem sons. Elas não se mexem. Enroladas em torno do abdômen, único volume, são como que aranhinhas paralisadas que se amontoam. Montinhos de aranhinhas. Mas são pessoas! Aquelas aranhinhas são pessoas! Estão sendo assassinadas em tortura, pelo mercúrio que bebem das águas dos rios que já morreram, de verminose que também vem nas águas, de malária que se agrava, rapidamente, pelo estado de severa debilidade orgânica, de fome porque quando mataram os rios e as matas, mataram o alimento que forneciam. E passaram a oferecer, compulsoriamente, o mercúrio, um metal pesado que mata lentamente. Não estou me posicionando em nenhum lado político-partidário, ou de qualquer ideologia. Somente, a Humanitária. Muito me incomodou não ter conhecimento do tamanho da miséria que as Crianças indígenas estavam sendo submetidas. O extermínio de Crianças é um filicídio social. Essas Crianças são filhas de todos nós. Se no ano passado reclamei pela morte de 2 meninos que, enquanto tomavam banho num rio, como fazem sempre, foram engolidos por uma máquina sugadora que estava submersa para não ser detectada. Morreram. Sabia dos garimpos ilegais, mas não que estavam na beira das ocas indígenas derramando mercúrio que se espalha na capilaridade fluvial da região. O mercúrio, usado para precipitar o ouro, se mistura nas águas no local do garimpo e, como é perene, desce pelos rios e igarapés por quilômetros e quilômetros, como uma metástase líquida em meio líquido. Extremamente, expansivo. Dificilmente, controlável. Mas, quem derrama mercúrio nos rios? A horda, que garimpa sob a proteção de “seguranças” armados, é a parte final de uma cadeia que, passando por chefes e gabinetes de diferentes estratos sociais, sobe ao Poder do Planalto Central, longe de árvores, rios e indígenas. Grupo à parte de princípios humanitários, formado por alguns também esfomeados, que buscam a sobrevivência. E por muitos gananciosos. Predadores por excelência não seguem leis. Depredam as florestas, depredam os rios. Depredam as meninas indígenas. Até agora, já contam 30 adolescentes grávidas de garimpeiros. São, até agora, 30 Estupros de Vulneráveis. E serão mais 30 bebês que nascerão sob o domínio do mercúrio, da malária, da verminose, da desnutrição desses ventres onde estão sendo gestados. Os que chegarem ao nascimento, nessa condição insalubre, terão severas dificuldades cognitivas, psicomotoras, do sistema nervoso central, muito possivelmente, deficiências do sistema respiratório, deficiências do sistema digestivo, deficiências do sistema endocrinológico, enfim, o estrago será generalizado. Mas, será que são apenas 30 meninas estupradas e grávidas? Estupro de Vulnerável, assim define a lei, para relação sexual com menores de 18 anos, e mais grave, com menor de 14 anos, mesmo quando não é praticado com violência. Indubitavelmente, os garimpeiros que ali estão são predadores. Não se trata de demonizar. Mas há outros “demônios” invisibilizados. Há um sistema de desproteção de vulneráveis, há um sistema predador. E, esse sistema não está apenas nas terras de nossos povos originários. Ele está entre nós. Nas grandes cidades, no sistema de justiça, onde encontramos tanta misoginia e negligência com a Criança, nos mitos criados para proteger criminosos predadores de mulheres e crianças. Temos matado muitas Mulheres, temos matado muitas Crianças. As Crianças aranhinhas só escancararam a dimensão primeva de nossa violência. Os garimpos não estavam cobertos com edredons. Estavam a céu aberto. As Crianças já vêm morrendo há algum tempo. Diferente das Crianças que morrem de tiro de fuzil no Rio de Janeiro, as Crianças originárias vêm sofrendo um processo de envenenamento lento, mas progressivo, numa condição de insegurança alimentar chamada fome. Nesse ponto há uma conexão com as Crianças que morrem de espancamento praticado dentro da família. Como Joanna Marcenal, Henry Borel, e, recentemente, Sophia, de 2 anos, no mesmo padrão de Henry, ninguém percebeu nenhuma marca? E os abusos? Naquelas, as marcas de magreza, nessas as marcas de hematomas. Visíveis e com materialidade como é exigido, e nunca aceito. Mas, ninguém vê. Ninguém quer ver. A cegueira deliberada social faz parte dessa engrenagem muito bem estruturada. As Crianças espancadas também estão a céu aberto. Sophia com 2 anos era a concretização do Prazer do Poder Absoluto. Não é fácil encontrar alguma desculpa que “justificasse”, mesmo que de longe, uma irritação incontrolável de um adulto, transformada em descarga física agressiva, que deveria proteger a Criança. As reclamações do pai e de seu companheiro sobre as marcas no corpo da Criança foram desconsideradas. Preconceito, será? Ameaça de afastamento sempre surge para calar quem está queixando de algum tipo de violência. As marcas hoje são a morte da menina. Quantas Crianças vão morrer de envenenamento por mercúrio? Muitas, durante muitos anos. Quantas Crianças vão morrer por espancamentos sucessivos? Quantas adolescentes vão morrer pela gravidez precoce, resultado de Estupro de Vulnerável? Crianças que antecipam o silêncio da morte. Vão morrer com muitas dores, mas sem conseguir nem mesmo chorar.

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