ESCUTA ESPECIAL, sobre
a Lei 13.431/2017
A Lei 13.431/2017 aprovada em 04/04/2017
é chamada Lei da Escuta Especial. Pelo seu caráter de proteção, também é conhecida
como Lei da Escuta Protegida porque ela vem contemplar as crianças e
adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. É pela delicadeza e
complexidade do momento da tomada de depoimento destas vítimas e testemunhas,
que um grupo de estudiosos se dedicou à pesquisa da melhor e mais adequada
metodologia para esta oitiva. Este depoimento tem como foco principal a
proteção destes sujeitos vítimas, escuta e não inquérito, escuta dentro de
ambiente físico agradável, mas tendo como meta a possibilidade de expressão da
vítima ou da testemunha de uma violência sexual contra uma criança ou
adolescente. E esta mudança para escuta exige
mudança de postura daquele que ouve. A Formação Especializada e Permanente
faz-se necessário. É crucial que a Equipe de Profissionais Múltiplos deva ser
treinada continuada e especificamente para esta escuta especial.
Elementos físicos que parecem detalhes,
também têm sua importância. A ambiência vai para além de paredes que não devem
ter motivos infantis, é o respeito à dor de uma revelação de uma violência ou
de seu testemunho que mais conta. Se, o olho no olho da posição frontal das
cadeiras de quem fala e de que ouve intimida e inibe, como admitir a acareação.
Esta fica proibida pela Lei da Escuta Especial. A inadequada e traumatizante acareação,
aliás, é a expressão do despreparo de um psicólogo forense numa avaliação onde
houve uma queixa de violência sexual. É o acolhimento e o respeito que
proporcionarão a perspectiva do resgate do espaço humano que lhe foi violado.
No Brasil, historicamente, um Juiz
do Rio Grande do Sul chamado Daltoé, hoje Desembargador, teve sua atenção
cuidadosa despertada para a necessidade de se colocar a criança numa situação
em que o dano causado pela revelação judicial, um inquérito da violência, fosse
minimizado. Assim o chamou de D.S.D., Depoimento Sem Dano, reconhecendo como o
questionamento em condições de acareação era revitimizante para a criança ou
adolescente. A sala de depoimento sem dano, DSD, foi então concebida como sendo
um ambiente com alguns brinquedos, papel e lápis, e uma parede de espelhos
unilaterais. O avaliador que deveria ter formação específica para este tipo de
depoimento, mantinha um ponto de áudio com o Juiz e o Promotor, que estavam do
outro lado da parede de espelhos, acompanhando a avaliação e pedindo mais
esclarecimentos quando se fazia necessário. A evolução foi muito grande porque
desta feita o Juiz e o Promotor podiam assistir ao comportamento e às respostas
gestuais da criança/adolescente vítima. Mas a falta de registro apesar do juiz
assistir, a falta de protocolo, e a falta de vontade dos Operadores de Justiça
em se capacitar para tirar desta técnica a confiabilidade que ela oferece, fez
com que não progredisse muito nos processos que continham denúncia de abuso
sexual. Além disso, os advogados dos pais suspeitos começaram a conseguir que
eles assistissem à oitiva junto nesta sala contigua, o que trouxe o retorno da
intimidação da criança. Um menino de 6 anos fala no início da apresentação da
psicóloga forense: “eu sei que meu pai está aí atrás, ele me disse, agora eu
estou morando com ele, depois daqui vou prá casa dele”. A presença do pai/suspeito
contaminando o método, e, consequentemente as respostas da vítima. O medo das
ameaças faz negar ou não responder, até em gente grande. Era preciso retomar a
garantia da segurança para a criança. Era preciso evoluir, e desta necessidade
de aprimoramento, foi gerada a Escuta
Especial.
