quarta-feira, 23 de março de 2022
Conselho Nacional de Saúde: Recomendação 003
RECOMENDAÇÃO Nº 003, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2022.
Recomenda a rejeição ao PL nº 7.352/2017, bem
como a adoção de medidas de proibição do uso de
termos sem reconhecimento científico, como
síndrome de alienação parental, entre outros.
O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas
competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do
CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº
8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de
janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as
disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da
legislação brasileira correlata; e
Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
estabelece que “[a] saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”;
Considerando que o art. 226, §5º da CF de 1988, prevê que os direitos
e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher e o §8º, que dispõe que o Estado assegurará a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações;
Considerando que o art. 227 da Constituição Federal e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que elevaram
crianças e adolescentes à condição de sujeitos de direitos especiais e
autônomos, com a finalidade de garantir o melhor interesse, a proteção integral
e a absoluta prioridade desse segmento;
Considerando o Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, que
promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança;
Considerando o Decreto nº 1.973, de 01 de agosto de 1996, que
promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará);
Considerando o Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, que
promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW);
Considerando que a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que
dispõe sobre alienação parental, foi elaborada a partir da “síndrome de
alienação parental”, conceito sem validação científica, não reconhecido como
síndrome pela American Medical Association, pela American Psychological
Association e não constando no Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM) da
American Psychiatric Association como um transtorno psiquiátrico;
Considerando que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
o Brasil apresenta a 5ª maior taxa em feminicídios e que as mulheres em
vivência de violência doméstica, ao longo de suas vidas, apresentam mais
problemas de saúde e buscam com mais frequência os serviços de saúde do
que pessoas que não sofrem esses maus tratos;
Considerando a publicação “COVID-19: Mulheres à frente e no centro”,
da ONU Mulheres, que afirma que a violência contra as mulheres é uma
pandemia em todas as sociedades, que a violência doméstica triplicou em
países que praticam isolamento social;
Considerando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
ONU, que traz no Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar
todas as mulheres e meninas; o 5.1. Acabar com todas as formas de
discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte; e o 5.c.
Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da
igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em
todos os níveis;
Considerando o posicionamento de inadmissibilidade da “síndrome da
alienação parental” da ONU Mulheres em 2011, segundo o qual não é
admissível a legislação declarar a “síndrome da alienação parental” como
prova em audiências sobre custódia ou visitação de filhos;
Considerando que esta presumida síndrome e seus derivados são
rechaçados no mundo e com recomendações da ONU para coibir e banir os
termos nos tribunais por prejudicar mulheres e crianças em situações de
violência doméstica e familiar e em casos de abuso sexual intrafamiliar em
países que receberam as recomendações da ONU como: Itália (2011); Costa
Rica (2017); Nova Zelândia (2018); Espanha (2020). E ainda o Conselho
Europeu recomendou a Áustria e a Espanha em 2020;
Considerando que em 2020 a OMS (Organização Mundial de Saúde)
se manifestou pela eliminação da inclusão da alienação parental na
classificação CID 11, uma vez que o termo, além de um problema judicial, não
serve aos propósitos de codificação nem contribuirá para as estatísticas de
saúde válidas e significativas;
Considerando o Relatório sobre a implementação da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
‘Convenção de Belém do Pará’ em Cumprimento à Resolução Ag/Res. 2803
(Xliii-O/13), da Comissão Interamericana de Mulheres da Organização dos
Estados Americanos (OEA), de 18 fevereiro 2014, que reconhece que o tema e
o uso da “Síndrome da Alienação Parental” vêm afetando cada vez mais as
mulheres na região;
Considerando a Recomendação Geral nº 33/2015, que dispõe sobre o
acesso das mulheres à justiça, do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação
contra as Mulheres (CEDAW), que reconhece que “os estereótipos e os
preconceitos de gênero no sistema judicial têm consequências de amplo
alcance para o pleno desfrute pelas mulheres de seus direitos humanos”;
Considerando a Nota Pública do Conanda (Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente) sobre a Lei da Alienação Parental (Lei nº
12.318, de 26 de agosto de 2010);
Considerando a Nota Técnica nº 01/2019 do Núcleo de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) de São Paulo, que analisa a Lei nº
12.318/2010;
Considerando o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de
Gênero 2021, do Conselho Nacional de Justiça, que reconhece que “a
alegação de alienação parental tem sido estratégia bastante utilizada por parte
de homens que cometeram agressões e abusos contra suas ex-companheiras
e filhos(as)”, define e exemplifica a violência Institucional como “Violências
praticadas por instituições” como no Poder Judiciário ao “taxar uma mulher de
vingativa ou ressentida em disputas envolvendo alienação parental ou
divórcio”;
Considerando que o Projeto de Lei nº 7352/2017, que altera a Lei nº
12.318/2010 para determinar a prioridade na tramitação de processos, em
qualquer instância, relativos a atos de alienação parental, aprofundando a
violação de direitos humanos de mulheres;
Considerando o Manifesto Contrário ao Parecer de Plenário
Apresentado pela Deputada Aline Gurgel ao PL nº 7.352/2017 do Coletivo de
Proteção à Infância Voz Materna;
Considerando a Recomendação nº 123, de 7 de janeiro de 2022, do
Conselho Nacional de Justiça, que recomenda aos órgãos do Poder Judiciário
brasileiro a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos;
Considerando os debates ocorridos na Comissão Intersetorial de
Saúde da Mulher (CISMu) do Conselho Nacional de Saúde, segundo os quais
o uso da “Síndrome da Alienação Parental” vem afetando negativamente
inúmeras famílias, em especial as mulheres; e
Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho
Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008,
Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos
emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário,
submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.
Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de
Saúde
Ao Congresso Nacional:
I – A rejeição do PL nº 7.352/2017, que altera a Lei nº 12.318/2010 e a
Lei nº 13.105/2015, para determinar a prioridade na tramitação de processos
relativos a atos de alienação parental;
II – A revogação da Lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre alienação
parental.
Ao Conselho Federal de Medicina, Conselho Federal de Psicologia
e Conselho Federal de Serviço Social:
O banimento, em âmbito nacional, do uso dos termos síndrome de
alienação parental, atos de alienação parental, alienação parental e quaisquer
derivações sem reconhecimento científico em suas práticas profissionais.
Ao Conselho Nacional de Justiça:
I – A revisão e retificação das recomendações, cartilhas e cursos onde
são utilizados os termos sem reconhecimento científico como síndrome de
alienação parental, atos de alienação parental, alienação parental e quaisquer
derivações; e
II – A promoção de formações e debates para as(os) magistradas(os)
abordando a retirada dos respectivos termos sem reconhecimento científico do
ordenamento jurídico.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
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