terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte III

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte III Nenhum desenho animado, nenhum joguinho de matança, nenhum relato verbal de um adulto, é capaz de imprimir o impacto traumático de ver a morte ser executada ao vivo, aos gritos, e a cores. Estou me referindo à presença da criança na cena do crime. O processo de aquisição da Noção de Irreversibilidade é gradativo e passa por várias “provas”, como se um experimento científico fosse. O desenvolvimento cognitivo se processa com rigores de regras científicas, na observância de muitas repetições para que as deduções do raciocínio sejam confiáveis para a criança. E tudo dentro de ambiência, totalmente, concreto, tudo experiencial. Assim também a Noção de Irreversibilidade que é o cerne da Noção de Morte por excelência, porquanto a morte é o único fenômeno irreversível, por completo e essência. A morte é a única certeza que temos na vida, e que, mesmo assim, permanece desconhecida. A angústia gerada por ela é insolúvel, e nos acompanha ao longo da vida até que ela chegue. Mas, raramente, ela tem espaço psíquico na mente de uma criança. Por isso, quando ela acontece diante da criança, ela assume seu traço de concretude e causa grande estrago. Quando fizemos a manifestação nas areias de Copacabana, em março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher e a repetimos, recentemente, durante o G20, quisemos comunicar a violência por assassinato de Mulheres/Mães e de Crianças, dentro do contexto definido como “familiar”. Homenagear vítimas da fúria, quase sempre impune, do que é uma vergonha, um comportamento sub-animal, mas cada vez mais banal. E as Medidas Protetivas, previstas na Lei Maria da Penha, são cada vez mais negadas com justificações pífias do judiciário. As Medidas Protetivas para as Crianças são mais raras ainda, sob a alegação de que “o pai tem Direito”. E o Direito da criança à vida? As penúltimas estatísticas apontavam para 4 Feminicídios por dia no nosso país. No entanto, o último Relatório da ONU sobre esse tema, fala de 1 mulher a cada 10 minutos sendo assassinada. Voltando para nosso quadrado, cerca de 70% desses Feminicídios acomete mães, e ocorre dentro de casa, ou no ambiente familiar. Ou seja, os filhos crianças assistem o genitor assassinar a mãe. Escutam os gritos dela, constatam a fúria daquele “pai”, veem o sangue da mãe, até que ela fica inerte. Foi assim com o João Vitor na chacina de Campinas, num Reveillon, foi assim com as 3 filhas da Juíza Viviane Amaral no Natal. João Vitor foi obrigado pelo genitor, que matou 9 mulheres da família da ex-mulher, a assistir a morte da mãe, e depois foi morto também. A Juíza Viviane estava entregando as 3 filhas por exigência do genitor, fora da data de visitação, por medo de ser acusada de ser mais uma “alienadora”, essa emboscada sem saída, e o genitor das meninas desferiu 16 facadas ali mesmo na entrega das crianças. Qual a dimensão do trauma causado por essa vivência, não sabemos. Como se inscreve essa crueza na mente de crianças, não temos conhecimento, posto que caem em segredo de justiça. Justiça que não tem compromisso em acompanhar, em proteger crianças que passam por esse tipo de violência. Podemos apenas levantar hipóteses sobre os danos irreversíveis, assim como a morte, que precisavam ser estudados para que fossem evitados. Essas não são situação pontuais, ou de exceção, como negacionistas da responsabilidade tentam se esquivar. Existem também os assassinatos de crianças para “matar” a mãe. Quantos meninos e meninas já foram mortos com requintes de crueldade, violência endereçada à mãe. Os irmãos Lucas e Mariah, Joanna Marcenal, os 4 irmãos Antares, são algumas vítimas dessa barbárie, que fica impune. Os processos não evoluem, nem as investigações iniciais vão adiante. Existe genitor que 14 anos depois ainda não foi a julgamento. Acrescente-se a essa conivência de todos, todos, o calvário que muitas crianças percorrem por anos, sendo vistas em serviços médicos, tendo alguém que denuncia no Conselho Tutelar e outros órgãos que deveriam cuidar da Proteção Integral da Criança, e que são negligentes, irresponsáveis, chegando a inverter o que está sendo denunciado para terminar laudos fraudulentos com uma convicção, que não se sabe de onde foi tirada, que é mentira da mãe, é mentira da criança. Paloma, 7 meses, morreu na 9ª entrada em serviço de emergência pediátrica com traumatismo craniano, já tinha fraturado costelas e braço. Sophia, 2 anos fez 31 entradas em emergência pediátrica, tinha sinais evidentes de espancamento e de abuso sexual. Henry, passou por Hospital Pediátrico 2 meses antes de ser morto por espancamento. Joanna, também, foi atendida em Hospital, por um estudante de 1º período de medicina, com letargia e várias marcas pelo corpo e nem foi examinada, vindo a óbito alguns dias depois. A grade de disciplinas nas Faculdades de Medicina não inclui o conhecimento da identificação de sinais e evidências de que a criança está sofrendo violência física ou sexual. Limitam-se a dar noções superficiais e viciadas em torno da presença do hímen, como se isso fosse o único ponto a ser observado, e fica restrito à Medicina Legal. As crianças abusadas e espancadas passam em mãos médicas que nada reparam. E a noção de morte chega para um grande número de crianças com uma concretude insuportável para elas. A morte sentida em toda a sua amplitude. Não pensada. O segredo de justiça protege o predador e a criança que denuncia o genitor será punida, garantindo a invisibilidade delas vitimadas pela violência pela pedofilia, pela barbárie. Numerosos Feminicídios são vividos brutalmente. A morte entra em sua mente de maneira traumática, quando assistem a mãe ser morta pelo “pai”.

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