IMAGINA NA COPA
Jargão, quase piada, tem lista longa.
Usado por alguns, vistos como pessimistas. Outros o utilizam como abertura para
crítica ou queixa atual de um serviço público, finalizado pelo “imagina na
copa”. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção o Trabalho Infantil, temos 3.7
milhões de crianças e adolescentes em situação de exploração de sua força de
trabalho. Índice considerado como uma melhora. Deste montante, nada
desprezível, mais de 90% é de meninas. E quantas, dentre este número, são
exploradas por trabalho sexual? Alguém poderia responder isto? Acredito que,
ninguém conseguiria. Está embaixo do tapete, também, como tantos índices
referentes à criança. Senão, vejamos.
Temos 04 grandes eventos a serem
realizados em tempo próximo, somando, por coincidência, um número previsto de
3.6 milhões de turistas. São 03 megaeventos esportivos, dos quais dois de
futebol, e um megaevento religioso. Também incluído aqui nesta questão. Para além
do problema das vagas de hotel e acomodação, língua, placas, pergunto: prestou-se
atenção no perfil da população de turistas que amam o futebol? E o perfil de
parte dos religiosos?
Os investimentos, bilionários. Os
públicos e os privados recheados de incentivos. Estádios, hotéis, centrais de
controle de segurança, helicópteros de guerra urbana, embelezamentos muitos. A
mídia noticia os treinamentos especializados. As aulas de inglês estão por todo
lado. De boas maneiras. Da segurança de grandes concentrações com a preocupação
em ações terroristas à discrição dos funcionários dos hotéis para não incomodar
as celebridades. O lixo tornou-se objeto de planejamento, com direito à multa
para quem não obedecer e jogá-lo no chão.
Mas, imagina na Copa, sim. E a
primeira já chegou. Imagina se os pedófilos exploradores e os pedófilos
consumidores vão ficar só vendo a bola rolar. Imagina se este comércio também
milionário patrocinado pela miséria psicológica da vulnerabilidade de uma
menina ou um menino, irá deixar passar uma oportunidade dessas. De um lado, homens
sem suas famílias, bebendo e se divertindo. Do outro, uma legião, ninguém sabe
quantos por falta de estudo e trabalho, de vulneráveis submersos em várias
misérias, vivendo as frustrações de uma sociedade consumista.
Terrorismo é oferecer a negligência,
diria mesmo a conivência com a prostituição infantil já anunciada para quem
quer ver. Podemos também desviar o olhar. Lixo é como estas meninas vão se
sentir pelo resto da vida, lixo social. Com precária condição sócio-econômica a
menina e o menino que já vivem de bolsa, vão viver de bolsinha. Para as
meninas, um investimento suplementar será necessário nove meses depois de cada
evento destes, para cada uma que passar a ser mãe adolescente de um filho sem
pai. Mas ela fará parte do tão falado legado deixado. Um pós-guerra
pós-moderno.
Nenhuma campanha de prevenção e
proteção de crianças e adolescentes contra a exploração sexual infanto-juvenil,
como tinha sido prometido. Uma conferência para turistólogos ficou em fevereiro.
Falava de um compromisso oficial. Confirma-se isto quando uma doutoranda de
Administração Pública, com foco na eficiência de “Instrumentos Públicos”,
brasileira estudando no Canadá, que vem buscar estas informações para sua tese,
percorre pessoalmente SETUR, RIOTUR, SEBRAE, BITO, e C&V Bureau, este por
telefone, e nada, nada encontrou sobre alguma campanha de “Turismo Sustentável
e Infância”, nenhuma atitude política ou social. Ela nos contatou, trazendo na
bagagem de sua pesquisa de campo este vazio da ação pública. Em branco. Há
alguns anos, uns oito ou dez, houve uma campanha especial da EMBRATUR voltada
para o combate do turismo sexual infantil. À época, em agências de viagem em
países da Europa, havia cartazes que ofereciam pacote turístico para o Brasil
com o bônus de uma virgem menina. Participamos deste trabalho.
Perdemos mais uma vez uma
oportunidade de exercer nossa cidadania. Perdemos mais alguns milhares de
crianças e adolescentes para a pedofilia. Perdemos mais algumas décadas para a
conivência com a transgressão e a perversão. Porque ela não termina quando
acaba o último megaevento, ela é do legado. Será que seria muito difícil
incluir nas aulas de inglês uma frase que mostrasse o nosso cuidado e a nossa
responsabilidade com nossas crianças? Seria um começo. Imagina um pouco de verba
para treinar a atenção do turistólogo receptivo sustentável. É insustentável
oferecer os filhos menores para o prazer sexual de visitantes perversos. O
tempo dos 90 milhões em ação já acabou. Ou deveria. Quando vemos que, novamente
estamos nos enganando e desviando o olhar para cumprir o pão e futebol de cada
dia, ficamos com a impressão de que não crescemos, só inchamos e dobramos de
número. As crianças e adolescentes brasileiras precisam apenas de alguns, mas
com compromisso, com envolvimento, com responsabilidade, com legítima vontade
política.
“don’t
touch our children!”
“ne
toucher pas nos enfants!”
“não
toque nas nossas crianças!”
Ana Maria Iencarelli.
Psicanalista de Crianças e Adolescentes.
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