terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Papai Noel e o Ano Novo Parte II

Papai Noel e o Ano Novo Parte II O Papai Noel acumula expectativa intensa nas Crianças. Durante um tempo da infância, ao se aproximar a data, pelo que apreendem nas publicidades, no que ouvem dos adultos, principalmente, no uso “educativo disciplinar” onde o bom comportamento se relaciona com o presente do Papai Noel, em discurso de merecimento, elas perguntam todos os dias se está chegando o Natal. Em contrapartida, pelo lado dos adultos, a tensão vai requentando antigas mágoas, ressentimentos, e, por vezes, desentendimentos ruidosos que ocorreram em outros Natais. Desde o sentimento infantil de que o presente do outro foi maior, até a disputa pela atenção da mamãe, já idosa e já necessitando de cuidados especiais, esquecendo muitas coisas, as queixas advêm de detalhes ou de restos afetivos que azedaram. Afinal, a vida em família é um caldeirão, em fogo baixinho, repleto de pedaços de emoções e sentimentos, os mais variados. Se para as Crianças a vontade é que chegue logo o Natal, a visita do Papai Noel, para os adultos, para muitos, o desejo é que fosse possível pular esse encontro da grande família. Ter que engolir a vontade de brigar com aquele irmão, ou aquele cunhado chatinho, a tia inconveniente, requer uma preparação de controle. O clima vai aquecendo com todas as comemorações de confraternização do encerramento do ano, que exigem o “estar feliz”. E o Papai Noel? Ele existe na infância de uma boa parte das Crianças. As religiões não cristãs não celebram o Natal, e a pobreza, e extrema pobreza, que somam um considerável contingente, excluem essa celebração por razões óbvias, por vezes tornando esse um ponto de revolta e sentimento de injustiça pela desigualdade vivida. Mas ele continua habitando o imaginário pela vida afora dos adultos. E não à toa, esta é uma necessidade psíquica para a manutenção da saúde mental. Nosso aparelho psíquico precisa desse recanto de fantasia para aliviar um pouco a dureza da realidade, além de ser o alimento para a criatividade que está tanto nas Artes quanto nas soluções de problemas matemáticos. O imaginário é o investidor maior dos sonhos, os factíveis e os impossíveis que embalam devaneios. Também necessários. O Papai Noel, o Super Homem, a Bruxa de João e Maria e a da Branca de Neve, o Homem Aranha, a Princesa Branca de Neve, a Mulher Maravilha, e, mais recentemente, os heróis e heroínas dos jogos eletrônicos, são figuras humanas, guardam sua humanicidade que convive com poderes sobre humanos. Esses heróis e heroínas, de bondade ou de bravura, são todos imersos em enredos de batalhas pelo certo, e levam todos, sem exceção, ao final feliz. Essa garantia do final feliz é responsável por grande parte do alívio buscado, o desejo fantasiado. A frustração e a impotência são insuportáveis em determinados momentos. É quando a mente traz uma dessas personas para aguentar as dores da frustração e da impotência diante de injustiças afetivas. O final feliz está intrínseco. Com essas figuras que habitam aquele recanto da infância, podemos lançar mão desses humanos com poderes, que anunciam uma proteção e satisfação de desejo idealizadas, e assim ter um tempo para sair do momento crítico da frustração. Esse mecanismo de defesa contra a exposição continuada e dura, que causa dor psíquica, é de grande valia para a manutenção da saúde psíquica. A capacidade de devaneio deve ser considerada como recurso constitutivo do perfil de cada um. Evidentemente, que como todos os itens psíquicos, está sujeita a critério quantitativo, ou seja, à porção que não atrapalhe a vida laboral, social e escolar. Este recurso aparece em ajuda e não como principal estado. Desde a infância, período em que não há um cerceamento muito rígido para a invasão do imaginário, esse escape para a fantasia tem uma medida que divide o razoável do patológico. Precisamos desse recanto do imaginário de final feliz, mas sob nossa administração saudável, sempre. Se o Papai Noel preenche a liste de desejo de brinquedos para as Crianças, ao Natal se segue a expectativa de final de ano que invade a mente dos adultos. A indução ao balanço do ano que termina, e aos planos de conserto geral no ano que vai se iniciar, acrescida da obrigatoriedade de um “estar feliz”, ocupa a mente neste período. É uma magia similar à figura do Papai Noel. Esse estado transitório de tensão provocada por avaliação do ano que está terminando e planos idealizados para o ano que se segue, muitas vezes leva a colapsos neste período. Faz-se necessário pensar que, para além de uma mudança de calendário, é despertado o incômodo do pensar a finitude, reflexão que é sempre evitada. Ter que expressar alegria e felicidade ao mesmo tempo que o tempo que passa e a finitude se impõem.

