sábado, 9 de novembro de 2019

ALIENAÇÃO PARENTAL pelo Juiz Edson Luiz de Oliveira



                                                   ALIENAÇÃO PARENTAL

                                                                                               Juiz Edson Luiz de Oliveira

Conceito vazio [1]. De nenhum conteúdo científico. Cunhado pelo
psiquiatra e psicanalista americano Richard Gardner [2], o termo / a tese / a
enfermidade, reitero, cientificamente, nunca foi reconhecido legitimamente
como tal nos meios científicos e médicos.
E com razão, diga-se de passagem. Falta-lhe base científica por
ausência de pesquisa adequada e francamente séria. E a falta de ciência na
definição e conceituação era tão evidente que nenhum dos trabalhos do Dr.
Gardner foi publicado por editoras ou revistas de renome. As publicações,
todas, de suas equivocadas e malformadas conclusões, deram-se por meio de
sua própria editora, posto, repito, o tema nunca foi digerido por outros e sérios
especialistas.
Dr. Gardner fez fortuna com sua tese. Testemunhava [expert witness –
em tradução livre, uma testemunha técnica, quase equivalente ao perito judicial
no Brasil, mais que nos Estados Unidos é apresentado pela parte interessada e
não nomeado pelo juízo, como aqui] em tribunais [principalmente para homens]
cobrando seus honorários por hora, e, ao final, recomendava a inversão
forçada da custódia de crianças e adolescentes, entregues aos verdadeiros e
[1] “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança
ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que
tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o
genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” –
art. 2º, Lei 12.318/210. Em linhas gerais, segundo a lei, o genitor que não está com a guarda é
desqualificado pelo outro desmedidamente com o objetivo de dificultar os contatos entre eles,
afastando, assim, o exercício da autoridade parental e ocasionando a perda do afeto. Como já
li, seria uma espécie de “lavagem cerebral” da criança e do adolescente pelo alienador
(relembro as mães, porquanto raríssima a guarda pelos pais, nas rupturas de casamento).
[2] “o incesto não é danoso para as crianças, mas é, antes, o pensamento que o torna lesivo”.
“O determinante acerca de saber se a experiência será traumática é a atitude social em face
desses encontros”... “as atividades sexuais entre adultos e crianças são ‘parte do repertório
natural da atividade sexual humana’, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia
‘estimula’ sexualmente a criança, torna-a muito sexualizada e fá-la ‘ansiar’ experiências
sexuais que redundarão num aumento da procriação”.
GARDNER, Richard. True and False Allegations of Child Sexual Abuse. 1992. (Texto e
tradução extraídos da obra de Maria Clara Sottomayor indicada como referência na página 03.)
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únicos abusadores, com orientação para desprogramação de crianças e terapia
de ameaça para as mães. Gardner, em todo o período em que defendia a
aplicação das tão odiosas medidas e por quase toda a sua vida, taxava de
excessivamente moralista e punitiva a sociedade contra os pedófilos (???).
Aliás, a Associação Americana de Psiquiatria e a Associação Médica
Americana, a própria Organização Mundial de Saúde [OMS] nunca
reconheceram a teoria de Gardner – morto, por suicídio brutal, em 2003, depois
de uma overdose de medicamentos [equilíbrio???] – como uma síndrome.
Diz-se, também, com o que concordo plenamente, aliás, ser tendenciosa
contra as mulheres [que na maioria das vezes, a imensa maioria, são quem
permanece com os filhos nos divórcios e separações e, por isso, acabam
respondendo, sempre, como alienadoras contra os pais].
