Mais uma Lei
Jabuti, a cortina de fumaça da legalização dos jogos de azar Parte IV
Levantamos nas semanas anteriores o que está
por trás da cortina de fumaça na campanha da legalização dos cassinos e do jogo
do bicho. Agora se fala em “privatização” de jogos, para pegar uma carona com
as inúmeras privatizações propostas. Algumas, só algumas, com muita coerência
na perspectiva de privatizar ou ter um modelo híbrido, PP, público-privado. Lobistas
falam maravilhas da legalização dos jogos de azar. Não vi ninguém preocupado
com a aceitação social de hábito de jogo. O glamour do vício.
Não é a questão moral que coloco em discussão.
É a questão da saúde mental. Dependência à substância ou à conduta, é
patológico. Mas, como muitas coisas que dizem respeito à Infância e à
Adolescência, o que prepara o terreno para a instalação de uma dependência, de
qualquer ordem, é ignorado, é descuidado. Os comportamentos de dependência que
aparecem na adolescência começaram a ser plantados na infância. A qualidade
precária dos afetos e cuidados com a criança, muitas vezes disfarçados por
excessos de atividades que levam o rótulo fictício do “melhor preparo para a
competitividade do trabalho”, escondem essa falha na afetividade. A queixa da
falta de tempo que empurra para a terceirização da maternidade e da
paternidade, também cobrem o afastamento afetivo. São muitas as desculpas,
entre as quais vária que procedem no ritmo frenético da vida consumista.
A dependência que vai aparecer na segunda
década e, muitas vezes, vai acompanhar por toda a vida, num adoecimento que
encarcera, foi iniciada nos primeiros anos de vida, em situações de abandono
intrafamiliar. Não se abandona uma criança apenas quando ela é deixada num
cesto ou numa lixeira. Às vezes, as crianças são abandonadas dentro de casa,
tendo pai e mãe. E essa condição vai fazer com que ela se isole dentro dela
mesma.
Faz-se necessário, no entanto, entender a
boa aquisição, hoje rara, da capacidade de estar só. Essa é uma capacidade que
traz liberdade e apreço pelo outro. É a capacidade de se acompanhar,
satisfatoriamente, por si mesmo. Não é solidão. É a não dependência do outro,
que dá qualidade ao estar com o outro. É essa capacidade que nos permite ler um
livro até o final e pegar outro. Hoje, observamos que a obcecada atitude de uma
socialização superficial que não permite a vivência das boas emoções, e dos bons
afetos. A palavra “amigo” perdeu seu significado para um contato raso, em meio
a uma avalanche de exposição de aparências.
Nesta linha de entendimento surge agora o
jabuti da legalização dos cassinos de todos os tipos. Não sejamos ingênuos. Se
não temos a cultura do pensar as várias implicações e consequências de uma
“legalização”, se preferimos imaginar que será glamuroso, e que trará impostos
para e educação e a saúde, empregos para os jovens, já começamos a blefar,
alimentados por um lobby diário feroz. Vemos impostos para a educação que tem
cada vez mais sua verba diminuída, com a saúde a mesma coisa. Empregos que
serão camuflagens de exploração e turismo sexuais, incluindo as redes de
tráfico internacional humano, sexual também.
Não há Políticas Públicas para nossos
alcoólatras. Não sabemos o que fazer com eles. Nem com os usuários de cocaína,
craque, e os pequenos e seus joguinhos de celular e computador.
Há que se pensar como usar a tecnologia
sem dependência. Mas reclamamos, em rodas de conversas mas não prestamos
atenção no movimento que este rio caudaloso está nos levando. Quando perdemos a
ligação e a intimidade com as emoções genuínas, vamos fazendo substituições que
deformam e secam nossa subjetividade. E emoções de verdade, viscerais, que
repercutem no corpo, são o alimento da mente humanizada. Jogos de sorte ou
azar, em suas repetições monótonas, não passam pelo processo cognitivo pleno
humanizado, porque são a busca incessante de um triunfo, de uma vitória sobre o
imponderável. Vencer o azar por uma lei aleatória. Violência minimizada cada
vez mais para dar cor a este vazio interno. Esta ilusão é que atrai os buracos
de afetos.
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