Papai Noel! Parte I

Papai Noel! Parte I Daremos essa pausa no tema da abundância das mentiras, incluindo as institucionais, para pensar um pouco sobre essa figura que faz parte da infância de todos, e que continua habitando a mente dos adultos. O fascínio por esta lenda, fantasia, desejo, é universal. Todos conhecemos a história do bom velhinho que passa o ano todo fabricando brinquedos para as crianças, e na noite da véspera do Natal, sai de sua casa nas longínquas montanhas nevadas, e pilotando seu veículo puxado por renas imponentes e dispostas, voadoras, vai entregando os brinquedos, invadindo docemente as casas pela chaminé, sem sujar nunca sua roupa, nem sua longa barba de um branco impecável. Não importa se moramos em apartamentos, se moramos em zonas tropicais onde inexistem as chaminés de lareiras, não importa se nunca vimos uma rena. A ideia do Papai Noel nos envolve em encantamento. Uma música indaga: “como é que Papai Noel não se esquece de ninguém, seja rico seja pobre o velhinho sempre vem”. Não é verdade. Essa figura existe para todas as crianças, mas muitas não ganham presente dele. Muitas. A desigualdade se encarrega de excluir da lista do bom velhinho milhares, milhões de crianças. Algumas ações sociais tentam amenizar essa frustração, promovendo distribuições que seguem outros critérios. As famosas cartinhas para o Papai Noel, que fazem parte do ritual para que os pais conheçam o brinquedo desejado, em sua forma de adoção, as cartinhas endereçadas aos Correios, vêm nos surpreendendo com o pedido. Além da boneca, da bicicleta, começam a aparecer pedidos que contrariam o vetor de ser criança e pedem o remédio que a mãe precisa tomar, ou a peruca para a mãe cobrir a queda total de cabelos após uma quimioterapia, ou outra “tia” para substituir aquela que toma conta dele e o maltrata. Pedidos que denunciam nosso fracasso como sociedade em se tratando de Direitos Fundamentais. A injustiça vivida precocemente. Mas, hoje, quero me debruçar sobre a figura imaginária do Papai Noel. Entendo que opiniões divergem sobre benefícios e malefícios. Dizem alguns que é contar uma mentira para a criança, desconsiderando que os contos de fada e historinhas de heróis infantis, fazem parte da infância de um jeito ou de outro. Faz-se necessário pensar que alimentar o imaginário da criança é fundamental para seu pleno desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. Todas as figuras imaginárias, as antigas, as culturais e as regionais, as atuais, elas abrem o campo das possibilidades, em fantasia, de perigo, de conquista, de competitividade saudável, de amizade, de proteção, passam ensinamentos que a linguagem verbal de regras não consegue alcançar a mesma dimensão. É um constante aprendizado. Vale ressaltar que esse alimento do imaginário é responsável pela criatividade e pela resolução de problemas na vida adulta. Descobrir que Papai Noel não existe, que é o pai ou a mãe, uma avó ou um avô, que colocam escondido aquele presente desejado na árvore de Natal, não se constitui fato traumático. A Criança vive essa descoberta como uma conquista, como ganhando um jogo entre ela e seus pais, e se orgulha de sua descoberta. Não há mágoa nem rancor, não se sente lesado. Ao contrário, se sente mais próximo do mundo dos adultos, crescendo. Gostaria de compartilhar um pouco de minhas lembranças afetivas do Natal. Em Recife, havia uma grande loja de departamento, acho que Souza Leal, que tinha um andar de brinquedos. E um Papai Noel recebendo as crianças e suas cartinhas. Não tinha sessão de fotos, as fotos, nítidas até hoje, estão na minha memória. Ainda não sabia escrever muita coisa, e menos ainda meus irmãos menores. Por isso pedíamos a ajuda da nossa mãe. Só minha irmã, 6 anos mais velha, que não queria nunca escrever. Um dia perto do Natal íamos levar as cartinhas para ele. Na véspera de Natal, crianças de roupa nova especial para a ocasião, íamos cedo da noite ver a decoração do centro de Recife. Cortada por dois rios, a cidade fazia pequenas árvores de luzes coloridas simples que boiavam nos rios e podiam ser vistas das pontes em sua multiplicação de