A
Cultura do Estupro de Criança e a Pedofilia Intrafamiliar Acobertada - Final
Como havíamos comentado, a comoção em
torno da menina grávida aos 10 anos, resultado de abusos sexuais
intrafamiliares desde os 6 anos, já se dissipou. Isto é bom quando dá lugar à
atitude responsável. Mas o que apareceu foi uma Portaria do Ministério da
Saúde, que, prontamente, incrementou a pressão sobre as meninas grávidas,
inclusive “oferecendo” a imagem ultrassonográfica para plantar a culpa da mãe/menina.
Qual seria a razão de mostrar a imagem do embrião/feto para uma menina? Não
podemos deixar de pensar que a intenção é assombrar a criança, vivendo a dor do
estupro continuado e perpetrado, na grande maioria das vezes, por alguém que
ela ama e obedece, que quebrou a interdição ao incesto. A interdição ao
incesto, não podemos esquecer, é o marco civilizatório da humanidade.
O tempo midiático passou. Até mesmo a
querela religiosa perdeu as cores aberrantes e berrantes. Mas não foi e estupro
continuado que mexeu com a sociedade. Não foi a desproteção de uma criança
emblemática, pelo Estado, pelas Instituições Públicas e Civis, pela sociedade
toda. O que estará acontecendo agora com aquela menina? Sem poder voltar para
sua casa bem precária, mas onde estavam seus poucos objetos pessoais. Sem
cheiros, os ruídos, o claro e o escuro, ambiente que estava acostumada. Não era
bom, doía, mas era conhecido. Mas nossa transgressão arraigada, não permitiu
nem mesmo a existência social desta menina. A ganância pela sensação ilusória
de vencer uma guerra, tirou desta menina a identidade dela porque ela não
queria continuar arriscando a própria vida por uma violência que não iria nunca
descolar do resultado de estupros continuados por anos. Perdeu o nome. Talvez o
seu único bem durável, já que o corpo já lhe tinha sido roubado e deformado
pela violência.
Sobrevivente de uma tatuagem impressa em
sua alma, esta criança, representante de milhares de outras crianças, vive uma
solidão de grande dimensão. Tem 10 anos, mas envelheceu. Sua memória transborda
de lembranças que quer esquecer. Perdeu o processo de confiar no outro. Perdeu
o processo de se sensibilizar e se colocar no lugar do outro. Perdeu a conexão
com seu corpo que terá que carregar para sempre como sujo, vergonhoso,
testemunha permanente do horror que viveu no lugar da infância.
Mas, já a esquecemos. E, nada fizemos,
efetivamente. A fila andou. Uma nova menina 11anos, está com 8 semanas de
gravidez. Foram 84 meninas entre 10 a 14 anos que deram à luz em um trimestre.
Este número se refere apenas às crianças que chegaram ao hospital. Quantas teriam
sido de verdade? A Portaria do Ministério da Saúde, tão desfalcado, traz mais
pressão, denúncia policial, para o cumprimento da lei de interrupção de
gravidez na infância e na adolescência. Já há um artigo no ECA que fala da
obrigatoriedade de denunciar à autoridade competente o abuso sexual. Pais,
responsáveis, professores, médicos. Por que, novamente, fazer sobreposição
neste momento, apontando para as meninas estupradas que engravidaram? Os
médicos preferem não enxergar os vestígios dos abusos intrafamiliares. As
ameaças, o Backlash, é certo. E muitos fogem do problema que terão que encarar.
Meninos e meninas são abandonados por profissionais que tomam conhecimento, mas
preferem calar. Omissão ativa.
Para completar o requinte de crueldade, o
médico deve oferecer a imagem da ultrassonografia para a criança ver. Nesta
mesma linha, surgiram inúmeras ideias de campanhas para ensinar a criança a
dizer “não” para o abusador. Qual será a criança que não disse “não” ao
abusador? Todas disseram e dizem. E, qual foi o abusador que atendeu à criança?
Lançaram uma chantagem ou uma ameaça e foram em frente. Mais uma vez, a
sobrecarga em cima do vulnerável.
Não encontrei nenhuma ideia sobre o
abusador. Nem o da menina em foco, nem sobre nenhuma responsabilização de quem
comete este criem. Alguns xingamentos, mas nenhuma reflexão que possa promover
proteção para a criança. Faz-se necessário responsabilizar autores incestuosos
de abusos sexuais intrafamiliares, garantindo os Direitos Fundamentais da
Criança e do Adolescente. Urge o combate à Cultura do Estupro de Criança. São
meninas que engravidam ainda na infância, são meninos que estão sendo criados
pelos seus abusadores por conta de um vício jurídico de nome alienação
parental. São bebês que têm seus corpos violados para a produção de vídeos
pornográficos na indústria milionária deste novo formato da Exploração Sexual de
Crianças, submetidas ao trabalho escravo dentro de suas próprias casas. Bebês
que sofrerão de uma angústia corporal flutuante, porque ainda nem possuem a
noção de esquema corporal. Menos ainda a aquisição da linguagem para localizar
e descrever esta angústia. Antes de adquirir a capacidade de representação,
foram coisificados.
Os Crimes de Pedofilia Intrafamiliar, mal
investigados, muitas vezes não investigados, impunes, estão exterminando toda
uma geração que está sendo mutilada civilmente. Todos, somos responsáveis pelas
nossas crianças. Por que não responsabilizar culpados? Onde estão as Políticas
Públicas de efetiva eficácia? Proteção pertinente, persistente, e consequente?
A ausência das Políticas Públicas de Responsabilidade nos aponta a conivência
silenciosa, por vezes ruidosa agora, com a Cultura do Estupro de Criança e
Adolescente. Quando vamos fundar a Cultura do Respeito? Respeito às Leis,
Respeito às Crianças, Respeito às Mulheres, Respeito aos Idosos, Respeito às
Minorias, Respeito aos Portadores das Diversas Diferenças. As ditas “exceções”
também são cidadãos.
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