Há 4 anos a Childhood Brasil lançou em São Paulo uma Publicação do
resultado de pesquisa sobre a Escuta Protegida, na qual, entre vasto elenco de
conhecimentos comprovados, afirma que aos 4 anos de idade a criança, que sofreu
ou sofre uma violência sexual, é, absolutamente, capaz de responder a 3
perguntas: “o que”, “quem”, e “onde”. À escuta de criança aos 5 anos pode-se
acrescentar a estas perguntas o “quando”, que não vem em data de calendário ou
dia da semana, mas em relação a algum acontecimento ou à sua própria idade.
Assim, fica evidente pelas pesquisas realizadas em diversos países referência em
respeito ao desenvolvimento cognitivo da criança, a possível confiabilidade de
seu relato. A partir desta pesquisa, a Childhood Brasil elaborou, através desta
competente equipe, o estudo das metodologias desta escuta especial que se
tornou lei pela importância da meta do estudo: a geração de uma nova ética da
oitiva. Passou de inquirição, onde sempre transparecia o descrédito, percebido
pela criança, para escuta, onde não pesa sobre a criança a obrigação de provar
ali o que está dizendo.
Benedito Rodrigues dos Santos,
Vanessa Nascimento Viana, Itamar Batista Gonçalves, com a participação de Paola
Barros Barbieri e Maria Gorete Vasconcelos, escreveram “CRIANÇAS e ADOLESCENTES VÍTIMAS
ou TESTEMUNHAS de VIOLÊNCIA SEXUAL: METODOLOGIAS PARA TOMADA DE DEPOIMENTO
ESPECIA”. Este livro é fruto de 4 anos de pesquisas nas experiências de
28 países já citados pela Childhood Brasil como países referência em testemunho
de crianças e adolescentes vítimas em sistema de segurança e justiça.
As técnicas de tomada de depoimento da escuta especial tem como foco principal
a capacidade da criança de revelar uma violência sofrida ou testemunhada. O
espaço jurídico para o instituto testemunha, que não havia, é de suma
importância porque reconhece na voz de quem testemunhou uma violência, o
Direito de ser sujeito. Na amostra pesquisada, 26 dos 28 países operaram
mudanças nos seus Códigos Penais para contemplar alternativas de escuta de
crianças e adolescentes testemunhas que incluem sistema de proteção, abrangendo
também técnicos, peritos, professores, psicólogos, que testemunhem indicando os
indícios da violência sofrida. Hoje, temos a prática de “Backlash”, termo que
define a retaliação de Processos, nas áreas profissional e financeira dos técnicos
que fazem laudos ou testemunham mostrando estes indícios de abusos sexuais
intrafamiliares. A frequência de Backlash, já conhecida desde os anos 90, tem
afastado profissionais de qualidade do exercício deste trabalho por perseguição
processual em seus Conselhos de Classe, ou por medo de vir a tê-los.
O retorno do foco para a criança ou
adolescente vítima de violência sexual promove uma mudança de objeto de estudo,
e inaugura uma nova ética na oitiva. O compromisso com a criança e a adequação
da escuta à sua faixa etária, ao seu desenvolvimento cognitivo, trazem a
garantia dos Direitos Fundamentais.
A Lei 13.431/2017, a Lei da Escuta Especial, estabelece que a
ambiência deve ser asseguradora. É escuta e não inquirição. A posição de
lateralidade das cadeiras de examinador e vítima visa respeitar o espaço
emocional da vítima, ao retirar o “olho no olho” intimidatório da acareação.
Para que esta receptividade acolhedora da revelação de um fato traumático,
porquanto, o abuso sexual intrafamiliar é praticado por um adulto que a criança
ama e obedece, é preciso que haja uma Formação Permanente dos profissionais
para que este afeto da criança pelo seu abusador não seja mal interpretado como
vem sendo, entendido, inclusive, como “prova” de que não houve abuso. Equívoco
grosseiro. O respeito à necessidade de proteção após uma oitiva em que há
revelação de abuso, é o respeito pela vulnerabilidade da criança ou
adolescente.