luzes refletidas, era lindo! Sempre perguntava, às vezes à minha mãe, às vezes ao meu pai, como o moço que colocou as lâmpadas não tomou um choque. Ouvia a explicação, mas no ano seguinte repetia a pergunta. Mas antes da pergunta e do encantamento pelo espetáculo, era um verdadeiro espetáculo para mim, todos os anos, quando estávamos no portão da casa, minha mãe pedia para meu pai verificar se a janela de um dos quartos tinha ficado aberta, e meu pai entrava sozinho na casa por alguns minutos. Voltava dizendo que estava tudo certo. Uma dessas noites, ali, esperando, me dei conta que havia um combinado nessa tal janela aberta, igual todos os anos. E descobri, em silêncio, que meu pai entrava para colocar nossos presentes na árvore. Tenho nítido também esse momento, como uma fotografia de alta resolução. No ano seguinte não quis mais escrever a cartinha. Pedi diretamente para o meu Papai Noel. Feliz Natal a todos! Em especial às crianças que não têm Papai Noel, só o veem ao longe nas decorações e nas publicidades de consumo. Esta é uma inclusão necessária. E vida longa para o Papai Noel!

Mentiras em abundância, Escrúpulos em escassez. Parte I

Mentiras em abundância, Escrúpulos em escassez. Parte I Poderíamos trocar Mentiras por Inverdades, ou por Desinformação, termo que entrou no vocabulário do nosso cotidiano. Mas, a mim me parece que, além de suavizar semanticamente, suaviza em sua intensidade proposital. São Mentiras. Apelidos que têm na confusão seu veículo de acobertamento de crimes contra a Criança. Sem nenhum escrúpulo são exibidos ditos que não possuem nem mesmo o senso comum, o conhecimento popular, quiçá algum conhecimento científico. Esse, passa muito longe quando são presumidas afirmações infundadas. Como sabemos, a mentira é a grande estrela de nosso tempo. Então vemos profissionais se infiltrarem em área de conhecimento que não tem conhecimento, sem, sequer, a autoridade necessária. Facilmente, escorregam com distorções transformando presunções em afirmações dogmáticas sem nenhuma fundamentação científica. Há alguns dias encontrei uma publicação de profissionais da área da saúde mental, que deviam prezar pela SAÚDE MENTAL, afirmando doenças mentais “femininas”. Como pode? Os páthos não têm gênero. Excetuando-se, é claro, o aparelho sexual e reprodutor, todas as situações de adoecimento de algum órgão ou sistema, não seguem o gênero do portador, portanto não devem estar submetidos à misoginia. Então encontramos afirmações que misturam sem critério alterações por reação emocional e doenças mentais, o quadro psicopatológico borderline, atribuídos, falsamente, à mulher para fazer um link com um perfil feminino perverso e vingativo contra o pobre ex que é inocentado até quando há materialidade de seus crimes. Assim também espalham que crianças são todas mentirosas, ou robôs bobos, dominados pela mente perversa de uma mãe taxada de “alienadora”, termo que não tem fundamento científico. Essa é uma mentira que também se espalhou, desprovida de escrúpulos técnico e teórico, sem nenhum constrangimento ético cabível. Se a criança sofre da falta de filtro social, se ela expõe a verdade em qualquer momento, ou lugar, e quanto menor, mais “sincerismo” explícito fala, como pode que ela tenha suas lembranças mnêmicas manipuladas para fabricar uma falsificação, aliás nunca provada cientificamente? E o Poder dessa mãe é tão poderoso, (pleonasmo proposital da autora), que essa criança fala verbalmente, com detalhes que não tem capacidade cognitiva de arquivar, fala pelos desenhos, fala pela brincadeira com bonecos. Mas nada disso é considerado. E a indução aos agentes de justiça é a desqualificação de suas lembranças mnêmicas de dores e sofrimentos que são atropelados e esmagados para que um criminoso seja acobertado e legitimado no cometimento dos crimes contra a criança. Ele ainda ganha de brinde a criança, e a mãe é subtraída de sua vida, taxada de alta periculosidade. Para os lobistas dessa ideologia, que formam uma espécie de milícia técnica psicológica, o negacionismo garante falsas soluções que promovem a Privação Materna Judicial com todas as suas