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Criança e as Pandemias – Parte II
São muitas as Pandemias que acometem o
desenvolvimento saudável das Crianças, para muito além da Covid19. E não
passam. Parece que estão cada vez mais estruturadas e naturalizadas. A Pandemia
da Negligência com as crianças tem amplo acometimento na infância. Se
considerarmos as inúmeras situações em que a criança é deixada sem os cuidados
que lhes são devidos, as dimensões da Negligência excedem o que se
convencionou.
Facilmente, pensamos na situação padrão de
negligência: a criança suja, sem alimentação regular, roupas velhas e
inadequadas, sapatos menores ou maiores que seu pé, sem frequentar regularmente
a escola. Mas, a negligência tem vários cenários. Pode estar presente quando a
criança está bem alimentada, bem vestida, bem ocupada numa boa escola e com
inúmeras atividades extracurriculares. Piano, futebol, natação, judô, balé,
inglês, tudo encaixado em horários compactados pela semana, de tal maneira que
não lhe sobra tempo para demandar nada dos pais. A terceirização e fragmentação
da maternidade e paternidade fazem parte da infância O que é negligenciado é o
afeto, o aconchego, o olho no olho, que não tem lugar na vida do mini-executivo.
Crianças que se desenvolvem em meio vazio
de afeto, serão incapacitadas para a empatia, fundamental ao exercício de
cidadania. É a Pandemia do Egoísmo. E, sem conseguir sentir empatia, sem
conseguir se colocar no lugar do outro, estas crianças, crescem submersos em
competitividade, diuturnamente. Notas de avalições, escores de resultados em
competições dos esportes que praticam, tudo está voltado para quem é o mais
sobre os outros. Sem a experiência da empatia, não formamos líderes, só chefes
que usam de autoritarismo. Excesso de competitividade leva à ausência de
valores humanitários. Ser chefe é mandar no outro tendo o egoísmo como único
parâmetro. Portanto, sob a égide do egoísmo, os escrúpulos são rarefeitos. A
inexistência de aquisição da noção de coletivo e de coletividade é responsável
pelo enraizamento do próprio umbigo como princípio e meta. A liderança, no
entanto, é construída por experiências afetivas, considera o coletivo, e por
isso é sustentável, e leva ao exercício da liberdade.
A Pandemia do Egoísmo patrocina a Pandemia
da Desresponsabilização. A Cultura do descomprometimento é o seguimento do
mecanismo de defesa infantil de jogar a responsabilidade e a culpa dos atos que
não rendem louros e destaques, sempre no outro. Ou seja, tudo o que dá errado
não é assumido, a autoria é, automaticamente, passada para o outro. A
Desresponsabilização favorece os comportamentos infantilizados da
inconsequência.
Enquanto isto, em outras casas, crianças
sofrem a Pandemia da Negligência Social. Esta é extramuros. Crianças pequenas
que ficam sozinhas em casa esperando a volta da mãe de seu irregular trabalho.
Muitas vezes aquele “mundo” apertado é rasgado pelo ruído repetitivo de rajadas
de metralhadora, e tiros de fuzil que transpassam aquelas frágeis paredes.
Todos ao chão até que volte o silêncio que, não raro, vem aos gritos de choros
desesperados. A Negligência Social se mistura à violência, a social, e também a
doméstica. A Pandemia da Violência perpetrada contra a criança, vivida ao vivo,
vem deformando a mente humana. Das crianças que ali vivem, das que vivem a
alguns metros, e usufruem de uma ilusão de urbanismo e sociedade. Esses dois
tipos de território são separados por muros transparentes blindados que não
permitem a livre mobilidade urbana. Talvez tenhamos, com as nossas cores
nacionais, um agravamento da pandemia da violência, pelas nossas peculiaridades
de rachadura social. Mas a violência é um nefasto fenômeno mundial a despeito
de nossa evolução epistemológica em todos os campos das Ciências.
O abandono social de crianças, por aqui,
abre uma fenda em territórios paralelos, verdadeiros Estados paralelos. Com
leis e governos próprios, sem educação, sem saúde, sem condições básicas de
energia elétrica, de água, de esgoto, sem urbanismo, sem segurança pública, são
territórios que deixam à mostra as vísceras apodrecidas de uma sociedade que
não cuida de suas crianças.
Estas Pandemias vão se banalizando,
silenciosamente. Nem as enxergamos mais como tal. Crianças crescem em meio a
elas. São confundidas com modernidades, com avanços, com mudanças sociais. Mas,
não devemos nos enganar pela sedução de um aparelhinho tecnológico, mais um
item da negligência com o esvaziamento dos afetos. A Pandemia da Tecnologia
dependente é mais uma nefasta influência que acomete as crianças atualmente. É
a terceirização da maternidade e da paternidade, do aprendizado via “Dr.
Google”, de tal maneira que empurra para atalhos, muitas vezes distorcidos e
contorcidos, fazendo perder a aquisição da capacidade de raciocinar, de pensar,
de refletir, ainda em desenvolvimento.
Algumas outras Pandemias serão abordadas
na próxima semana. A Pandemia da Desonestidade, a Pandemia da Corrupção, a
Pandemia da Pedofilia, a Pandemia da maior das misérias, a Miséria Psicológica.
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