O
ECA e a sociedade partida Parte I
Em 13 de julho, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, ECA, completou 30 anos. Os
Direitos Fundamentais da Criança e os DEVERES da Família, da Sociedade e do
Estado, estão todos bem escritos no Estatuto. Mas, ele ficou mais conhecido
como se protetor de menor infrator o fosse. Não é. Sua abrangência atrai muitos
países que aqui vêm copiá-lo.
O ECA é primoroso na proteção e nas
responsabilizações da família, da sociedade e do Estado para o exercício da
proteção integral da criança e do adolescente. Ele é a pormenorização do nosso
artigo 227 da nossa Carta Magna. O ECA olha a criança e o adolescente como
Sujeitos de Direito.
No entanto, pouco se obedece. Muito se
critica. Um estigma que ganhou, “protege
menor infrator”, o que já foge de sua nomenclatura, não existe menor no
Estatuto, esta é uma nominação antiga do código de menores, arraigada para
manter a postura apenas punitiva, este estigma desconsidera a ausência de
Estado em grande parte da população vulnerável pela não educação, pela não
segurança pública, pelos não direitos básicos, pela ausência do Estado na
garantia ao Direito à Vida. Crescendo em condições sub-animais, crianças e
adolescentes não se humanizam. Os exemplos e modelos sociais no entorno,
apontam para o tráfico de drogas e os crimes contidos nele, com uma banalização
que facilita ainda mais o acesso a este mundo paralelo. Quantas vezes, a
criança que mora numa favela, não dormiu bem à noite por causa do tiroteio
forte, cada vez os fuzis são mais potentes, e pela manhã, ao ir para a escola,
teve que pular e desviar de cadáveres dilacerados, expostos pela rua. Nós
banalizamos a morte violenta, mas, só nos guetos. As crianças e adolescentes “urbanizados”,
não deixamos ir nem nos enterramentos assépticos, porque pode fazer mal a
eles.
Hoje, a arma .50 é desejo de consumo
destes jovens. E o que na educação estamos oferecendo? Que “fuzil .50” consta
para que aquela criança possa se sentir estimulada a estudar e buscar modelos
que a incluam no grande coletivo? E não, no gueto a que pertence e está
condenada. Não estou me referindo ao discurso vitimista de justificar um ato
criminoso, muitas vezes com requinte de crueldade, atribuindo a culpa da
barbárie à sociedade. Esbarraríamos na evidência dos muitos sobreviventes de
qualidade social oriundos das mesmas localizações geopolíticas e das mesmas situações
dramáticas de vulnerabilidade. Avançamos na redação do Estatuto, no entanto,
não cumprimos, por exemplo, na questão da infração de adolescente, o que está
escrito: as medidas socioeducativas. Eles são “apreendidos”, presos, e ali
permanecem aprendendo, com os outros, novas técnicas e se associando em novos
grupos, para voltar às ruas, mais capacitados em delitos e crimes. E a tal da
reeducação? E a profissionalização? É mais do mesmo? Não podemos, tampouco,
imaginar que a ausência de condições humanas básicas não teria nenhuma
repercussão na formação de crianças. Aliás, este é um item mais objetivado,
mais perceptível, quando pensamos, por exemplo, a mobilidade urbana para as
crianças de nossas cidades, e a real imobilidade urbana sob os vários aspectos
que transcendem a primeira ideia associada à cadeira de rodas. São muitos os
obstáculos, as barricadas reais, as visíveis nas entradas de comunidades, e as
sociais invisíveis, o que já foi objeto de outro artigo nosso aqui na Coluna,
publicado em 04 de julho, já publicado na Revista da ANI, Associação Nacional e
Internacional de Imprensa, em janeiro de 2020.
Se, temos as cidades partidas, temos
também lares partidos pelas violências praticadas dentro da família, e isso não
aparece num olhar superficial do entorno. A violência doméstica quebra a vida
de crianças e adolescentes em dois pedaços. O pedaço de dentro de casa é
separado por um verdadeiro fosso que cerca toda a família. No social, ninguém
consegue notar uma vítima de violência doméstica. Até mesmo os serviços de
atendimento de urgência engolem a “explicação” que o olho roxo foi ocasionado
por uma queda da escada. Sempre, a queda da escada. Mas, o entorno não vê e,
também, não quer ver, as marcas concretas da violência no corpo da mulher e no
corpo da criança. Esta tem suas marcas sempre atribuídas a travessuras
infantis, mesmo que sejam equimoses nas duas faces das nádegas ou lanhadas nas
costas. Como seriam estas travessuras? Como poderiam ter acontecido?
Não podemos esquecer que uma violência
contra a mãe, na frente ou escutada pela criança, é uma violência contra a
criança. Ela é atingida, fatalmente. Mas, não raro, escutamos ou lemos em
sentenças, que a criança deve ir para a casa do pai porque ele
ainda não bateu na criança. Colocar uma criança em exposição de
comportamentos violentos até que eles se concretizem, é uma decisão muito
temerária, que fere o compromisso com a sua vulnerabilidade, inscrito em
diversos artigos do ECA.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
prevê garantias de Direitos Fundamentais e Deveres da Família, da Sociedade e
do Estado, para que a formação saudável possa acontecer. Ele reza Direitos e
Deveres na socialização, na escolarização, nos processos de adoção, na
negligência, nos maus tratos, nas situações de portadores de alguma
especialidade, na exploração de crianças e adolescentes, enfim, na Proteção
Integral e o Crescimento SAUDÁVEL da
Criança.
Ocorre que a falência das instâncias sociais
primárias é uma evidência. Temos um tecido social corroído, puído e corrompido
por ideias infundadas e cifras de origem duvidosa, arraigadas no alicerce desta
sociedade. Grita-se por direitos a plenos pulmões, mas não são considerados,
nem em reflexão, os deveres, menos ainda os deveres de coletividade,
alimentando esta falência, e comprometendo o futuro das Crianças e Adolescentes.
O ECA, aos 30 anos, precisa ser
implementado de verdade para que possamos construir a Cultura do Cuidado e
Responsabilidade da Criança.
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