sequelas permanentes, uma equação do abandono materno, desastre humano tão conhecido, e que causa tanta repulsa em todos nós. Mas a “alienadora” é obrigada pelo Estado a praticar o abandono do filho, da filha, que pediu sua proteção ao denunciar o genitor criminoso. Quanto ódio à mulher. Quanto ódio à maternidade. Não por acaso temos um aumento vertiginoso dos números de Feminicídio. Medidas Protetivas, estão em grande parte das histórias de homens que não se conformaram com o término do relacionamento. E matam. O maior percentual dos Feminicídios é cometido na frente das crianças, filhas daquele assassino. Mas temos que conviver com posturas jurídicas que defendem agressores dizendo que aquele homem que espanca a mulher pode ser um mau marido, mas é um bom pai. Não conseguimos realizar essa mágica. Espancar a mãe dos filhos, na presença física ou observada dos filhos. O Feminicídio não começa por ele. Começa pelas agressões psicológicas, passa para os empurrões e tapas, depois para o olho roxo e as costelas quebradas. Mas quando a Mulher vai buscar a proteção prometida pela lei, ela tem, sistematicamente, negada a Medida Protetiva para os filhos, e muitas vezes negada para ela também. Não podemos esquecer que a Medida Protetiva não protege. Outra mentira. Se a mãe vai ser obrigada a aceitar até o ex em sua casa para cumprir a tal guarda compartilhada, com a guilhotina armada da alegação de praticar atos alienadores, e ter a inversão da guarda para unilateral beneficiando o genitor. Além disso, a Medida Protetiva não é obedecida por muitos e muitos homens, e o cansaço produzido por processos sequenciados contra ela, associado ao medo de ser taxada de alienadora, faz com que ela não recorra às Instituições que deveriam promover a Lei. E o Parlamento espalha mentiras também. O PL votado que foi alardeado como uma punição a pedófilos, uma castração química é ouro de tolo. Parte de uma ilusão de que o pedófilo é alguém hiperssexualizado. Mentira. Essa é uma conduta que busca o Prazer do Poder absoluto. O Prazer sexual para o pedófilo é pouco importante para ele. Enquanto ficarmos promovendo enganações, estaremos aumentando a área de atuação desses criminosos. A castração química, que tem sua execução inconstitucional, serviria de álibi para os criminosos porque não soluciona a pedofilia. A menos que fosse acompanhada de uma série de amputações, começando pela lobotomia. Método de violência mais do que fascista. Enfim, sobram mentiras, faltam escrúpulos.

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte III

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte III Nenhum desenho animado, nenhum joguinho de matança, nenhum relato verbal de um adulto, é capaz de imprimir o impacto traumático de ver a morte ser executada ao vivo, aos gritos, e a cores. Estou me referindo à presença da criança na cena do crime. O processo de aquisição da Noção de Irreversibilidade é gradativo e passa por várias “provas”, como se um experimento científico fosse. O desenvolvimento cognitivo se processa com rigores de regras científicas, na observância de muitas repetições para que as deduções do raciocínio sejam confiáveis para a criança. E tudo dentro de ambiência, totalmente, concreto, tudo experiencial. Assim também a Noção de Irreversibilidade que é o cerne da Noção de Morte por excelência, porquanto a morte é o único fenômeno irreversível, por completo e essência. A morte é a única certeza que temos na vida, e que, mesmo assim, permanece desconhecida. A angústia gerada por ela é insolúvel, e nos acompanha ao longo da vida até que ela chegue. Mas, raramente, ela tem espaço psíquico na mente de uma criança. Por isso, quando ela acontece diante da criança, ela assume seu traço de concretude e causa grande estrago. Quando fizemos a manifestação nas areias de Copacabana, em março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher e a repetimos, recentemente, durante o G20, quisemos comunicar a violência por assassinato de Mulheres/Mães e de Crianças, dentro do contexto definido como “familiar”. Homenagear vítimas da fúria, quase sempre impune, do que é uma vergonha, um