O cuidado com a linguagem usada pela
criança é o cuidado com a averiguação de uma possível contaminação de um
discurso adultiforme, alheio a sua capacidade e conhecimento compatível com sua
idade. A boa formação especializada de um profissional examinador lhe permite
detectar, com segurança, falas extracorpóreas. A mentira não é praticada pela
criança pequena, que tem sinceridade por vezes até inconveniente, pois para ela
a verdade prevalece acima de tudo. Em queixas de abuso são encontradas cerca de
5% de mentira dita por púberes e adolescentes, pois ela só aparece em idade
acima de 11 anos, por motivo de uma vantagem, em geral, ligada a burlar uma
visita para obter um programa mais interessante. (ABRAPIA).
Como as avaliações psicológicas seguiam
o guia de orientação para defesa de pais agressores/abusadores da autoria do
médico pedófilo que defendia a pedofilia, Gardner, que se baseava numa síndrome
por ele inventada, a síndrome da alienação parental, os laudos eram subjetivos
e interpretativos. Esta síndrome da alienação parental não foi reconhecida, em
nenhum momento, pelas associações científicas internacionais médicas e
psicológicas. Assim, não seria possível padronizar, como é devido em Ciência, o
produto da avaliação. O elemento descritivo que universaliza, não existe, só a
interpretação subjetiva de cada pessoa que avalia a comunicação da criança. Assim
a criança segue durante anos e anos a repetir seu relato desvalorizado e
desacreditado judicialmente, promovendo a revitimização. Vale ressaltar que
Gardner pregava (páginas 540 e seguintes de seu livro “True and False
Accusations of Child Sex Abuse”), que a criança vítima de abuso sexual deveria
ter repetido o fato, exaustivamente, e exposto inclusive em vídeos assistidos
pela criança junto com o “terapeuta”, para fazer desaparecer o trauma. Portanto,
para este autor que cunhou o conceito contido na Lei da Alienação Parental, a
revitimização tem como meta a naturalização do abuso incestuoso, cumprindo
assim uma função de minimizar e normalizar a pedofilia por ele defendida como
benéfica à criança e garantia da preservação da espécie humana. (páginas 24 e
25 do mesmo livro).
A preocupação com o dano causado à
criança e ao adolescente pelo abuso sexual intrafamiliar está no cuidado da Lei
13.431/2017 com relação à revitimização e seus danos irreparáveis. Para tanto a
Escuta Especial tem o registro
audiovisual da oitiva, que é da responsabilidade do Juiz da Vara, onde é
possível ver e ouvir, ao vivo e não por relato interpretativo de terceiro, como
foi relatado o abuso durante a oitiva, e para além da verbalização, é possível
observar as respostas gestuais que a criança comunicou. Este registro é único,
evitando a repetição “gardineriana” que acaba por calar a criança pela
exaustão.
Nesta mesma perspectiva de respeito à
criança e cientificidade, a Lei 13.431/2017 estabelece o Protocolo da oitiva.
Esta é uma norma que traz a universalidade do que é feito em Ciência, com a
objetividade que é comum a procedimentos criteriosos, o que permite pesquisa e
contestação, com respeito ao princípio do contraditório, inexistente na lei de
alienação parental e nos laudos subjetivos.
Diante do exposto, à luz do Direito à
Saúde Física e Mental, como rezam todos os Artigos de Proteção do E.C.A., do
Marco Legal da Primeira Infância e da Constituição Federal, e respeitados os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, toda
criança deve ter respeitado o seu direito à Escuta
Especial, Lei 13.431/2017, e, como proíbe esta Lei, não se deve permitir
que seja cometida nenhuma revitimização em avaliação torturante realizada por
pessoas despreparadas. Quando há uma suspeita de abuso sexual intrafamiliar,
deve ser este o objeto da avaliação e não o gatilho de travestir ato libidinoso
incestuoso em alienação parental, como instruía Gardner. A revitimização por
avaliações que não sigam o padrão científico contido na Lei 13.431/2017, já aprovada,
é o crime institucional contra a criança que denuncia um abuso sexual
intrafamiliar.
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