Mesmo que não aprecie muito a citação alheia, apenas para fomentar o
debate e posicionar meus leitores e ouvintes a respeito, trago o comentário de
um advogado americano, Richard Ducote, o último profissional a discutir com
Gardner a respeito desse malfadado tema, antes do seu suicídio. Disse ele:
A síndrome da alienação parental é uma fraude, pró-pedofilia
inventada por Richard Gardner. Eu fui o último advogado a interrogar
Gardner. Em Paterson, New Jersey, ele admitiu que não tem falado
com os membros da Faculdade de Medicina de Colômbia por mais de
15 anos. E não teve licença para admissão hospitalar por mais de 25
anos. Ele não foi nomeado para fazer nada durante décadas. Os
únicos dois tribunais de apelação do país que consideraram a
questão de saber se a SAP cumpre o teste de Frye [3], ou seja, se é
totalmente aceita pela comunidade científica, disseram não. Como
afirmou o Dr. Paul Fink, ex-presidente da Associação Americana de
Psiquiatria, Dr. Gardner e a SAP devem ser apenas uma ‘nota
patética no rodapé’ da história psiquiátrica. Gardner e sua falsa teoria
fizeram danos incalculáveis às crianças sexualmente e fisicamente
abusadas e seus pais protetores. A SAP foi rejeitada por todas as
organizações respeitáveis que a consideraram. Em um caso, na
Flórida, em que eu estava envolvido recentemente, quando o juiz
insistiu em uma audiência de Frye, Gardner simplesmente não
[3] Espécie de teste para admissão de evidência ou prova científica em julgamento de processos
nos Estados Unidos. Desprezavam-se elementos de prova não cientificamente demonstrados
e, muito menos, os relatos e informações dos expert witness.
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apareceu. Talvez porque ele finalmente percebeu que toda a nação
sacou o seu golpe, ele cometeu suicídio em 25 de maio. Vamos rezar
para que sua ridícula e louca tolice chamada SAP tenha morrido com
ele.
É isso. Não preciso dizer mais nada, exceto que o Brasil, cujos
legisladores são adeptos de modismos e adoram ilações que agradem plateias
e lhes acrescentem votos, deve ser o único país do mundo que possui em seu
ordenamento uma lei disciplinando [Lei 12.318, de 26/8/2010] sobre uma coisa
[um conceito morto, porque infundado] que não possui nenhuma ciência ou
base científica a lhe dar suporte.
Pior disso tudo, tomou ares de absoluta e cega obediência, passando a
ser tratada como uma síndrome perigosa e nefasta, que afasta da convivência
pais e filhos, principalmente em casos de separações ou divórcios cuja
litigiosidade acaba se exacerbando em demasia[4] [não vejo como uma ruptura
da vida de um casal não deixe suas marcas e vestígios, parece-me natural que
assim seja, daí que todos acabam sendo afetados, inclusive os filhos, estes,
com certeza, em maior grau].
Minha experiência, em vara judicial com competência para as questões
da infância, da juventude e do direito de família, me fez ver, entretanto, que as
[4] “A investigação científica sobre o impacto do divórcio nas crianças e as experiências dos
profissionais que lidam com as famílias revelam que a recusa da criança é uma reação normal
ao divórcio e que assume um carácter temporário. A maneira de os tribunais lidarem com a
recusa da criança tem que ser cautelosa, entrando em diálogo com ela para reconhecer os
seus motivos, sem impor medidas pela força, as quais só vão aumentar o conflito e reforçar o
sofrimento da criança.
O fenômeno da recusa das crianças à relação com um dos pais é sempre multifatorial, não
resultando de uma só causa, como pretende a tese da síndrome da alienação parental, que faz
a rejeição da criança derivar necessariamente de uma campanha difamatória levada a cabo por
um dos pais contra o outro. De acordo com os estudos longitudinais de JUDITH
WALLERSTEIN (SURVIVING THE BREAKUP, HOW CHILDREN AND PARENTES COPE
WITH DIVORCE, Basic Books, 1980, p. 77/80) , que entrevistou filhos de pais divorciados, na
altura do divórcio, um ano depois do divórcio, e ainda 5 anos, 10 anos e 25 anos depois, a
aliança da criança a um dos pais contra o outro significa um comportamento de cooperação
com o sofrimento causado pelo divórcio, que serve para fazer à depressão, tristeza e solidão,
não estando relacionado com perturbação emocional da criança nem do progenitor. Sabe-se
que, quando a recusa da criança é injustificada, as crianças acabam por abandonar o
comportamento de rejeição, resolvendo-se todos os casos do estudo de WALLERSTEIN, um
ou dois anos depois, com as crianças a lamentar o seu anteriormente comportamento e a
retomar a relação com o pai, antes de completarem 18 anos. Nos EUA, estudos sobre direito
de visita demonstram que não se verifica, nos casos de recusa da criança, a conclusão
dramática de GARDNER, do corte total e definitivo com o progenitor sem a guarda”.
SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais
nos Casos de Divórcio. 2014. Almedina, p. 161).
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seguidas alegações quanto à prática de alienação parental – sempre pelas
mães [o que confere credibilidade quanto ao direcionamento da regra], não
sinalizava para o respeito aos interesses das crianças e jovens neles
envolvidos.
Em verdade, a mesquinha intenção buscada sempre alcançava
interesses do pai [que não detinha a guarda do filho]. Ora para vingar-se da
mulher ou simplesmente atormentá-la pelo passo que deu na direção da
ruptura da convivência conjugal, ora para desobrigar-se do pagamento de
pensão alimentícia [confirmada a alienação parental, a inversão da guarda é
uma hipótese e, assim, quem passaria à obrigação de alimentos seria o genitor
destituído da guarda, ou seja, o apontado alienador].
E há outras intenções ainda menos nobres quando se brande a Lei
12.318/2010: pressionar por acordos patrimoniais na partilha obrigatória de
bens [quando da hipótese] nos casos de divórcio e/ou separação [recordo que
no evento que organizei, em São Bento do Sul, em parceria com o Grupo de
Apoio à Adoção e à Convivência Familiar Gerando Amor, ao final, já perto das
23 horas, quando me dirigia para deixar o auditório da Univille onde ocorreram
os trabalhos, chamou minha atenção a figura de uma mulher jovem, puxando
uma mala dessas de viagem, que, junto a outras, também deixava o ambiente;
questionei ao pessoal de apoio e minha assessoria, a respeito dela e do grupo;
fui então informado que se tratavam de mulheres acusadas pela prática de
alienação parental de várias cidades/estados e que vieram acompanhar o
evento por interesse óbvio; quanto a mulher jovem que carregava uma mala,
soube que no seu processo, que ainda tramitava, em comarca do Paraná,
perdeu a guarda do filho, invertida por acusação de alienação parental, e todo
o patrimônio que lhe coube gastou pagando honorários para retomar a custódia
do filho, que agora só podia ver uma vez por mês, em visita controlada e
assistida (a mala e seus poucos pertences eram agora seu único patrimônio)];
obrigar a troca [em verdadeira extorsão] de versão acerca de violência
doméstica (ameaça ou lesão corporal), no âmbito da Lei Maria da Penha, ou
qualquer outra prática penal ocorrida no conturbado processo de
separação/divórcio ou que lhe deu causa.
O mais cruel de todos, contudo, é que [e já conduzi um processo em que
tal restou concretamente apurado] a tal arguição, de alienação parental,
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também é empregada para desacreditar a mãe, a criança ou adolescente,
vítimas de abuso sexual praticado pelo genitor. Busca-se, então, livrar-se da
acusação grave, extorquindo-se versões favoráveis e aptas à absolvição do
criminoso.
Por isso, desde o início, passei a considerar, com muitíssima
desconfiança, a argumentação, certo de que, relembro, cientificamente a SAP
não existe como diagnóstico médico-psiquiátrico e como tal não é reconhecido
nos Estados Unidos, Canadá, Espanha, entre outras nações.
A lógica perversa desse tipo de argumentação destrói uma série de
circunstâncias e situações que, normalmente, não sofrem nenhum abalo.
Explico exemplificando: nos crimes de abuso sexual predomina pacificamente o
entendimento de que a palavra da vítima é essencial, se não a única [os
crimes, em geral, e estes em especial, não são praticados às vistas de
ninguém], a dar sustentação para a condenação.
