quinta-feira, 18 de julho de 2024
A Madrasta repaginada Parte I
A Madrasta repaginada
Parte I
Há muito venho querendo me debruçar sobre esta figura espaçosa das formações familiares atuais. Mais uma vez afirmo que não estou generalizando, como não generalizo sobre o perfil dos pais, muitos superam a questão genética e se tornam pais, exercendo muito bem sua função de responsabilidade afetiva. Também as madrastas que observaremos aqui, não são unanimidade. Existem ótimas madrastas, diria, ótimas boadrastas.
Comecemos por contextualizar. Longe das figuras antigas, a madrasta atual não vem para preencher um lugar que ficou vazio em definitivo, não há viuvez, não há orfandade. Portanto, a Madrasta atual vem em duplicidade com a figura materna que continua, e agora é condenada à guarda compartilhada, ou seja, a relação entre o pai e a mãe é exigida judicialmente, que prossiga com toda a proximidade. Em nome da “parentalidade permanente”, imagina-se, imagina-se, que a conjugalidade foi extinta por completo.
A madrasta, que está chegando num grupo já formado e com um histórico de vivências conjuntas, precisa garantir seu espaço. A competição é dobrada, a ex e a criança, ou as crianças, que ocupam muito espaço e muito tempo do seu novo amor. Diria mesmo, que guardadas as devidas proporções, a situação triangular e quadrangular se aproxima da posição de amante. É de difícil administração.
Não podemos pensar que são todos muito bem psicanalizados, amadurecidos, ou tratados com comprimidinhos que acalmam. Evidentemente, que as emoções e os sentimentos acontecem e se pronunciam, de uma maneira ou de outra, ou dirigidos à criança, ou à mãe, ou à madrasta, ou, até, ao varão. E vice-versa. Mas, não podemos esquecer que as emoções já estão judicializadas. Então, a espontaneidade já foi. O “bom comportamento” é o argumento almejado. Todos temem todos. Mas as emoções, as raivas, as críticas desqualificantes continuam.
De onde surgiu a idealização de que a parentalidade supera frustrações afetivas e construções de novas relações de conjugalidade, não conseguimos localizar. Uma harmonia utópica. Se fosse possível, o casal não teria se separado. Também não sabemos de onde surgiu a falsa afirmação que ter duas casas é melhor para a criança. Sabemos que é difícil mesmo manter essa presença dos dois pais no dia a dia da criança. Por objetivo, ela passa a ter convivência com um na ausência do outro. A menos que seja exigido um novo regime de relação conjugal a três ou a quatro, o que me parece ser bem mais complicado ainda.
Por outro lado, precisamos também lançar um olhar observatório sobre essa repaginação da madrasta. Saída dos Contos de Fada, por viuvez e orfandade, a madrasta carregava a característica, quase sempre, da maldade, da perversidade em relação a sua enteada, a seus enteados. Como no Conto da Branca de Neve, por exemplo, a madrasta entrava em competição pela beleza e pela juventude, para não permitir que o amado dividisse o olhar de admiração e afeto com a filha.
Talvez pudéssemos pensar que essa competição, atualmente, se concentra na representação que a criança imprime enquanto uma presença da mãe. Uma competidora fantasmada mas, concretizada na criança. O que promove dificuldades na construção de sua relação afetiva saudável direta com a criança.
Por outro lado, exige-se da criança que ela se relacione bem e de imediato com a nova “tia”. Aliás, uma denominação errada, que deveria ser evitada. Não raro, encontramos uma pressão sobre a criança para que chame a madrasta de “mãe”, o que é pior ainda. Esta é uma prática incentivada pela madrasta que tem determinado perfil, que chega se apossando de um pacote pronto. Não gestou, não amamentou, não ficou acordada noites e noites, e “recebe” um filho, uma filha pronta, já desfraldada, até. Essas são madrastas que, por vezes, fazem pacto de acobertamento de comportamentos abusivos, negligentes, inadequados, dos pais em troca dessa subtração do filho ou filha da outra mulher.
A madrasta tem uma posição espinhosa, é verdade. Mas a madrasta dos Contos de Fada tem sido vista em maquiagem nova, mas com a mesma veia de maldade. Quando vê a criança como um empecilho para sua relação amorosa, hostiliza, agride, maltrata o pequeno. Quando tem ambição de pular etapas para alcançar uma maternidade sem dores, ela se apodera da criança, e muitas vezes manipula o marido/namorado para afastar e desqualificar a mãe. O curioso é que também patrocinada pelas Milícias Psicológicas, a madrasta ganhou nos processos de Família um status igual ao da mãe.
A Criança precisa de boadrasta, alguém que seja maternal mas não queira ser sua mãe. Que seja acolhedora nesse momento tão sofrido da separação. Precisamos também nos convencer que um regime de guarda compartilhada não apaga as dores, divisões e frustrações da separação dos pais. Não adianta dividir a vida da Criança em duas.
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