A
Cultura do Estupro de Criança e a Pedofilia Intrafamiliar Acobertada – Parte II
Sob o intenso impacto do fato deplorável
da gravidez resultante do estupro de uma menina de 10 anos, a revolta, por
diferentes vértices, se exaltou. Vimos rachar a sociedade. A questão,
rapidamente se mudou de lugar. Não mais era a dor daquela menina, abusada por
mais de 4 anos, quando ainda tinha só 10 anos. Tornou-se briga, e briga
religiosa, em nome de alguém que em nenhum momento se pronunciou. Alguém,
aliás, que por vezes surpreendeu com respostas inesperadas.
Embebidos desta revolta brotaram inúmeras
idéias de campanhas. Mas não vi nenhuma que se referisse aos
abusadores/estupradores. Faz-se necessário esclarecer aqui neste ponto que estupro de vulnerável é o nome do crime que
abrange atos libidinosos contra criança e adolescente. Quais sejam: carícias, vouyerismo, exibicionismo, exposição a filme pornográfico,
fotos e vídeos de cunho sexualizado, masturbação, sexo oral, penetração digital
anal e vaginal, penetração peniana, etc., etc., etc,. Esses comportamentos
têm como característica, comum a todos, a ausência de vestígio. Portanto, o Estupro de Vulnerável é também
tipificado sem que o corpo da criança ou adolescente seja tocado. Ou que o seja,
sem deixar marcas físicas. Nosso equívoco, em atribuir a nomenclatura de
estupro apenas para os casos onde há violência, só beneficia o abusador que tem
uma tolerância a mais. Outro equívoco diz respeito a obscurecer a incidência de
estupro, em suas várias formas, em meninos. Eles são quase igualmente
molestados que as meninas, mas são muito mais sub-notificados que elas.
Estes números ocultos só favorecem os
abusadores/estupradores. As Políticas Públicas, já muito escassas, tornam-se
pífias para enfrentar o problema. Há uma campanha anual perto do carnaval sobre
a pedofilia. Parece até que pedófilo só aparece no carnaval ou que gosta de
carnaval. Na verdade, para o pedófilo, todo dia é dia de abusar da criança.
Todo dia.
Pensando sobre as várias intenções de campanha
de prevenção da pedofilia, que circulam neste momento, uma coisa chama nossa
atenção. Imagina-se que há abusos e estupros porque a criança não sabe dizer
não. Este é um outro equívoco muito grave. A criança sabe dizer não ao seu
abusador. Ele é que não sabe respeitar a criança, nem aceitar este não.
Evidentemente, que ajuda dar conhecimento
a uma criança sobre a restrição a suas partes íntimas. Mas isso não obstrui a
sagacidade de um abusador. Com sua mistura de intimidação e sedução, ele irá fazer
um novo arranjo para acessar estas suas partes íntimas. O resultado deste
conhecimento pela criança será sentido na maior facilidade que ela terá em
relatar para um adulto de sua confiança. O fato dela saber que os adultos têm
este conhecimento, que estão a falar para ela, faz com que o pacto do segredo,
estabelecido pelo abusador, sofra uma redução em seu resultado.
Por outro lado, não posso deixar de
remarcar que esta é uma atitude que sobrecarrega a criança. Uma vez que ela é
instruída a “dizer não”, ela será cobrada sobre não ter dito não ou não ter
parado o abusador com seu não. Sabemos que investir no auto-conhecimento, na
auto-decisão de uma criança, lhe é benéfico. Mas imaginar que só pelas
campanhas irá dirá não e teremos menos um problema, é muito ilusório. Há muito,
todas as crianças, as que já adquiriram a linguagem, dizem não para seus
abusadores.
Fica sempre à mostra que queremos uma
solução mágica para um problema que é sustentado estruturalmente. E mais, que
temos uma tendência disfarçada e silenciosa de desresponsabilizar o pedófilo,
hoje quase uma vítima, como dizia o Gardner. Ele, que goza de proteção da lei
de alienação parental, seu grande e seguro esconderijo, está sempre saindo do
foco da sociedade nos atos criminosos que pratica. Preferimos pensar que o
abusador/estuprador é alguém que tem um olho só, é um monstro, é um estranho
que vem seduzir a criança que está negligenciada pelos pais. Preferimos
esquecer que, aproximadamente, 90% dos casos acontecem dentro de casa, que 85%
dos casos são perpetrados pelos pais, padrastos que criam, avôs, tios, irmãos,
(99% são homens), que os abusos são cotidianos, negando que ele está entre nós,
é alguém acima de qualquer suspeita. Como escrevem nas sentenças juízes que os
absolvem: “o pai é uma pessoa ilibada”.
Precisamos ter mais cuidado, mais
responsabilidade e responsabilizar mais quem comete crime contra a criança.
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