Estragos
Permanentes da Privação Materna pela acusação
de Alienação Parental - Parte III
Uma criança pequena faz uma revelação de
abuso sexual que ela nem tem muita noção da gravidade. Mas, não raro, ela
revela após a separação dos pais porque passa a se sentir mais confiante e
segura. O pai não dorme mais em casa. Dormir sob o mesmo teto, para a criança,
é muito intimidador. A noite é muito assustadora quando há um agressor dentro
de casa. A criança fica aterrorizada ao pensar que seu agressor, que já tem uma
superioridade física sobre ela, pode ainda “pegá-la” dormindo, completamente
indefesa.
Não é difícil localizar todos os
sentimentos de repulsa que temos pela mãe que abandona seu filho, bebê, numa
caçamba de lixo, por exemplo. A condenação é extensa. Mas, hoje, temos o abandono
materno judicial compulsório, promovido pelo rito da lei de alienação
parental. Uma vez que a criança revela ou comunica de forma comportamental que
está exposta a práticas de abusos sexuais, sua mãe é obrigada a fazer uma
denúncia, art. 13 do ECA, o que, imediatamente, sem nenhuma
comprovação, até porque não existe instrumento de aferição de tal
comportamento, é travestido em alienação parental, mudando da Vara Criminal
para a Vara de Família. O Mito da Família Feliz, como escreve a Desembargadora
Maria Berenice Dias, se desenha e se opera. O crime de abuso sexual
intrafamiliar deixa de ser investigado, a Voz do genitor ecoa como
verdade indubitável, a mãe passa a ré. O abusador vira vítima. E a criança,
como instrui Gardner em seu livro “True and falses accusations of child sex
abuse”, deve ser levada à exaustão, fazendo com que relate infinitas vezes
os abusos sexuais. Esta é uma tática para a banalização e que é seguida pela
outra instrução sobre a terapia de crianças vítimas. Ele afirma que o terapeuta
de crianças abusadas deve se sentar ao lado da criança para assistir, junto com
ela, a vídeos de abusos sexuais de outras crianças e dela mesma. Assim, ele
acredita que a criança irá naturalizar o abuso.
Para que estas manobras sejam operadas, a
mãe deve estar afastada da criança. Daí a necessidade de seu distanciamento.
Ninguém dimensiona o encastelamento da criança, entregue ao pai abusador, que é
praticado. A perversidade desta condenação dupla para a criança e dupla para a
mãe, é avassaladora. Para a criança, ela revelou, quebrou o pacto do segredo
firmado com o pai/abusador, e foi punida. Foi entregue ao autor das violações
de seu corpo, de quem tinha tanto medo,
e perdeu a mãe, em quem confiava. A criança se sente sendo presa, as buscas e
apreensões tão frequentes, trazem, claramente, esta vivência. Elas são arrancadas
de seu mundo de referência, da mãe, incluindo para os menores, do peito que
mamavam, da casa, dos cheiros, dos brinquedos, da caminha, dos seus animais de
estimação, tudo lhes é tirado abruptamente. São surpreendidas por pessoas
estranhas, policiais, armas em punho, muitas vezes, que os agarram e levam. É a
ida para o cárcere. A viagem é curta, mas ainda piora. São entregues por estes
policiais que as seguraram com força, ao pai abusador. Ali, morre a esperança
de proteção em falta. Os gritos traduzem o desespero. Mas nada detém a operação
de guerra armada para retirar a criança da condenada “mãe alienadora”, a “mãe
louca”. Esta condenação é sumária. E não espera o trânsito em julgado. Não
precisa. O pai falou que era alienação. O caráter dogmático deste termo
consolidou-se porque ele leva à ilusão de uma “resolução mágica” de que tanto
gostamos. Abrevia o caminho, e cega para a monstruosidade do incesto.
Pelo lado da mãe também há uma dupla
condenação. Ela é acusada e sentenciada como louca e maliciosa. Mas a pior
condenação é a da constatação de sua impotência para proteger sua cria. E, para
não poder insistir nem usar a Justiça Recursal que nos rege, a mãe é,
devidamente, amordaçada. Isto implica em ouvir ordens de Operadores de Justiça
que as proíbem de falar sobre os abusos com a criança, de participarem de redes
sociais, num exílio dentro de sua própria vida.
“Juiz não tira filho nem de mãe
prostituta, se perdeu a guarda é porque fez uma coisa muito grave”.
Esta é uma afirmação social preconceituosa e perversa que visa acabar de
aniquilar a mãe. Por maior que seja seu esforço para se manter em pé, este
combo de violências, a psicológica, a moral, a patrimonial, lembrando que todas
as que perderam a guarda passaram a pagar, rigorosamente, pensão alimentícia
para o pai abusador que fica com a guarda unilateral, a mãe é massacrada no seu
Direito à maternidade. Nestes casos, muitas vezes, o pai não pagava pensão há
muito, mas isso lhe é perdoado, porque ele era vítima de alienação da mãe.
Pode parecer que isto pertence ao mundo
dos adultos, mas isto é um equívoco. A criança acaba por ter conhecimento, na
maioria das vezes pelo próprio pai que prossegue desqualificando a mãe. Faz
parte do combo das violências. Além disso, esta sombra que vem com o
preconceito da comparação com as mães prostitutas, potencializa a violência
contra a criança pelo constrangimento em seu ambiente social. Ela sempre escuta
aquela pergunta “por que sua mãe não veio?”, para a qual ela não tem resposta.
Só vergonha, constrangimento vexatório. Esta é uma fonte de mal estar, um
nascedouro de psicopatologias permanentes. É comum que a agressividade, a mesma
violência recebida pelo combo da alienação parental, se cristalize e avance
contra tudo e todos. A Privação Materna Judicial motivada pela acusação do
dogma da “alienação parental” tem, para a criança, a equivalência do abandono
da caçamba de lixo.
Acrescentar ao abuso sexual intrafamiliar,
um trauma, a privação materna judicial, outro trauma, está estragando, em
permanência, a mente destas crianças, vítimas da perversidade da lei de
alienação parental.
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