Desenvolvimento
Afetivo, como nos tornamos humanos.
Parte II.
Continuando nosso texto sobre a aquisição
da capacidade de sentir afetos, transcrevo aqui uma parte de um capítulo
escrito por mim, do livro Cuidado e Afetividade, publicado em parceria Brasil-Portugal,
por duas Universidades Públicas de Direito, em colaboração com um time de
autores das duas nacionalidades. São muitos os autores que se debruçam sobre o
afeto. No referido artigo, escrevo:
Harlow, fisiologista, estudando a relação
afetiva mãe-bebê, e suas repercussões, experimentou com bebês chipanzés a
importância da necessidade de apego na falta da mãe. Bebês chipanzés, que têm
comportamento de cuidado e afeto com filhotes semelhante ao comportamento dos
humanos, que haviam perdido suas mães por ocasião do nascimento, após período
de privação de alimento, eram expostos a duas “mães” diferentes. Uma mãe era
montada de arame e tinha uma mamadeira com leite onde era possível o bebê
saciar sua fome. Outra mãe era confeccionada de trapos e lãs, tinha um colo
aconchegante, mas não tinha nenhum alimento. As duas “mães” ficavam em um
ambiente onde os bebês chipanzés órfãos podiam escolher qual mãe iam buscar. O
que foi observado na pesquisa foi que a grande maioria dos bebês procurava a
“mãe” de arame que fornecia leite, e saciada a fome, eles iam se alojar no colo
da “mãe” de panos. No entanto, o que a pesquisa evidenciou é que havia um
número considerável de bebês chipanzés que se aconchegavam no colo da macaca de
panos, e, contrariando o instinto de preservação da espécie, chegavam a morrer
de inanição por não suportarem o leite no arame, sem aconchego. Esta
experiência corrobora a descoberta de Spitz sobre o conceito do hospitalismo.
Todos os autores da Psicologia do
Desenvolvimento e da Psicanálise escreveram teorias tendo como ponto central o
afeto. Freud, Anna Freud, Klein, Winnicott, Mahler, Spitz, Piaget, Bion, Lacan,
Kohut, Soulé, Bergès, Bergeret, todos deram ênfase ao afeto como a condição que
permeia os vetores do desenvolvimento.
É o afeto que faz a diferença entre
curvas de desenvolvimento díspares. E não só a presença ou ausência, mas, na
presença, é a qualidade do afeto que importa para estimular o crescimento e
garantir a saúde psíquica da criança. Temos evidências desta importância quando
verificamos os quadros psicossomáticos da Psicopatologia da 1ª infância
reativos à qualidade ou ausência do afeto recebido pelo bebê e pela criança.
Pela troca de afeto mãe-bebê o
desenvolvimento vai se processando. A maturação neurológica que se da no
sentido céfalo-caudal, permite a progressão de competências musculares que se
iniciam com a sustentação da cabeça até atingir a marcha e seu controle,
incluindo a aquisição da preensão em pinça fina pela oposição do polegar ao
indicador, a garantia da escrita alguns anos mais tarde. O nascimento da
inteligência ocorre quando surge o movimento com intencionalidade,
transformando movimentos de espasmos reflexos em movimento com um objetivo de
obter alguma sensação auditiva, visual ou tátil.
Spitz elencou 3 momentos como
Organizadores do desenvolvimento afetivo: o sorriso, a angústia, a contestação
do “não”. Sorrir, chorar, e enfrentar. Spitz define o aparecimento do sorriso,
por volta dos 2/3 meses, como a primeira resposta social da criança. O rosto da
mãe é reconhecido em figura triangular formada pelos olhos e boca, uma captação
da forma, como entende a Escola de Psicologia da Gestalt. Estimulado pelo
sorriso da mãe, o bebê espelha este sorriso. O jogo de satisfação recíproca que
se estabelece na dupla mãe-bebê, transborda para outras pessoas próximas, e
torna-se uma resposta social. A primeira.
Mas o bebê muda sua percepção do mundo
entorno quando adquire a competência motora do sentar. Seu olhar passa a captar
um mundo de gigantes. Ele tem uma possibilidade de ter um parâmetro mais
confiável, o chão como ponto zero, e adquire também a capacidade de girar sobre
seu próprio eixo, seu corpo, o que lhe permite dimensionar o espaço muito
maior. Isto se torna assustador para ele. E, no reconhecimento já bem mais
estruturado do rosto da mãe, ele passa a sentir medo do “estranho”, medo de
todos os rostos que não são a mãe. Entenda-se aqui que há a possibilidade de
substituição materna, ele aceita. Mas a primazia da segurança que a mãe lhe
oferece, é única. E este medo faz com que ele tenha aquele conhecido
comportamento do estranhamento aos adultos não-mãe. A necessidade de incluí-la no seu entorno
imediato produz uma dependência de sua presença. Assim, ao se dar conta que a
mãe não está perceptível no ambiente em que ele está, o bebê sente medo de
tê-la perdido. A existência só acontece enquanto sua visão atesta
concretamente. Este é o organizador que Spitz denominou como a angústia do 8º
mês. Seu choro é de angústia ao perceber que a mãe não consta no ambiente, e,
como não possui ainda os recursos cognitivos para metrizar o tempo e o espaço,
ele sofre como se vivesse um abandono.
Em torno dos 18 meses, Spitz descreve o
terceiro organizador: o “não”. O bebê já se põe de pé, e seu desenvolvimento
cognitivo estimula, sobremaneira, a sua curiosidade. Quer mexer em tudo ao seu
alcance. Corre perigos, e está sempre escutando um sonoro “não”. Trava-se aí um
processo de identificação com o adulto, aquele que fica a lhe cercear, por
proteção dele. Ele passa a repetir este não para todas as propostas que lhe são
ofertadas. E mesmo ao realizar uma ação já repreendida, ele a executa dizendo
não e olhando para o adulto, como se contestasse e se tornasse “grande” neste
momento que espelha a atitude de limite do adulto. Esta primeira contestação,
ou oposição vai se seguir da resistência maior ou menor à educação
esfincteriana, o tirar as fraldas, que vem a ser proposta, alguns meses depois.
O comportamento de oposição é saudável desde que não o aprisione nas primeiras
oportunidades da busca pelo Poder. Aceitar ou negar a regra social de fazer
xixi e cocô em lugar específico, o banheiro, é uma possibilidade de
experimentar o Poder.
*continuamos na próxima
semana.
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