comportamento sub-animal, mas cada vez mais banal. E as Medidas Protetivas, previstas na Lei Maria da Penha, são cada vez mais negadas com justificações pífias do judiciário. As Medidas Protetivas para as Crianças são mais raras ainda, sob a alegação de que “o pai tem Direito”. E o Direito da criança à vida? As penúltimas estatísticas apontavam para 4 Feminicídios por dia no nosso país. No entanto, o último Relatório da ONU sobre esse tema, fala de 1 mulher a cada 10 minutos sendo assassinada. Voltando para nosso quadrado, cerca de 70% desses Feminicídios acomete mães, e ocorre dentro de casa, ou no ambiente familiar. Ou seja, os filhos crianças assistem o genitor assassinar a mãe. Escutam os gritos dela, constatam a fúria daquele “pai”, veem o sangue da mãe, até que ela fica inerte. Foi assim com o João Vitor na chacina de Campinas, num Reveillon, foi assim com as 3 filhas da Juíza Viviane Amaral no Natal. João Vitor foi obrigado pelo genitor, que matou 9 mulheres da família da ex-mulher, a assistir a morte da mãe, e depois foi morto também. A Juíza Viviane estava entregando as 3 filhas por exigência do genitor, fora da data de visitação, por medo de ser acusada de ser mais uma “alienadora”, essa emboscada sem saída, e o genitor das meninas desferiu 16 facadas ali mesmo na entrega das crianças. Qual a dimensão do trauma causado por essa vivência, não sabemos. Como se inscreve essa crueza na mente de crianças, não temos conhecimento, posto que caem em segredo de justiça. Justiça que não tem compromisso em acompanhar, em proteger crianças que passam por esse tipo de violência. Podemos apenas levantar hipóteses sobre os danos irreversíveis, assim como a morte, que precisavam ser estudados para que fossem evitados. Essas não são situação pontuais, ou de exceção, como negacionistas da responsabilidade tentam se esquivar. Existem também os assassinatos de crianças para “matar” a mãe. Quantos meninos e meninas já foram mortos com requintes de crueldade, violência endereçada à mãe. Os irmãos Lucas e Mariah, Joanna Marcenal, os 4 irmãos Antares, são algumas vítimas dessa barbárie, que fica impune. Os processos não evoluem, nem as investigações iniciais vão adiante. Existe genitor que 14 anos depois ainda não foi a julgamento. Acrescente-se a essa conivência de todos, todos, o calvário que muitas crianças percorrem por anos, sendo vistas em serviços médicos, tendo alguém que denuncia no Conselho Tutelar e outros órgãos que deveriam cuidar da Proteção Integral da Criança, e que são negligentes, irresponsáveis, chegando a inverter o que está sendo denunciado para terminar laudos fraudulentos com uma convicção, que não se sabe de onde foi tirada, que é mentira da mãe, é mentira da criança. Paloma, 7 meses, morreu na 9ª entrada em serviço de emergência pediátrica com traumatismo craniano, já tinha fraturado costelas e braço. Sophia, 2 anos fez 31 entradas em emergência pediátrica, tinha sinais evidentes de espancamento e de abuso sexual. Henry, passou por Hospital Pediátrico 2 meses antes de ser morto por espancamento. Joanna, também, foi atendida em Hospital, por um estudante de 1º período de medicina, com letargia e várias marcas pelo corpo e nem foi examinada, vindo a óbito alguns dias depois. A grade de disciplinas nas Faculdades de Medicina não inclui o conhecimento da identificação de sinais e evidências de que a criança está sofrendo violência física ou sexual. Limitam-se a dar noções superficiais e viciadas em torno da presença do hímen, como se isso fosse o único ponto a ser observado, e fica restrito à Medicina Legal. As crianças abusadas e espancadas passam em mãos médicas que nada reparam. E a noção de morte chega para um grande número de crianças com uma concretude insuportável para elas. A morte sentida em toda a sua amplitude. Não pensada. O segredo de justiça protege o predador e a criança que denuncia o genitor será punida, garantindo a invisibilidade delas vitimadas pela violência pela pedofilia, pela barbárie. Numerosos Feminicídios são vividos brutalmente. A morte entra em sua mente de maneira traumática, quando assistem a mãe ser morta pelo “pai”.