Esta máxima, contudo, acaba sendo derruída quando se afirma que tudo
não passa – a acusação – de prática da alienação parental, justamente porque
a criança ou adolescente vitimado pelo abusador vai ter sua versão posta em
dúvida, supostamente porque submetida, pela alienadora, à desconstrução da
figura paterna. As declarações da vítima, portanto, serão desprezadas ou
desacreditadas, de maneira tal que a acusação, sem prova, será rejeitada e o
pedófilo absolvido. E mais, por conta da prática dessa dita alienação parental,
inverte-se a guarda da vítima do abuso, que, assim, acaba, literalmente, nos
braços do seu abjeto abusador. Esta é uma das inúmeras vertentes dessa
figura surreal e desditosa conceituada na legislação brasileira. Retira da mãe
protetora [e não alienadora] a guarda do filho (a) para entrega-lo (a) ao algoz.
Acrescento, aliás, nesse ponto – a inversão da guarda sem se
considerar absolutamente a posição da (o) criança ou adolescente –, como
disse, em sua obra seminal (Regulação do Exercício das Responsabilidades
Parentais nos Casos de Divórcio. 6. ed. rev., aument. e actualiz. Almeida: 2014,
p. 161) de forma singular e com todas as propriedades, Maria Clara Sottomayor
(Juíza Conselheira do Supremo Tribunal Português, que nos deu a honra de
abrilhantar o evento realizado em São Bento do Sul sobre o tema), que os
maiores interessados [os filhos envolvidos na celeuma] são tratados:
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[...] como um objeto, propriedade do pai, e ignoram os seus
sentimentos e desejos. Acaso algum adulto está sujeito a
intervenções judiciais ou policiais que o obriguem a conviver com o
seu cônjuge ou ex-cônjuge, progenitores, irmãos ou outros
familiares? Se julgamos impensável forçar convívios e afectos, em
relação a adultos que não os desejam, por que coagir as crianças ao
convívio com o progenitor não guardião? Cabe aos Tribunais impor
afectos? Aprenderá a criança a respeitar os outros, quando o sistema
judicial não a respeita a si?
E não argumente, como já ouvi esse tipo de crítica, que são situações de
mínima ocorrência. Não, não é assim que a experiência mostra. Como já dito
anteriormente, as varas de família brasileiras estão abarrotadas de processos
em que se trava esse tipo de discussão, em que os pais [sistema patriarcal que
teima], para escaparem do pagamento de pensão alimentícia, obterem maior
vantagem na partilha de bens, defenderem-se em processos criminais por
violências [todas] que cometeram contra a mulher e filhos, ou simplesmente
pela vindita, enveredam a sustentar a prática de alienação parental para que,
então, passem a condição de vítimas e, conjuntamente, desacreditem o excônjuge
e os filhos.
O sistema judicial e processual [local e alienígena], como um todo, ainda
está contaminado pela falta de sensibilidade e impregnado de regras e
costumes patriarcais. Acaba, por isso, mesmo que inconscientemente,
adotando e protegendo o genitor, que pode mesmo ser o algoz, o verdadeiro
criminoso que se protege lançando a dúvida sobre a ex-mulher e os próprios
filhos, estes sim as vítimas ignoradas.
Felizmente, ainda que já sem tempo, há forte movimento no Congresso
Nacional [Projeto de Lei do Senado – PLS 498/2018, sob relatoria da Senadora
Leila Barros], objetivando a revogação da Lei 12.318/2010, assim como já está
sob avaliação legislativa a questão da obrigatoriedade da guarda
compartilhada, outra excrecência que igualmente refuto por inúmeras razões
que não encontram espaço, neste momento, para discussão, mas que,
igualmente, remetem à impossibilidade da adoção sempre do tal instituto, em
todas as situações, em sua generalidade, como assim prevê o dispositivo que
rege a questão.

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