quarta-feira, 4 de junho de 2025
Espancamentos e Feminicídios. Parte I
Espancamentos e Feminicídios.
Parte I
Qual seria o significado dessa contabilidade: 10 Feminicídios em um só Estado da Federação, o RS, durante o feriado da Páscoa? Período religioso, com forte apelo aos princípios cristãos, ao mesmo tempo, vivido como período recreativo, de férias do trabalho, de convivência familiar amistosa. Por que matar num tempo assim?
A maioria dessas mulheres foi assassinada a golpes de faca, o que realiza a morte pelas mãos com todo o enredo do sangue abundante, sinal de morte, e falência gradativa de resistência da vítima. Ou seja, no mais alto ponto de prazer pelo Poder absoluto sobre o outro, a mulher.
Outro ponto importante a se refletir é que também a maioria era mãe de filhos do assassino. Aqui, permitam-me uma interpretação psicanalítica, é como se matassem a própria mãe fantasmada. Resta a pergunta: por que tanto ódio contra a mãe?
Propondo um exercício de busca de trajetos, pensamos que há uma raiva por ter sido gerado e parido por uma mulher que teve esse Poder maior para realizar essa criação. Não estamos negando a participação de um homem na concepção, claro que não. Mas a partir desse momento da concepção, a vida daquela pessoa fica na dependência de uma mulher até que venha à luz.
Essa é a única atribuição feminina, e só feminina, a Maternidade. Parece-me que, ao longo dos séculos, vem sendo tolerada a violência contra a Mulher enquanto representante dessa atribuição. E por extensão, a criança igual portadora dessa vulnerabilidade constitutiva na infância, se tornou alvo também dessa violência. É uma evidência, me parece, da necessidade da presença da assimetria entre agressor e agredido. É preciso que o agredido seja frágil diante do agressor. É preciso que o agredido experimente a intransponível impotência que toma conta do seu ser. Essa, a impotência da vítima de violência doméstica, é o combustível para a experiência do prazer no agressor.
A violência física e a violência sexual na criança têm a característica de imprimir uma postura, extremamente, serviçal no agredido. Estudos têm sido feitos sobre essas duas formas de violência praticadas contra a criança ensejando a definição de um estado que foi denominado de “impacto de extremo estresse”, causador de anomalias e alterações que até hoje não eram vistas nessa etiologia. Evidências que estão sendo pesquisadas cientificamente apontam a conexão entre o impacto de extremo estresse e Epilepsias de Lobo Temporal, por exemplo, porquanto a experiência de impotência continuada, vivida pela criança interfere no desenvolvimento do sistema nervoso, atrofiando estruturas fisiológicas e inibindo ou gastando demasiadamente a função das estruturas neuronais. O extremo estresse vivido pela criança que é espancada ou estuprada seguidamente desorganiza sua mente pelo medo agudo continuado. Será que é muito difícil de entender isso?
A violência física e a violência sexual contra a mulher também causam danos que alteram seu senso de realidade, sua lógica. A negação e a distorção são mecanismos de defesa que entram em ação para garantir a sobrevivência psíquica. A fúria que é desferida contra seu corpo não encaixa em nenhuma das opções lógicas, então ela parte para a interpretação em malabarismo. E tenta se convencer que é por ciúme por isso ele a ama perdidamente. Ou foi porque estava embriagado. O álcool não passa de um figurante na cena de violência. Carente, e insegura, porque ele já fez um trabalho com ela de menos valia, ninguém vai gostar dela porque é toda errada, ela se convence que violência é por amor. Ela se perde no vazio da falta de lógica da violência. Não é explicável. Não é aceitável. Mas a mulher, num esforço custeado por séculos de exigência de que tem que ser compreensiva e submissa aceita.
Temos Leis belíssimas e primorosas. A Lei Maria da Penha, que recentemente integrou mais uma forma de Violência contra a mulher, a Violência Vicária, tem sido inspiração para vários países. Promulgada em 2006, até hoje não é respeitada. Haja vista o número cada vez mais alarmante de violências contra a mulher. A cada 10 minutos uma mulher é agredida, considerados os casos notificados. Se contássemos os não notificados, os que permanecem no silêncio da agredida, de sua família, e dos vizinhos, acho que teríamos de passar para medir em segundos. E, se as marcas roxas e fraturas não mobilizam a sociedade, que dirá as marcas psicológicas do trabalho de menos valia e desprezo que ficam no canto psicológico.
A Lei do Feminicídio tem sua implementação inversamente proporcional aos números de incidência. Eles sobem assustadoramente. Medida Protetiva de Urgência é apenas um papel na mão da mulher que é morta com todo o ódio estampado na desfiguração de seu rosto, tão frequente. Desfiguração que também está presente nos espancamentos, deixando a impressão que há um desejo de matar até a identidade da mulher.
Onde estamos falhando? Onde está nossa omissão mais grave que mantem a violência contra mulheres e crianças?
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