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte II

Quando começamos a pensar sobre a morte? Parte II É um cemitério! E logo completou: cemitério de crianças porque tem balões. Era um menino de 8 ou 9 anos, curioso, foi ali na areia e chegou perto das cruzes, leu alguns nomes e correu até a mãe que ficou mais de longe. Noticiando para ela o que apurou, foi embora. Impressionante como entendeu, tão rapidamente, nossa manifestação. Buscávamos denunciar os infanticídios motivados pela violência doméstica, e os consequentes feminicídios. O garoto se concentrou na morte das crianças e não reparou que havia mulheres também entre as cruzes. Talvez porque, para a criança, adultos “podem” morrer. Estávamos sujando a paisagem. Estávamos melando o clima quase carnavalesco que reinava no calçadão de Copacabana, em frente ao Hotel mais tradicional, bonito e famoso. Mas aquelas crianças, violadas em seus corpinhos, tinham sido assassinadas, com requintes de crueldade, pelos seus genitores. Já haviam sujado a sociedade. Não fomos nós. Mas as criptomnésias do Estado e de seus agentes tratam de ocultar, de fraudar a realidade. Quanta turbulência! Quanta animação! A cidade pulsando como em dias das grandes festas comunitárias! O G-20, composto por 20 países de economias pujantes, e que se tornou 21, informalmente, com o aceite de mais um país da África, se propôs a discutir questões muito importantes. Os Chefes de Estado pautaram a fome, as mudanças climáticas, a economia, a preservação do ambiente, etc, temas que dizem respeito à sobrevivência da humanidade. No “Comuniquê”, entregue ao Presidente da República, um único item sobre a necessidade de Proteção da criança. Parece-me muito pouco. Se ainda somos uma sociedade que mata mulheres, 1 a cada 6 horas, e crianças, não sabemos quantas por dia, um único quesito é muito pouco. Na última semana tentamos expor como funciona nosso aparelho cognitivo, a aquisição da noção de irreversibilidade para que possamos começar a pensar sobre a única certeza que temos, a morte. Não queremos nunca pensar nela, como se fôssemos acometidos da fantasia de que se pensarmos, e pior, se falarmos dela, ela virá. Para a criança o pensar a morte vem sempre envolto em tentativas de garantias. A irreversibilidade é dolorosa. Até então tudo podia ser “desfeito”, voltar ao estado anterior. Não poder consertar, encarar o fim de alguma coisa muito querida é muito difícil para a criança. Por isso ela vai fazendo arranjos na tentativa de não se submeter ao finito. Entre essas tentativas, a criança se consola pensando que a mãe, o pai, que são as figuras mais importantes para ela, só vão morrer quando estiverem bem velhinhos, só com 100 anos! Nessas tentativas de amenizar a dor da finitude, não cabe a morte de criança, uma pessoa como ela, porque isso traz para ela a finitude tão temida. Para a criança, criança não morre. Não há espaço mental para pensar isso. Aquele menino entendeu que eram crianças mortas. Talvez não tenha alcançado que tinham sido assassinadas pelos seus pais, é muito demais. Mas capturou a mensagem. As cruzes juntas formavam um cemitério. É para onde vão os mortos, já aprendeu. E os balões presos às cruzes, balões são imagens de aniversário das crianças, então os mortos eram crianças. Nossas crianças têm sido obrigadas a conviver com as mortes de outras crianças em volume insuportável para elas. As crianças perdem colegas da escola, vizinhos de casas ao lado, primos dentro de casa, e até dentro do quarto, e amigos da escolinha de futebol, que são achados pelas balas perdidas dos fuzis. A morte brutal com ferimento sangrento vem sendo banalizada a cada dia. Para a criança, pensar a morte precisa ser distante para que seja saudável e ajude no crescimento cognitivo, no processo de aceitação da finitude, da irreversibilidade. Ou seja, é necessário que essa aquisição se faça com uma morte que envolva pouco afeto. De preferência. E que seja alguém que já viveu muitos anos, muita coisa. Quando a mente da criança é invadida por uma morte de muito afeto, de muita proximidade, ela não está, minimamente, preparada para a perda. Frequentemente, isso se constitui como traumático, um excesso de emoção que não tem lugar psíquico para se alojar. E assim passa a ser uma “martelada” que vai provocar comportamentos de fuga, de negação, embebidos em muito medo, nem sempre aparente. O medo da morte é a ponta da angústia da impotência que nos acompanha pela vida toda. Contra ela, nada podemos, nada sabemos.