ESTUPROS,
PERVERSÃO SOCIAL, E ROUSSEAU: A MISÉRIA PSICOLÓGICA.
O estupro coletivo desta menina de 16
anos que tanto nos indignou, não é o primeiro, e, infelizmente, não será o
último. Adjetivos de cores mais fortes aparecem a toda hora, vindos de muitos
cantos da sociedade. Mas também, aplausos e dúvidas, culpabilizações atribuídas
a ela. Este é uma reação muito frequente: se o inimigo é muito forte, junte-se
a ele. É o chamado mecanismo de defesa da identificação com o agressor. Cada um
daqueles estupradores que usou de tanta violência, sozinho, não seria capaz de
fazer a mesma atrocidade porque há um fenômeno grupal. E, como o comportamento
humano é o objeto de meu estudo e exercício profissional, gostaria de trazer
uma observação que não encontrei no noticiário.
O estupro coletivo fica com uma aura de
violência sexual, referida como intenso machismo. Ocorre que é preciso
compreender que este é um equívoco. No abatedouro vários homens, talvez 7, 4,
33, 15, em cada sessão de atrocidades, não sabemos ainda o número exato,
praticaram o exibicionismo e o vouyerismo, numa vitrine de órgãos sexuais hirtos,
tendo como objetivo a penetração de um pedaço de carne inerte, sem beleza, sem
sensualidade. O excitante era talvez a visão e a exibição de órgãos sexuais
masculinos, que acabavam se revezando na penetração, quando era tocado o outro
através do líquido seminal do último, do penúltimo, do antepenúltimo. Ao
contrário da impressão de machismo com cara de heterossexualidade, temos no
estupro coletivo a evidência de desejos e impulsos de homossexualidade. Não
falo de homoafetividade, e sim de homossexualidade em anomalia da sexualidade,
travestida de comportamento heterossexual.
Chamou-me a atenção que surgiram artigos
na imprensa que não se restringiam à barbárie da notícia escabrosa, o que
garante leitura e interesse. Nosso imortal de muitas vidas, Zuenir Ventura,
escreveu novamente sobre uma anomalia de comportamento, desta vez sobre o
estupro coletivo. Logo a seguir Ana Paula Brandão, gerente de mobilização
comunitária do Canal Futura, escreveu sobre Projeto Crescer Sem Violência,
considerando que a exploração sexual de crianças é um problema urgente. Ela
cita o dado alarmante: 17. 583 denúncias de abusos sexuais pelo Disque 100, em
2015. Foi divulgado que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Números
estratosféricos, mas que, nem de longe são os reais. Estão muito distantes da
realidade vivida por crianças, mulheres, de todas as idades, incluindo as
idosas, pessoas dos grupos LGBTTT. Todos vulneráveis. Os registros são
subnotificados: medo e ameaça, vergonha e culpa, preconceito e desconhecimento.
Os números que temos em registros deveriam ser multiplicados por cinco.
Ana Paula mostrou o que pode e que está
sendo feito neste projeto para capacitar melhor nossas crianças diante de
convites sedutores feitos a seus corpos ainda pequeninos.
Zuenir chegou à conclusão que discordava
de Jean-Jacques Rousseau que afirmava que o homem nasce bom e a sociedade o
estraga, e preferiu ponderar que alguns homens não nascem bons, e que, portanto,
já vêm com um defeito de maldade.
Ambos estão na contramão, alterando as
estatísticas que temos. A ANDI, Agência Nacional de Direito da Infância, há
anos atrás, fazia um estudo que evidenciava o que experimentávamos na prática.
As matérias dedicadas ao abuso sexual, à exploração sexual de crianças, ao
estupro, ficavam entre 4.7% a 3.2%/ano das matérias de jornais escritos. A
curva era decrescente. E dessa quantidade, menos ainda era dedicada à reflexão.
À época, na ABRAPIA, era frequente que marcas recebessem um projeto, elogiassem,
mas ao final, recusassem um patrocínio e pedissem desculpas porque não ficava
bem ter o nome da marca associada a uma coisa tão feia.
A Lei Maria da Penha é violada a cada 15
segundos. O marido da Maria da Penha, que ficou paraplégica em consequência das
inúmeras vezes que foi vítima de violência doméstica, continuou como professor
na Universidade Federal do Ceará. Nada mais eloquente para dizer da impunidade.
Mulheres continuam a serem espancadas e assassinadas pelos seus, atuais e ex, maridos,
companheiros, namorados.
