sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
A barbárie com as Crianças Ianomâmis, e as outras Crianças. Parte II
A barbárie com as Crianças Ianomâmis, e as outras Crianças.
Parte II
“Ana, vai doer?” Era um menino, 10 anos, no período terminal de sua doença.
Câncer. Tinha medo. Tinha culpa por deixar seu pai, que sabia ia sofrer muito com sua
morte, não admitia, apesar de todas as evidências e notícias médicas.
A morte, para uma Criança, é de difícil compreensão. Seu funcionamento cognitivo,
em raciocínio concreto, não encontra respaldo na ideia de morte, que conjuga a
abstração absoluta à irreversibilidade dura. Os adultos, muitos, permanecem com essa
dificuldade de pensar a morte pela sua irreversibilidade e pelo desconhecimento que
está nela contido.
As Crianças sentem responsabilidade pelos adultos que amam. As Crianças mais
bem nutridas afetivamente começam a ter empatia na infância. Essa dimensão humana,
tão necessária, se constrói através do cuidado com o outro, uma evidência dessa
empatia.
Quando olhamos para as Crianças, as aranhinhas Ianomâmis, que não choram, não se
mexem, evidenciando a falência de qualquer réstia de força física, nos perguntamos:
como algumas delas abraçam o que está ao lado? Numa postura de proteção, mesmo
que ela não exista nessa condição em que estejam, é a empatia que se mostra para todos
nós. Elas nos mostram como devemos nos comportar com apenas um gesto singelo.
No entanto, somos, cada vez mais, cegos, surdos e mudos, para a compaixão com o
outro. E a Criança tem sido, cada vez mais, negligenciada e depredada. Parece que
acreditamos na estupidez da negação da gravidade de comportamentos nossos, contra
elas, apostando que a Criança vai esquecer. Nossa memória é dinâmica, mas, muito
complexa. Situações traumáticas não são nunca esquecidas. São guardadas. Às vezes, a
7 chaves, mas estão ali atrás das 7 fechaduras. E podem reaparecer.
Distante, geograficamente, o terremoto na Turquia e na Síria, trouxe imagens
dolorosas. Crianças retiradas depois de dias de soterradas por montanhas de escombros.
São salvas para o relento frio intenso, salvas para o nada. Terremoto de grandes
proporções que derruba ruínas humanas na Síria, já arrasada por uma guerra civil que
dura anos. Meu avô materno era sírio, daquela região que foi destruída. Não tenho ideia
de quantos familiares perdi para as bombas e mísseis. Sensação muito esquisita de
perder quem não conheci, mas que era do mesmo grupo que pertenço. Crianças,
quantas, órfãs, mutiladas, mortas.
Por aqui, mais Crianças em vulnerabilidade social, tem sua casa com as poucas
coisas que os pais conseguiram juntar, cair na correnteza dos temporais, engrossando
uma lama que tudo cobre. É o exercício periódico do perder o quase nada que tinha.
Quantas vezes, os que não perderam a vida, foram alagados dentro de suas modestas e
arriscadas casas? A solidariedade imediata chega. Mas a solidariedade de Políticas
Públicas, não.
Mas, não só de carências morrem nossas Crianças. As fomes são diversas. Há fome
de nutrientes, exibida pelas Crianças Originárias da Amazônia. Há fome de Segurança
Pública nos tiros de fuzil que matam meninos e meninas nas Comunidades sem
Cidadania. Há fome de Segurança Habitacional nas encostas ou nos prédios da Turquia
e da Síria que não seguem os protocolos de construção. Há fome de conhecimento que
não permita substituí-lo por seitas e dogmas sem fundamentos. Há fome quando uma
psicóloga judicial faz campanha desqualificando a lei da Escuta Especial, justiça contra
Justiça. Há fome de Proteção dentro das casas onde Crianças são espancadas até a morte
e/ou abusadas sexualmente, com a omissão do entorno. Há fome de Justiça quando
predadores de Crianças ficam impunes, acobertados por “leis” absurdas, como a lei de
alienação parental ou a obrigatoriedade da guarda compartilhada, beneficiando
agressores.
Há que se fundar a Cultura do Respeito à Criança. Há que se escutar a Criança, ao
invés de se valer de falácias e de verdadeiras fábulas montadas por técnicos que usam
pequenas informações de orelha de livro para interpretar, quebrando o compromisso
profissional e Ético, de ajuda.
Assistimos uma sucedânea de aberrações afirmadas, sem nenhum pudor com a falta
de razoabilidade, aliás um Princípio Constitucional, que ganham seguidores ávidos por
ganhos fáceis, muitos, mantendo, assim, a fome de Dignidade da Criança.
Essa lei de alienação parental tem mutilado um enorme número de Crianças vítimas
de abusos sexuais incestuosos, patrocinando a Privação Materna Judicial, porque se
acredita que a mulher é louca e a criança um robô que repete um relato “dirigido’ por
essa mãe louca. O mito da Mulher louca, ressentida e interesseira foi trazido por essa lei
ao mais alto pódio.
É inexplicável que alguém, uma mãe, sempre, seja penalizada por alienação parental
inconsciente. Sim. Pasmem. É como se eu fosse condenada porque um operador de
justiça “descobriu” que eu tinha um desejo inconsciente de matar um vizinho que me
incomodava por algum motivo. Sem ter cometido o crime, pelo meu desejo
inconsciente, eu seria punida. É certo isso? A “alienação parental inconsciente”, uma
fabulação, é suficiente para inversão da guarda, com a entrega da Criança para o genitor
que tinha sido denunciado por violência física ou sexual contra uma filha ou um filho.
A mesma justiça que pede materialidade concreta em denúncia de abuso, sentencia
uma mãe por alienação parental inconsciente. E a materialidade? Para esmagar e
amordaçar a mulher, não se faz necessário.
“Vai doer?” A morte, não. Viver assim, dói, imensamente. O desamparo dói.
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