quinta-feira, 6 de março de 2025

Espacialidade e Temporalidade Parte I

Espacialidade e Temporalidade Parte I “Eu fui no cinema amanhã ver o Rei Leão”. “Fui” e “amanhã” se referindo à mesma experiência de uma criança de 4 anos. Se for perguntada sobre o ambiente físico do cinema, ela fornecerá alguns dados interessantes para a compreensão do processo de aquisição das noções de espaço. Certamente memorizou que a cadeira “fechava” se ela se mexesse de uma certa maneira. Citaria o escuro e o som alto. Esses são dados sensoriais obtidos na experiência do primeiro cinema. Na percepção sensorial memorizada fica a existência concretizada da luz e do som. Quando e como adquirimos essas noções de espaço e de tempo? O desenvolvimento de uma criança é uma obra de arte perfeita. As comunicações de sistemas, as sinapses neurológicas em profusão, e diria, as outras sinapses, uma espécie de “intersinapse” ou “multisinapse”, que transmitem as comunicações entre vários sistemas dentro do corpo. Trabalho contínuo, e crescente a cada segundo durante a infância. Não conseguiríamos contar quantas sinapses foram necessárias para a elaboração da frase inicial: eu fui no cinema amanhã ver o rei leão. Milhões e milhões. E se pedirmos para a criança repetir em seguida, já teriam entrado na frase mais alguns milhões de sinapses. Uma criança de 3 anos já tem um razoável esquema corporal dela mesma. Ela localiza e nomeia as partes do seu corpo, tem uma autopercepção dos acontecimentos sensoriais que ocorrem no seu corpo, e, o mais importante, é a partir desse esquema corporal que ela vai construir sua noção de espacialidade. O espaço é aferido pelo seu corpo, ele é o parâmetro para dimensionar o espaço em que está inserida e o espaço que de sua observação. Mergulhada na engrenagem do ininterrupto sistema sináptico neurológico, para construir essa noção, ela lança mão do seu acervo de cognição e de linguagem. Mas é, principalmente, pela sua motricidade que ela fará com que os dados sensoriais, suas percepções concretas, se tornem um primeiro conceito de espaço que irá se sofisticando à medida que seu desenvolvimento vais ocorrendo e se tornando cada vez mais complexo. Os gestos corroboram o espaço. E a criança tem na fase da imitação, fase do desenvolvimento cognitivo que organiza a partir das identificações aparentes das pessoas que lhe importam. A noção de espaço, portanto, nasce e vai crescendo a partir do seu corpo, que é o espaço primeiro. Completamente compatível com o seu funcionamento cognitivo, em raciocínio concreto, até os 10-11 anos. O espaço é perceptível, é palpável, é concreto. O “onde” pode não ser pronunciado corretamente numa resposta de uma criança de 3 anos, mas ela é capaz de descrever com algumas referências que estão na realidade. Mas o tempo não é tangível concretamente. A noção de tempo não se alimenta do concreto. Onde ela poderia ver o ontem, o hoje, o amanhã? Buscando na linguagem os advérbios, lembrando que ela não sabe o que é um advérbio de tempo, ela, frequentemente, se confunde com o significado dele. “Amanhã eu fui” é a comprovação dessa dificuldade de aquisição pela ausência de concretude, do fator experiencial. A criança diante dessa dificuldade tenta apelar para localizações, em geral, em auto referência. Quando o corpo dela reaparece em seu discurso: “quando eu era pequena”, “quando eu tinha 2 anos”, ou “quando eu estava na escola”, e, assim, consegue minimizar sua deficiência relativa à noção de tempo. Ela será auxiliada pelo raciocínio de seriação. Essa é a época dos álbuns de figurinhas, da aprendizagem da numeração, a experiência cognitiva das sequências. Essa fase, em torno dos 6-7 anos, é essencial para construir a noção de tempo. É o antes e o depois das figurinhas. E essa descoberta transborda e a criança inclui em suas brincadeiras o ordenamento de carrinhos, de lápis, de bichinhos ou bonecas, criando filas que obedecem a um critério de ordem que ela estabelece. Como um cientista, todas as aquisições no desenvolvimento motor, linguístico, e, principalmente, cognitivo, regados pelo afetivo, e patrocinado pelas sinapses das transmissões neuronais, a criança cresce repetindo padrões rigorosos para concluir por um novo dado. É um funcionamento científico onde a observação e a repetição de qualidade, escolhendo uma única variável, vão levá-la à verdade do mundo que a rodeia. Ela é muito séria nessas pesquisas sobre cada mistério ao seu redor, para que forme e ajuste a cada dia sua visão de mundo. Por isso seu enorme apego à verdade. Não tem filtro social, e muitas vezes fala o que, socialmente, deveria guardar, colocando os adultos em saia justa. Aprende bem pequena a dizer que “é verdade verdadeira” quando percebe que alguém não está lhe dando crédito.

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