O abuso sexual intrafamiliar é alvo de
campanhas em que a Secretaria de Direitos Humanos diz que ter conhecimento e não
denunciar é praticar também violência contra a criança. Mas há a Lei da
Alienação Parental, instituto sem sustentação científica, para abrigar e
inocentar todos os pais/abusadores, invertendo os papéis e passando a vítimas
de mães loucas. Tramita no Congresso uma criminalização que prevê pena de
reclusão de 03 meses a 03 anos para mães, familiares e qualquer pessoa que
denunciar e não provar o abuso, tipificado como crime às escuras. Denuncia e
vai para a prisão ou cala?
O Projeto Crescer sem Violência convive
com a “Medalha de Ouro” do primeiro lugar na América Latina de Exploração
Sexual de Crianças, ocupado pelo Brasil.
Permito-me discordar do Zuenir, e mais
ainda do Rousseau. Um atrevimento. Estudos apontam para o comportamento
agressivo e insensível do início da vida. Entre eles, um vídeo é bem
ilustrativo: uma sala de creche com crianças entre 01 e 02 anos. Uma criança
tem seu brinquedo tomado por outra criança. Sentado no chão, ele começa a
chorar. Todos olham em sua direção, continuam onde estão e um a um, todos vão
até o que está chorando e batem, empurram, puxam o cabelo, chutam aquele que
chora. Este estudo, que afirma ser a agressividade congênita ou inata, diria
necessária para nascer e sobreviver impondo suas necessidades de cuidado, vem
de encontro com a constatação da aquisição da capacidade de empatia, que é
estimulado pela mãe, e substitutos. É a mãe suficientemente boa, no conceito do
Winnicott, que emprestará este se colocar no lugar do outro quando pega o
brinquedo ou o amiguinho que sofreu um ataque da criança e o consola,
aconchega, pede desculpas, fala do dodói que lhe foi causado. Nascemos todos
com muita agressividade, necessária para nascer, necessária para nos mantermos
vivos, e precisamos aprender a humanicidade pela capacidade de empatia, função
materna. Na ausência desta capacitação, a criança não adquire a empatia, a
solidariedade, a cidadania, ou fica com estas funções precárias.
Apesar de todo o avanço tecnológico, de
todo o avanço no conhecimento, o Homem é um Projeto que não melhorou, até hoje
tem comportamentos sub animais, como o estupro coletivo, a Humanidade não tem
dado certo.
O estupro sempre fez parte da história
das mulheres brasileiras. Temos outra medalha vergonhosa quando somos
equiparados à Índia e ao Paquistão neste item de patologia social.
Historicamente, não se divulga isto, nossa Imperatriz teve inúmeros abortos
consequentes aos espancamentos que sofria do Imperador, e ela acabou morrendo
de sífilis, tendo sido monogâmica por toda a vida. Hoje, além da sífilis que
voltou, esposas monogâmicas são contaminadas por seus maridos pelo HIV, e
morrem. Esta é mais uma forma de violência contra a mulher. Há muitos
abatedouros dentro dos chamados lares.
Em meio a onda de indignação com o
noticiário da barbárie, surge mais uma notícia de horror. Um menino de 10 anos
e seu amigo de 11 anos, furtam um carro dentro de um condomínio e o garoto de
10 anos ao volante acaba recebendo uma bala na cabeça na perseguição policial.
Este garoto morto era filho de um pai apenado e de uma mãe recalcitrante,
furtos, e gostava de jogar vídeo game na lan house da favela onde morava em
parte da sua vida. Trouxe o seu game favorito, uma perseguição em que dirigia
um carro e matava para ganhar, para a vida real, e morreu na sociedade
cenográfica em que vivia. O menino de 11 anos é recuperado na delegacia por sua
mãe. A imagem me impressionou e foi eloquente. Caminhando na noite, ela na
frente, mãe franzina, com um agasalho amarelinho da seleção brasileira de
futebol, pirata possivelmente, ele tentando acompanhá-la no passo. Amarelo, a
cor da sorte nas copas de futebol, escrito “Brasil” em verde. Como o estupro
coletivo, como a criminalização do uso destorcido de alegação de Alienação
Parental, como a Exploração Sexual de Crianças, como a Misoginia reinante, coma
Cegueira Deliberada endêmica, doeu muito. A vulnerabilidade está cada vez mais
vulnerável.
Game
over.
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