Fenômeno
“Lewandowski”, cultura da transgressão e pedófilos
Vivemos um tempo de experiência coletiva da cultura
da transgressão. Nem nos damos conta do infeliz exercício cotidiano de negociar
a lei a cada esquina, mergulhados na cultura da transgressão, o que tem
nos levado à sensação de vivermos numa sociedade cenográfica, onde
instituições, comportamentos e relações psicossociais são de faz-de-conta, de
papelão pintado com as tintas do narcisismo. A lei não é internalizada, só é
convocada quando de um interesse pessoal, e nem se aplica a todos. Assim, o
pouco conceito de lei resta pessoal, não sabemos o que é coletivo ou público. Negligenciar,
desanimar, se omitir, relativizar ilícitos, da regra de trânsito ao crime
hediondo contra a criança, distorcer e interpretar negando o óbvio contando com
a onipotência de se acreditar capaz de convencer a todos, culpar a vítima,
negociar e customizar o limite e a lei, etc., etc., etc., é o que acontece em
todas as situações das nossas relações sociais. Este estado de desnecessidade
de compromisso e responsabilidade com o outro favorece, generosamente, aqueles
que, patologicamente, precisam do prazer da sensação de poder. É nítido este
comportamento na maioria dos políticos, dos empresários, dos governantes. É o
que fazem também os pedófilos, os “ao vivo” e os virtuais. Acreditam estes que
ninguém irá descobrir o que praticam e, quando denunciados, negam o óbvio,
acusam quem lhes denuncia, porque conhecem bem seu potencial de impunidade.
Afinal é apenas uma criança falando, ou, no similar deste momento, os
brasileiros, portanto, não merecem crédito. São os crimes quase perfeitos
porque, silenciosos e perversamente frios. Abusadores e corruptores não deixam
rastros, muito menos provas, é claro. Juízes são feitos para fazer Justiça. E
supomos que, quanto mais Supremo, mais capacitado ele está para avaliar,
relacionar e julgar indícios, juntando peças destes sofisticados
quebra-cabeças, intencional e ardilosamente, embaralhadas para o acobertamento
destes criminosos. Provas concretas são equivalências de operações mentais
primitivas, implicam em ingenuidade, estão no nível de pensamento concreto no
desenvolvimento cognitivo da criança. Já enjoados de pizza, fomos convidados
para a primeira festa da cidadania de uma Instituição de Verdade. Mas,
assistir às distorções das constatações nos autos, sendo
travestidas em acusação de desnecessidade de indicação de
"ato de ofício", é traumático. Muito se
parece com a minha vivência de batalha e frustração dos caminhos da proteção de
crianças e adolescentes. Quando escuto o argumento “mas não houve penetração”,
então não é tão grave uma menina, ou um menino serem abusados todas as noites
pelo pai. Esquecem as pessoas, e nem querem ouvir, que, como na corrupção é a
presença de barganha, no abuso é a proposta tirada do corpo de uma criança com
02, 12 anos de idade, deste corpo sem sensualidade dar prazer a um adulto, é
este estupro psíquico, até à distância. Tocando com carícias ou através da tela
de um computador, os danos psicológicos são irreversíveis em sua maior parte.
Por toda a implicação das
representações, o fenômeno “Lewandowski” nos assustou. Fomos jogados de volta à
impotência, tornamo-nos vulneráveis, sentimo-nos como uma criança quando é
abusada por um adulto. Os crimes de poder, o pequeno ou grande poder, tem a
mesma essência: o prazer do criminoso advém da sensação de onipotência pela
transgressão realizada e impune. De bônus, ele parte para o mecanismo de defesa
primitivo da projeção: a inversão para transformar a vítima em algoz, e,
conseqüentemente, o “pobre agressor” se tornar vítima. Hoje, estes criminosos
estendem seus tentáculos atacando os técnicos que confirmam seu comportamento agressor
sexual, movendo processos contra os profissionais que se pronunciam. Desde a
década de 60, estudos demonstram que este movimento denominado BACKLASH
acontece e diversos países, e há alguns anos já chegou entre nós. Engessados
pelos processos, ameaçados da perda de seu registro profissional, os técnicos
são silenciados, e servem de “exemplo” que outros técnicos se amedrontem e nada
afirmem em laudos vazios de tudo o que ocorre de fato entre aquele abusador e a
criança.
É, portanto terrorífico vermos um
operador de Justiça argumentar a favor de um crime de poder público,
sacramentando pela absolvição a impunidade, ou pelo menos contribuindo para
baixar a média das condenações. Não conseguimos dimensionar a extensão dos
estragos a médio e longo prazo, ou o número de crianças atingidas. A indignação
é muito pouco diante da força das nefastas conseqüências deste fenômeno. O uso
destes argumentos será transformado em Jurisprudência, que será bem aproveitada
pelos pedófilos, a desnecessidade de contestar indícios beneficiados pela
necessidade de provas. A queda da cultura da transgressão é um longo e penoso
processo de cidadania a ser batalhado por todos nós, todos os dias.
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